sábado, 17 de setembro de 2022

A História Sem Fim - O Filme Mais Profético de Todos Os Tempos.

 

Durante estes cinco anos de existência do “Enquanto Isso na Ponte de Comando”, tive sentimentos conflitantes sobre escrever sobre “A História Sem Fim”.

Apesar de ter uma opinião bem formada sobre a proposta do filme, sempre fiquei reticente sobre escrever a respeito dele. Contudo, diante da passagem de seu diretor no último dia 12 de agosto, o icônico Wolfgang Petersen (O Barco, Inimigo Meu, Na Linha de Fogo), e de me deparar com algumas resenhas simplesmente horríveis (mas que ainda assim provam que o filme sempre esteve certo), percebi que a hora tinha chegado.

Baseado no livro de mesmo nome do alemão Michael Ende, e com roteiro do próprio Ende e de Petersen, A História Sem Fim nos apresenta a Bastian Balthazar Bux (Barret Oliver), um garoto solitário, que tem que encarar a barra da perda recente da mãe, a quase absoluta indiferença do pai, além do bulying dos valentões do colégio, e que procura se refugiar nos livros e em mundos de ficção para sobreviver a tudo isto.

Até aí nada demais, como todos nós sabemos, e A História Sem Fim poderia tranquilamente passar por mais um produto massificado, embrulhado numa capa de boas intenções e recheado de mais do mesmo.

Mas quando ao fugir de seus agressores, Bastian entra num sebo, e trava contato com um misterioso livro, ao qual malandramente leva consigo para o sótão da escola e  começamos a embarcar num dos maiores exercícios de metalinguagem que já vi num filme.

Bastian começa a travar contato com "Fantasia"

E que faria a geração acostumada a “Harry Potter” ter o crânio esmagado sob o martelo invisível do drama, depressão e agonia com o qual o roteiro é mergulhado. Isto ao mesmo tempo que “conversa” de forma absolutamente proposital com o mundo real.

E para quem ainda nos dias de hoje defende a tese que tudo que acontece na película é uma metáfora para o luto de nosso jovem protagonista, lamento informar que o buraco é bem mais embaixo.

Pois se no começo tudo parece um “conto de fadas” no qual somos apresentados a personagens como um caracol de corridas, ou um gigante comedor de  pedras, logo após sabermos qual seria a “jornada do herói” que Atreyu, o protagonista do livro deveria cumprir, a coisa começa a mudar um pouco (ou muito) de figura.

A Imperatriz Menina

Nosso jovem herói precisava viajar até os confins de Fantasia (o mundo do livro) a fim de conseguir a cura para Imperatriz Menina achando uma criança humana para tal, e impedir o avanço de uma entidade chamada de “O Nada”.

Atreyu recebe o Auryn

Tendo apenas como “proteção” uma joia, um pingente que lhe é ofertado chamado Auryn, o mesmo símbolo que adorna a capa do livro.

E a medida que Bastian vai mergulhando na trama do livro, o filme cria a percepção que a barreira entre a ficção que lia e a realidade aos poucos se torna mais tênue.

Algo que poucos percebem (e em razão disto saem por aí escrevendo bobagens), que a estória trata de Fantasia não como algo fictício, mas sim como uma realidade alternativa, que apenas existia em função de uma relação simbiótica com nosso mundo, sendo o livro o portal de ligação.

E que todo plano da Imperatriz era um grande ardil a fim de atrair a atenção de alguma criança. Algo bem complicado já naquela época.

E de certa forma cabe até uma comparação com nosso querido Mestres do Magos, pois para atrair a atenção de Bastian, Atreyu acaba passando por diversos desafios e mazelas. Sendo a pior delas sem dúvida a perda de Artax, seu cavalo de estimação que morre afundando aos poucos na lama do assim chamado Pântano da Tristeza.

Atreyu tenta salvar Artax

Do qual o próprio Atreyu acaba por ser salvo no último segundo por Falkor, o dragão (como cara de cachorro) da sorte, enquanto sem saber era perseguido por Gmork, um lobo enorme que havia se tornado uma espécie de arauto do Nada.

Atreyu e Falkor

Já tive o desprazer de ler resenhas que tentam desmerecer a trama com alegações das mais pífias, para não dizer preguiçosas, como o fato do filme ser “muito triste’’ e “depressivo”, quando na verdade trata justamente da recuperação da esperança, ao mesmo tempo em que lança um alerta (super atual, diga-se de passagem) de como as pessoas ao deixarem de sonhar também deixam de realizar. E que consequentemente passam a ser mais fáceis de controlar pois perdem as esperanças.

E aqui entramos naquilo que torna este filme o “Mais Profético de Todos os Tempos”. Algo que talvez nem o próprio Michael Ende tenha pensado ao escrever seu livro. E não, não me refiro aqui a nenhum futuro despótico.

O "Nada" ameaça destruir "Fantasia"

Como a metáfora do “Nada” viria a se aplicar tão bem aos dias hoje, numa sociedade que preferiu trocar seus sonhos e realizações pela anestesia da automatização em todas as facetas da vida. Algo mostrado inclusive na indiferença e falas do pai de Bastian na cena do café da manhã. 

Questões semânticas (ou nem tão semânticas assim) à parte, “A História Sem Fim” foi a produção mais cara do cinema alemão até então (27 milhões de dólares), superando com folga “O Barco” do próprio Petersen, que obcecado ao extremo por perfeição chegava a fazer quarenta cortes diferentes para uma mesma cena, e isto fez com que as filmagens que deveriam durar só três meses, se estendessem por quase um ano inteiro.

Wolfgang Petersen

Apesar de ter colaborado com o roteiro, a relação de Michael Ende com o estúdio e com Wolfgang Petersen começou a azedar ainda durante as filmagens. Já que o escritor foi contra várias representações visuais existentes na película, desde a famosa “cara de cachorro” de Falkor, até a cena das esfinges que soltam raios, que foram retratadas com seios fartos, um visual que Ende considerava constrangedor.

Fazendo o escritor pedir que tirassem seu nome dos créditos e até mudassem o nome do filme, chegando posteriormente inclusive a processar os produtores, mas perdendo.

Michael Ende e seu livro

Mais tarde Ende declarou que ninguém envolvido no filme entendeu coisa alguma que estava em seu livro. Contudo, ainda que o escritor possa lá ter sua cota de razão, o que vemos em tela retrata apenas a metade do livro, o que acabou deixando brecha para uma sequência, que esta sim mexeu bastante no conteúdo original. Houve até um terceiro filme, mas este é melhor nem comentar.

Steven Spielberg ganhou de Petersen o Auryn original

O que pouca gente sabe é que na versão norte-americana, “A História Sem Fim” recebeu uma ajudinha de Steven Spielberg, que encantado com o filme, ajudou Wolfgang Petersen a fazer pequenas edições, tirando cerca de sete minutos do filme à fim de deixa-lo mais ágil para o público estadunidense. Em agradecimento, Petersen deu para Spielberg o “Auryn” original usado no filme, que está guardado numa redoma de vidro no escritório de Steven.

Passados quase quarenta anos de seu lançamento “A História Sem Fim” permanece como um dos filmes de fantasia fantástica mais expressivos de todos os tempos, e que só cai na rotulação do “infantil” devido a necessidade da própria indústria em fazê-lo.

Mas que merece sempre ser revisto de tempos em tempos por aqueles que já o conhecem, assim como descoberto por novas gerações. Não pelo viés raso do saudosismo conveniente, mas por que permanece nos dias de hoje mais atual do que nunca!



 

 

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