Em 1992, o
produtor Chris Carter é chamado pelo então novo presidente de produção da Fox,
Peter Roth, que queria um novo seriado para o canal. E o que foi criado,
tomaria proporções impensáveis naquele momento, quebrando paradigmas, influenciando
outras obras, mudando a história da tevê e se tornando uma lenda da cultura
pop.
Nascia ali,
Arquivo X!
Originalmente
pensado por Chris Carter para ser uma mistura dos seriados “Kolchak e os
Demônios da Noite” e “Além da Imaginação”, com algumas pitadas de Alfred
Hitchcock, o projeto, contudo, acabou ganhando um belo “não” dos executivos do
estúdio. O que obrigou Carter a rever o conceito do projeto, passando a se
basear em muito em “O Silêncio dos Inocentes”, e trazendo consigo como protagonistas
as figuras dos agentes do FBI. E desta forma somos apresentados a Fox Mulder
(David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson).
"Mulder e Scully surgiram diretamente do
fundo da minha imaginação. Uma dicotomia. Eles representam as partes equivalentes ao meu desejo de
acreditar em algo e a minha incapacidade de acreditar em tal coisa. Meu
ceticismo e minha fé. E a criação desses personagens foi extremamente fácil
para mim. Eu queria, assim como várias outras pessoas, passar pela experiência
de testemunhar um fenômeno paranormal. Ao mesmo tempo em que eu não queria
acreditar nisso, eu me questionava. Eu acho que esses personagens e essas vozes
surgiram dessa dualidade." - Chris Carter.
Na premissa, o
agente Fox Mulder, que tinha a alcunha de “O Esquisito”, era o responsável por
cuidar dos assim chamados “Arquivos X”, casos que envolviam coisas como
paranormalidade, abduções de pessoas por OVNI’s, e toda sorte de outros
fenômenos fora do normal e sem explicação lógica aparente, que faziam Fox ser motivo
de chacota dentro do próprio FBI.
Contudo, as
investigações de Mulder sobre discos voadores e uma conspiração de altos
escalões do governo para encobrir sua existência, pareciam estar incomodando
alguém, geralmente personificada na figura do “Canceroso” (William B. Davis).
William B Davis era o "Canceroso" |
Então para espionar Fox Mulder, e tentar através de argumentos científicos descredibilizar o
trabalho do agente que era obcecado por isto por acreditar que sua irmã havia
sido abduzida, é destacada Dana Scully, uma agente com doutorado em medicina
legal, aqui valendo lembrar que a personagem pode ser considerada o grande
ponto de partida para a utilização da figura do médico legista, isto bem antes
de CSI.
OK. Eu sei que é bem
provável que você que esteja lendo deva saber disto, mas tal explanação se
fazia necessária para começarmos a compreender o que fez Arquivo X algo tão
diferente.
Dadid Duchovny, Gillian Anderosn e Chris Carter na premiação do Globo de Ouro |
Para começar,
tudo no início do seriado fazia crer que a estrutura de relação entre os
protagonistas seguiria o esquema mais que tradicional do protagonista principal
(no caso Mulder) e sua sidekick
(Scully). Porém, pouco antes do começo das filmagens da segunda temporada,
Chris Carter recebeu uma notícia inesperada, Gillian Anderson estava grávida e,
portanto, precisaria se ausentar das gravações do seriado por um razoável
período.
E o que poderia
ter virado um pesadelo para a produção do seriado, acabou se tornando o grande
ponto de virada para Arquivo X.
Mudando o enfoque
original da trama, em cima da irmã de Mulder, para Scully que teria sido
abduzida. Uma jogada genial de roteirização que manteve a linha da mitologia
principal e seu fio condutor, mas que começou a gerar dentro e fora da trama
diversos desdobramentos.
Nicholas Lea era Krycek |
Dentro da trama,
o desaparecimento de Scully, trouxe para o seriado a figura de Alex Krycek
(Nicholas Lea), que é designado para ser novo parceiro de Mulder, mas conforme
a trama evoluiu vai mostrando sua verdadeira personalidade.
Mas quando
Gillian retoma as gravações é que de fato se iniciam as grandes reviravoltas no
seriado, pois na trama, como um efeito colateral de sua abdução, Dana Scully
descobre estar com câncer. Interpretação que deu a Gillian Anderson o “Globo de
Ouro” de melhor atriz dramática, e começou a modificar totalmente aquela
estrutura de relação entre os personagens que citei acima.
Pois ali a figura
da Dana Scully sidekick já tinha
desaparecido por completo. Mas se engana quem pensa que houve uma igualdade de
importância entre dois. Não, algo a mais havia ocorrido, e conforme as
temporadas iam se sucedendo, cada vez mais Scully se tornava o maior destaque
da série.
E aqui se faz necessário a abertura de um
pequeno parêntese.
Pois mesmo que a figura
de Fox Mulder desde o começo da saga resvalasse ocasionalmente no arquétipo do
nerd, ainda sim sua condição de “galã protagonista” prevalecia.
Porém, com o passar das temporadas o nerd que habitava em Fox Mulder foi cada
vez mais tomando espaço, principalmente graças aos episódios que resvalavam
para um tom quase cômico.
Outra
característica que Arquivo X soube explorar muito bem, pois fora da mitologia
principal, dosava com bastante sabedoria diferentes tons aos episódios de uma
mesma temporada, algo que já havia citado aqui no artigo sobre Xena, e que anda
muito em falta nos seriados atuais, fazendo estes episódios que poderiam ser
meros coadjuvantes se tornar muitas vezes aqueles que de fato estão gravados na
memória do público.
Não há como não
citar, o seu “elenco de apoio”.
Mitch Pilleggi - O diretor assistente Walter Skinner |
Se é que dá para
usar este termo no caso de Arquivo X, já que ao menos na opinião deste escriba,
é impossível imaginar a série sem personagens como o diretor Walter Skinner
(Mitch Pilleggi).
Os Pistoleiros Solitários |
Ou ainda Richard
Langly (Dean Haglund), Tom Baridwood (Melvin Frohike) e Bruce Harwodd (John Fitzgerald
Byers), os Pistoleiros Solitários, os tres hackers que como Mulder acreditavam
na conspiração governamental, e que volte e meia ajudavam Fox e Dana, e que de
tanta empatia que criaram com o público, acabaram até ganhando seriado próprio,
mas que só durou 12 episódios.
Já li e escutei
muitos dizerem que o fracasso do seriado teria sido porque superestimaram a
importância do trio de coadjuvantes, mas com o passar do tempo, percebi que na
realidade houve um grave erro de timing, numa época em que a série principal já
dava alguns sinais de desgaste em sua equipe. Numa comparação meio louca, seria
como se esperassem o final de “Hércules” para começarem a produzir “Xena”.
Fora, lógico, a ausência de um bom fio condutor para uma saga dos três hackers.
Sendo nesta
época, na qual gossips davam conta
que David Duchovny estava inclinado a abandonar o seriado, que foi introduzida
uma nova dupla de agentes.
Mônica Reys (Anabeth Gish) e John Doggett (Robert Patrick) |
John Doggett
(Robert Patrick) e Monica Reys (Anabeth Gish) passam a integrar o elenco da
série, replicando entre si muitas vezes as discussões já ocorridas entre Mulder
e Scully, só que com seus pontos e contrapontos invertidos já que aqui Doggett
era o cético, e Reys a que acreditava (ou ao menos colocava reticências e interrogações)
sobre os casos dos Arquivos X.
Foi também a
partir daí que a figura de Skinner passa a ter mais destaque, com Mitch Pillegi
enfim obtendo seu reconhecimento como também protagonista, com seu nome e rosto
surgindo na abertura.
Abertura que,
aliás, tem um dos melhores temas (talvez o melhor) de um seriado live action que já tive o prazer de
escutar, fazendo o espectador imergir logo de cara no clima de mistério.
Millenium - A série durou apenas três temporadas |
Clima de mistério
que Chris Carter tentou replicar em outro seriado, Millenium. Mas a receita de
Arquivo X, ao contrário do que seu criador talvez pensasse na época ia além do
viés do mistério e conspirações, e apesar de um razoável fio-condutor, faltou
um pouco daquela diversidade nos episódios que ajudou tanto a sustentar a
longevidade das aventuras de Mulder e Scully.
E Millenium
acabou cancelada após três temporadas.
E falando em
episódios, Arquivo X teve alguns momentos que marcaram a tevê da época, mudando
sua história. Como o episodio “Home”, que foi o primeiro a ganhar na tevê
estadunidense o selo TV-MA (ou seja, impróprio para menores de 17 anos) e que
se conta teria sido baseado parcialmente numa história real, sendo que ao menos
em “Terras de Tio Sam” ficou por anos sem ser reprisado.
Ou em outro
episódio passado no ártico, para o qual construíram num grande estúdio um
cenário no qual havia uma vela (a torre) de um submarino que se erguia e se
recolhia cerca de dez metros no cenário numa produção digna de cinema que em
muito ajudou a mudar a visão de executivos de estúdio e até artistas sobre o tratamento
dado aos seriados de tevê.
E logicamente
havia os episódios “fora da caixinha”, se é que podemos chamar assim, que em
nada tinham a ver até com o tom geral da série.
Dois bons
exemplos (entre tantos possíveis) são:
“First Person
Shooter”, um episódio com aquele viés cômico (humor negro, lógico) que
descrevi, onde Mulder e Scully são chamados pelos Pistoleiros Solitários para
investigar as mortes que estavam ocorrendo numa empresa de desenvolvimento de
videogames. Pessoalmente acho este episódio bastante significativo, pois ainda
que de forma não proposital, coroa a ascensão de Gillian Anderson a real protagonista
de Arquivo X.
“Post Modern
Prometheus”, um episódio produzido em preto e branco, no qual Mulder e Scully
vão até uma cidadezinha (ambientação meio padrão, eu sei) investigar a aparição
do que seria um “monstro”, que no fim das contas de monstro não tinha nada. Um
episódio incrivelmente leve, com final surpreendente, e que reza a lenda teria
sido feito para uma participação especial da atriz e cantora Cher. Que
infelizmente por conflito de agendas acabou não participando, sendo substituída
por uma dublê de corpo. Aliás, a forma como conseguiram inserir Cher no
contexto deste episódio não poderia ser mais bacana.
E por falar em
participações especiais, Arquivo X está abarrotada delas.
É até
interessante hoje ver rostos conhecidos como Jack Black, Lucy Liu, Shia LaBeouf
e Ryan Reynolds participando em começo de carreira de alguns episódios,
enquanto em outros temos veteranos como Burt Reynolds ou Martin Landau.
Burt Reynolds... |
...Lucy Liu... |
...Ryan Reynolds... |
...e Shia LaBeouf (sim, é ele) - participações em Arquivo X |
Sendo que a
participação de Landau ocorre no filme de 1998, um advento que pelo menos ao
que me recorde não ocorreu para nenhum outro seriado antes de Arquivo X. Um
filme lançado nos cinemas durante a produção da própria série.
Sendo que no
campo destas participações, se você é fã de “Breaking Bad” agradeça à Arquivo X
e seu episódio “Drive”, no qual o personagem vivido por Brian Cranston
sequestra Mulder, o obrigando a dirigir sem parar. Tal episódio escrito por
Vince Gilligan, o criador de “Breaking Bad”, acabou sendo decisivo para a
escolha de Cranston para viver o protagonista da série, pois sua atuação em
“Drive” não saía da cabeça de Gilligan.
Ahhh... E lógico!
Não podemos nos esquecer de citar a participação da eterna “princesa guerreira”
Lucy Lawless nos dois primeiros episódios da nona temporada.
Lucy "Xena" Lawless em sua participação em Arquivo X |
Com todo o
sucesso, óbvio que Arquivo X passou a ser referenciado em várias outras obras.
Só pra citar dois exemplos, em um episódio de “Chicago Hope” uma mulher de
origem latina vai para no hospital, e lá conta que teria sido abduzida por alienígenas,
eis que então começa a tocar a música de tema de Arquivo X, ou como não poderia
deixar de ser, quando Mulder e Scully foram parar em “Os Simpsons” no icônico
episódio “Arquivo S”.
Após o
encerramento “oficial” da série, Arquivo X ficou, digamos, hibernando por sete
anos, até que em 2008 vem o anuncio de um novo longa-metragem, “Arquivo X – Eu Quero
Acreditar” (a famosa frase do pôster que ficava no escritório de Mulder com a
foto de disco voador).
Até que após um
hiato de quinze anos, “Arquivo X” volta às telas de tevê, algo que pessoalmente,
por mais que ache interessante (e de fato é), faz um seriado que marcou a
história acabar correndo riscos desnecessários de macular uma obra que não
apenas criou uma legião de fãs, mas que mudou o jeito de se pensar como se
fazer um seriado de tevê, aproximando-os
de vez do cinema, e ficando indelevelmente registrado no melhor cantinho da
memória.
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