terça-feira, 26 de março de 2019

SOB's, Mack Bolan e os guerreiros da Nova Cultural


Começo dos anos 80. O mundo vivia sob o fantasma da guerra fria e a ameaça de um confronto atômico, enquanto no horizonte novas ameaças como os narco-cartéis despontavam no horizonte.
E lógico que o cinema estava na ponta ao transpor as aventuras de agentes especiais, ex-soldados e tropas secretas que combatiam em geral as ameaças às terras do Tio Sam.


Mas claro que a boa e velha literatura não poderia ficar de fora, e foi em meados da década de 80, que aqui no Brasil, a editora Nova Cultural em associação com a norte-americana Golden Eagle, passou a publicar e distribuir nas bancas de jornal, uma série de livros de diferentes autores, que transpunham para o papel o que comumente só se via os filmes.
Agentes em geral a serviço do governo estadunidense, que combatiam desde mafiosos e terroristas, até agentes estrangeiros em missões nunca oficiais, todos devidamente incrementados por um apelido ou codinome.
Eram eles: 
Able Team, os Justiceiros;


Phoenix Force, os Vingadores;


Track, o Anjo;


Mack Bolan, o Executor;


E SOB’s, os Implacáveis.


Os três primeiros por diversas razões acabaram tendo, digamos, uma carreira menos marcante.
Mas Mack Bolan e os SOB’s por diferentes razões se tornaram quase cults, e base para muitas coisas que foram feitas depois.
Escrito por Jack Hild, os SOB’s (sigla em inglês para Soldiers of Barrabás), contava as aventuras de um grupo de mercenários, em geral contratados pelo senado norte-americano, para resolver “pendências” onde o governo estadunidense não poderia se envolver oficialmente.


Os “Implacáveis” eram comandados pelo coronel Nile Barrabás. Um veterano do Vietnã, sobre o qual pairava a lenda de ter sido o último soldado norte-americano a deixar o país asiático, e o primeiro a se engajar numa nova luta.
Tendo sido também durante o conflito, que Nile adquiriu sua principal característica física, os cabelos precocemente brancos, após ter sido atingido por um estilhaço de granada na cabeça.


Com uma ambientação rica em detalhes, não só dos locais onde as aventuras se passavam como de todo o maquinário e armamento usados - aliás, características presentes em todos os títulos publicados -, SOB’s talvez tenha boa parte de seu êxito creditado por ser, diferente de Able Team por exemplo, o grupo mais heterogêneo de todos.
Nele além de Nile Barrabás, tínhamos, Emilio Lopez, um latino; Claude Hayes, um negro; um indígena, William “Billy Dois” Starfood II; Alex “O Grego” Nanos; Lian O’Toole; Nathaniel “Nate” Beck; e a cereja do bolo, a doutora Lee Hatton, que a princípio seria apenas a médica do grupo, mas que por várias vezes participava das ações junto com a equipe.


Isto porque, apesar de cada membro dos SOB’s ter sua área de especialização, como demolição submarina, sniper, eletrônica, entre outras habilidades. Todos faziam questão de compartilhar seus conhecimentos com os companheiros, por saber que isto poderia salvar a vida de todos numa missão.
Tendo sua base de operações na ilha particular da família da doutora Hatton.
E ainda que de vida curta, outra coisa que ajudou no êxito de SOB’s talvez tenha sido que todos os seu 33 volumes são sequenciais, formando uma única longa saga para os Soldados de Barrabás, que muita vezes enfrentavam bandidos e tiranos por conta própria, em outro escopo, que na opinião deste escriba, ajudou na sua popularização pois ajudava a desvincular a figura dos mercenários da sombra do governo estadunidense.

Os Mercenários - A franquia hoje é oque mais se aproxima de SOB's

Algo comum de se ver no cinema até meados dos anos 90, mas que hoje em dia só encontra proximidade com a franquia de “Mercenários”, protagonizada por Sylvester Stallone.
Apesar do fãs e êxito comercial, Jack Hild era um pseudônimo, e a real identidade do autor de SOB’s permanece um segredo para o grande público.
Agora no outro extremo, temos o agente criado por Don Pendleton, ainda no finalzinho dos anos 60.


Mack Bolan, “O Executor”, também era um veterano do Vietnã (pois é, acho que não dava muito pra fugir deste lugar comum naquela época). Que em geral trabalhava diretamente para a CIA, e entrou nisto após sua família ter sido assassinada pela máfia.
História familiar? Então...

O Justiceiro (The Punisher) - Inspiração vinda de Mack Bolan

Bolan teria sido a maior fonte de inspiração para Gerry Conway criar o Justiceiro (Punisher) na Marvel, e cá entre nós, creio eu que sua premissa tenha sido inspiração para outros tantos personagens, incluso aí, Paul Kersey, o vigilante imortalizado por Charles Bronson na franquia Desejo de Matar.


Mas diferente de Frank Castle ou Paul Kersey, as “obrigações contratuais” de Bolan, o levaram a ser desde “babá” de membros refugiados do então deposto governo iraniano até incursionar pelo Afeganistão durante a invasão soviética.

Don Pendleton - o criador de Bolan

Contudo, nem sempre Mack agia como um “lobo solitário”, e ainda que os títulos possuíssem cada, um autor diferente, por vezes aconteciam crossovers entre Mack Bolan, Able Team e a Phoenix Force. Todos tendo como elemento de ligação a figura de Hal Brognola, um funcionário da agencia, um contumaz consumidor de pastilhas antiácidas.
E quando o Executor, os Justiceiros e os Vingadores se reuniam, eles passavam a ser os Stony Men.

Abble Team, Mack Bolan e a Phoenix Force

Nestes casos, Don Pendleton, escrevia a história em parceria com o autor dos outros personagens, estabelecendo praticamente um “universo compartilhado”.


Em 2014 a Warner comprou os direitos sobre Mack Bolan, chegando a anunciar que gostariam de ter Bradley Cooper fazendo o papel, mas desde então nada mais foi divulgado.


Estes eram títulos que dividiam as prateleiras das bancas de jornal, em livros de bolso de baixo custo. Uma literatura que muitos podem até considerar de “segunda linha”, mas que a bem da verdade, foi responsável por difundir o habito da leitura numa geração que comumente só se deparava com algo do gênero nas telas dos cinemas, ganhando de forma merecida seu status de cult.



quarta-feira, 13 de março de 2019

Warriors - Os Selvagens da Noite


No começo da década de 1970, diante do esvaziamento das salas de cinema, que os executivos dos estúdios creditavam no avanço da televisão, Hollywood se viu obrigada a abrir suas portas para toda uma nova safra de diretores, e por vezes bancar suas ideias sem maiores restrições.
Eram os anos em que os anti-heróis ganhavam de vez seu espaço cativo na telona, e desafiar o sistema estabelecido e o status quo social se tornou lugar comum.
E no finalzinho da década, o diretor Walter Hill chegava com seu terceiro filme, e que se tornou talvez aquele que melhor retrate este período... Warriors – Os Selvagens da Noite.


Baseado no livro de Sol Yurick, lançado na década anterior, mas com o qual quase não guarda nenhuma similaridade. Warriors, que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de “Selvagens da Noite”, é mais um daqueles filmes que por um a série de motivos se tornou algo único.
Na história, em meio uma Nova York tomada por gangues, Cyrus (Roger Hill), o líder da maior de todas, os Riffs, surge com a seguinte proposta: Unir todas as gangues de Nova York e arredores num único grande exercito, que juntas excederiam em muito o número de policiais.
E para falar de suas ideias é erguida uma trégua e marcado um grande encontro à noite no Central Park.

Cyrus sonhava com uma cidade dominada pelas gangues

Só que os planos de domínio das ruas pelas gangues, vão por água abaixo quando Luther (David Patrick Kelly), líder de um pequeno grupo, os Rogues, mata Cyrus, e em meio a confusão, consegue culpar os Warriors, um grupo do distante distrito de Coney Island.
E o que temos a partir daí, não é apenas a jornada dos Warriors através da noite, enquanto eram perseguidos por todas as outras gangues da cidade, mas também um raro exercício de como se fazer cinema, com um orçamento baixo, um elenco desconhecido e uma dose de coragem que hoje parecem meio esquecidas pela maioria dos cineastas mais novos.

Os Warriors

Discípulo direto de Sam Peckinpah, do qual tinha sido assistente, Walter Hill já era bem conhecido do público pelos seus dois primeiros filmes, Lutador de Rua (Hardtimes) estrelado por Charles Bronson, e Caçada de Morte (The Driver) estrelado por Ryan ONeil.

O diretor Walter Hill orientando os atores durante as filmagens

Mas ao iniciar a produção de Warriors, Hill, ao lado do produtor Frank Marshall viram que ali precisavam de algo novo, novas caras. Não que os planos originais não previssem a utilização de rostos conhecidos, Sigourney Weaver e até Robert De Niro chegaram a ser sondados para participações na película.
Contudo, como ali contariam uma história de protagonistas jovens, a opção por rostos menos ou nada conhecidos logo se fez soberana.

Um elenco de rostos desconhecidos até então.

Algo que ficou claro quando contrariando o estúdio que queria o galã Tony Danza para o papel de Swan, Walther Hill escolheu o até então desconhecido Michael Beck.
Beck que foi descoberto quase que num golpe de sorte quando Hill foi sondar Sigourney Weaver que fazia um filme independente no qual o rapaz também atuava.
Algo que de certa forma pode ser aplicado a Deborah Van Valkenburgh que para ganhar o papel de Mercy teve que audicionar várias vezes, e que Hill afirmou tempos depois ter escolhido ela justamente por não ser “a escolha mais obvia” e que de fato não queria alguém muito famoso.

Mercy (Deborah Van Valkenmburgh) e Swan (Michael Beck)

E aqui acho que se faz necessária a abertura de um interessante parêntese sobre esta conturbada relação diretor/estúdio que muita vezes acaba por estragar vários filmes. Pois aqui em “Warriors“, ainda que possa ter ocorrido uma ou outra queda de braço, ao que parece ambos os lados cediam sabiamente quando percebiam que a ideia do outro era mais benéfica.
Exemplo? A ideia original de Walter Hill era que os Warriors fossem uma gangue exclusivamente de negros, até para pegar um pouco de carona na chamada black exploitation mas foi aconselhado pelo estúdio já naquela época a criar um grupo heterogêneo.


Um pensamento comercial? Pode até ser. Mas que de fato garantiu uma empatia geral aos protagonistas.
Isto quando o próprio diretor percebia que suas ideias não eram lá as melhores, como quando de início considerou lançar mão do subtítulo “Em Algum Lugar do Futuro”, mas logo percebeu que isto tiraria do filme sua ligação com a realidade, transformando-o numa fábula. Uma ideia que não abandonaria totalmente vindo a utilizá-la em outro clássico, “Ruas de Fogo”, mas que de certo ali não cabia.


E em 26 de junho de 1978 se deram início as filmagens, nas quais mais de 90% ocorreram em sets reais, com a equipe trabalhando sob os olhares de fãs e curiosos até altas horas da noite num incômodo frio mesmo em se tratando do verão no hemisfério norte.
Aí você que está lendo já deve estar imaginando que a equação, elenco jovem + locações reais + tema abordado, tenha como resultado muita confusão, certo?
Pois é, e a lista é longa, mas pode se destacar alguns casos.

Algumas das gangues do filme
                  
Como durante a cena com a gangue Orphans, cuja a gravação precisou ser interrompida por causa de perseguição policial real.
Ou certa vez durante uma pausa nas filmagens, quando a gangue Turnbull AC’s resolveu fazer um lanche numa hamburgueria próxima e foram caracterizados como estavam. Quando os clientes viram aquilo fugiram correndo, como medo de serem atacados.
Além disto havia as dificuldades naturais de filmar no metrô nova-iorquino no meio da madrugada, que iam desde encarar serem cobertos por uma camada de pó de aço preto resultante da manutenção dosa trilhos, até se depararem com ratos do tamanho de gatos.

Filmar no metrô se tornou uma dos maiores desafios da equipe

Mas poderia ser pior, não é?
Bem, para Deborah Van Valkenburgh foi, pois em duas ocasiões a moça acabou se machucando. A primeira enquanto corria pelos trilhos do metrô de mãos dadas com um dublê e caiu, fraturando o pulso, pois o dublê não soltou sua mão, o que obrigou ela a usar um casaco pelo resto das filmagens para esconder o machucado. E a segunda vez ao ser acertada acidentalmente por Michael Beck com um taco, numa cena de briga. Levada as pressas para o hospital no meio da madrugada, levou alguns pontos, ganhando uma cicatriz que tem até hoje.

Deborah e Michael atualmente - Amizade inabalada mesmo após o incidente com o taco.

E como aqui estamos falando de um filme que mesmo de forma exagerada às vezes, tocava num problema bem real que se vivia, lógico que a produção teve que “negociar”, digamos assim, com as gangues reais.
Situações que entraram para o hall das lendas urbanas, como quando tiveram que mudar as cores do figurino dos Warriors, pois os “Homicides” que era a gangue verdadeira de Coney Island não permitiu o uso de suas cores nem mesmo na ficção. Ou quando tiveram que pagar 500 dólares por dia para serem “protegidos” por uma outra gangue os “Mongrels”.
Mas com nem tudo pode ser apenas dor, ratos gigantes e extorsões, lógico que “Warriors - Os Selvagens da Noite” também foi profícuo em situações inusitadas e improvisos que geraram cenas antológicas.




Como no caso de duas das gangues do filme que saíram diretamente da cabeça de Walter Hill. As Lizzies, uma gangue só de mulheres, coisa que não existia na vida real, e era declaradamente a preferida do diretor; e os Baseball Furies que vieram da paixão de Hill pelo esporte e pela banda KISS, o que gerou a ideia da maquiagem do grupo.
Além disto, é preciso dar crédito a David Patrick Kelly, pois foi criação do ator não apenas a famosa frase “Warriors, come out and play”, como seu sincronizar com o tilintar das garrafas em seus dedos, após escutar de Hill que a cena precisava de “algo mais”.


E após este turbilhão de acontecimentos, enfim em 09 de fevereiro de 1979, “Warriors - Os Selvagens da Noite” fazia sua avassaladora estreia, com filas que dobravam quarteirões, num fim de semana que ainda tinha mais seis filmes em cartaz.
Estreia que não escapou de passar por confusões das mais variadas, mas que só acabaram por contribuir para aumentar o hype pelo filme.
Que com o passar dos anos foi ganhando uma legião de fãs, que iam desde o ex-ator Ronald Reagan, na época ainda presidente dos Estados Unidos, que teria inclusive ligado para Michael Beck direto da Casa Branca para dizer o quanto havia gostado do filme. Passando por Matt Goening criador dos “Simpsons”, que não apenas fez uma homenagem, mas produziu um episodio inteiro parodiando a película. Até os irmãos Joe e Anthony Russo, diretores de “Capitão América 2 - O Soldado Invernal”, que anunciaram que obra ganhará um remake na forma de série para televisão.


Algo que pouco se comenta, porém, é que o filme teve um desdobramento social bastante interessante, pois até sua estreia, Coney Island, que tinha vivido um passado glorioso, bem conhecida pelo seu parque de diversões, vivia um momento de degradação progressiva, esvaziamento populacional e esquecimento pelas autoridades.
Contudo, com o sucesso do filme, pessoas passaram a vir até de outros países para conhecer o “lar dos Warriors”, trazendo um inesperado crescimento na economia do local, que foi trazido aos holofotes.
Tornando os atores do filme, quase que heróis locais, e realizando até festivais que celebram o clássico filme.


Em 2015, Michael Beck e alguns outros membros foram reunidos a convite da revista “Rolling Stone”, e gravaram uma espécie de pequeno documentário neste festival, no qual os atores puderam ter a real dimensão daquilo que tinham realizado.




E não é que no final, a ideia de Cyrus das gangues dominarem a cidade deu certo?
Bem... pelo menos para os Warriors, sim.


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