sábado, 8 de agosto de 2020

As Mil Faces de Mark Dacascos - O Rei das Locadoras


Houve uma época, quase esquecida, no meio dos anos 1990 na qual os antigos e grandes cinemas de rua começaram a fechar, em parte devido à concorrência dos cinemas de shoppings e em parte por ser difícil por várias razões manter sua estrutura.
Nesta época várias produções que em outros tempos chegariam as grandes telas brasileiras, e de outros países também, acabavam sendo lançadas diretamente para o mercado de home vídeo, e nesta época alguns nomes se destacaram.
Entre estes, um ator que poderia facilmente assumir os mais diversos papéis devido seus biotipo e ascendência, especialista em diversos tipos de artes marciais que vão do kung-fu até capoeira, e que como se tudo isto fosse pouco ainda era um bom ator, conseguindo arregimentar uma quantidade de fãs digna de uma estrela hollywoodiana.
Mark Dacascos, o Rei das Locadoras!


Nascido em 26 de fevereiro de 1964 em Honolulu, Havaí. Mark Alan Dacascos, é filho de Al Dacascos, um instrutor de artes marciais de ascendência filipina, chinesa e espanhola, e de Moriko Key, descendente de japoneses e irlandeses.
Como era de se esperar, desde cedo teve contato e passou a praticar vários tipos de artes marciais, tendo em seu pai, que, aliás, é criador de um estilo de luta chamado de “Wun Hop Huen Do”, como seu grande mestre. Algo que se intensificou ainda mais quando Al Dacascos se casou pela segunda vez, com a artista marcial Malia Bernal.
Ou seja, o jovem Mark respirava artes marciais quase que vinte e quatro horas por dia, principalmente durante os anos que se mudou para Hamburgo na Alemanha, época na qual ganhou diversos campeonatos europeus de caratê e kung-fu.

Mark com seu pai Al Dacascos

Parece muito? Talvez para mim ou você que está lendo, mas ao retornar da Alemanha, Mark ainda procurou se especializar em duas artes aparentemente bem distantes. O kung-fu shao-lin para o qual voltou às origens, indo até as Filipinas para treinar com alguns dos maiores mestres do gênero, e a nossa brasileiríssima capoeira que seu pai tinha sido um dos pioneiros a trazer para solo estadunidense.
Contudo, ao contrário de outros artistas marciais que tentaram com mais ou menos êxito a carreira em Hollywood, Dacascos talvez seja oque mais se sobressaiu até hoje em não se deixar rotular apenas por suas habilidades nas artes marciais. Algo que logicamente gerou prós e contras para sua carreira.


Tendo sua primeira chance no cinema em “Dim Sum - A Little Bit of Heart” (1985), acabou sentido logo de cara o sabor amargo de ter sua breve participação deletada no corte final do filme.
Mas a experiência foi mais que suficiente para acender no jovem Mark a ideia de que uma carreira nas artes audiovisuais era plenamente possível, passando a frequentar cursos de interpretação, sendo inclusive formado em teatro pela Universidade de Portland.
E entre 1987 e 1991 batalhou fazendo pequenos papéis em diversas séries de tevê como “General Hospital”, “Dragnet” e até na hoje icônica série do “Flash” protagonizada por John Wesley Shipp.


Até que em 1992 surge a oportunidade de retornar para as telonas como o vilão de “American Samurai” ao lado de David Bradley, o segundo American Ninja. Um filme B, com B maiúsculo (aqui de fato numa conotação pejorativa), com algumas das cenas de lutas mais absurdas e fajutas já vistas, mas que abriu a brecha que Mark precisava.
E enfim lhe é dada a chance de protagonizar um filme inteiro, o super conhecido e diversas vezes reprisado na tevê brasileira, “Esporte Sangrento” (Only the Strong no original). Aqui é preciso deixar bem claro que a despeito do título chamativo, o filme está bem mais para uma mistura de “Karatê Kid” com “Um Diretor Contra Todos” (sim, aquele mesmo com James Belushi), do que com “Operação Dragão”.


Na trama Dacascos é Louis Stevens, um Boina-Verde que no começo do filme vemos estar em missão aqui pela América do Sul (não se espantem isto realmente ocorria muito naquela época). Onde aprendeu os paranauês da nossa capoeira, e que ao retornar para casa e visitar um antigo professor (Geofrey Lewis) que o incentivou, descobre que seu colégio está dominado por um traficante de origem brasileira, chamado Silvério. Convidado então pelo antigo mestre para ministrar um curso extracurricular para alguns alunos problemas daquilo que o próprio docente chama de “kung fu brasileiro”, acaba obviamente batendo de frente com os interesses de Silvério em aliciar os jovens.
Já li algumas resenhas na web que tentam ridicularizar este filme pelos estereótipos que os norte-americanos fazem do Brasil, e o pior, que insinuam que Mark não teria intimidade com a capoeira. No primeiro caso, como descrevi no parágrafo acima, o próprio filme faz piada sobre esta característica estadunidense na fala do professor e a forma como descreve a capoeira. E no segundo caso, de fato Dacascos nas cenas de luta não usa de nossa capoeira na sua forma pura, mas sim o método “Wun Hop Huen Do”, criado por seu pai. Fora que por exigência dele, há no filme a participação de seu mestre de capoeira, Joselito Santo.

"Double Dragon"

Então no ano seguinte veio a protagonizar a adaptação para as telas do videogame “Double Dragon”. Pessoalmente nunca gostei deste subgênero de filmes, mas não há como negar que se o filme tem uma boa característica é a de não se levar a sério, fora o elenco de rostos conhecidos.
Mas tudo que aconteceu até então pode ser considerado apenas um ensaio. Pois em 1995 em meio a alguns outros filmes que ainda exploravam apenas o estereótipo das artes-marciais, Dacascos ganha o papel que mudaria os rumos de sua carreira e até de sua vida.

Em "Cryin' Freeman"...

Era “Cryin’ Freeman - As Lágrimas do Guerreiro”, a adaptação cinematográfica do mangá e anime criado por Kazuo Koike.
Uma das melhores adaptações do tipo que já tive o prazer de ver, que para alguém que como eu já tinha tido na época ao menos contato com a animação, encheu os olhos com a replicação quase que perfeita de várias situações do desenho, fora o roteiro ágil que adaptava com inteligência e respeito a obra original.

...Mark Dacascos tem aquele que é seu primeiro grande êxito...

E em meio ao elenco que contava com nomes como Tcheky Karyo e Rae Dawn Chong, havia uma novata chamada Julie Condra, cujo papel mais conhecido até então era na série “Anos Incríveis” na qual participou de quatro episódios da quarta temporada.  E eis que a vida acabou imitando a arte (mais uma vez), e o casal de protagonistas realmente se apaixonou, se casando três anos depois, estando junto até os dias de hoje.

...e de quebra conheceu sua esposa, Julie Condra, durante as filmagens

O reconhecimento por sua interpretação em “Cryin’ Freeman” tornou Mark Dacascos um dos (se não o mais) conhecido astro para filmes de ação da segunda metade dos anos 90, logo abaixo lógico, dos nomes do chamado “primeiro time” do cinema de ação, que você que está lendo com certeza sabe quem são.
Iniciando uma fase quase workaholic, na qual estrelava um filme após o outro, dando a impressão, ao menos para quem frequentava as vídeo-locadoras da época, que a cada dois ou três meses pelo menos tínhamos um novo lançamento com Mark Dacascos na capa.
Dentre seus melhores trabalhos nesta época filmes sensacionais como:
Sabotagem - Uma trama de espionagem na qual Dacascos faz o papel de um ex-fuzileiro naval que trabalha como segurança, e é forçado pelas circunstâncias a unir forças com uma agente do FBI (Carrie Ann Moss, aqui antes de protagonizar Matrix), para impedir um assassino.

Dacascos com Carrie Ann Moss em "Sabotagem"

Santuário - Aqui Dacascos está na pele de um ex-membro de uma organização clandestina que agia dentro da CIA, e que após a morte de um amigo, resolve abandonar aquela vida se tornando padre. Só que quando seus antigos colegas descobrem seu paradeiro, ele precisa usar de tudo que sabe para sobreviver. Um filme com um final bastante contra indicado para católicos mais fervorosos, e que arriscar-me-ia até dizer ser um dos melhores filmes de ação dos anos 1990.


Drive Tensão Máxima - Aqui temos Dacascos simplesmente como um ciborgue criado na China comunista que foge e passa a ser caçado por um grupo de mercenários contratados para matá-lo.


Fora isto não poderia de forma alguma deixar de citar sua participação no excelente filme francês “O Pacto dos Lobos” no qual faz o papel de um índio mohawk. Papel para o qual além de aprender sobre a cultura do povo que representaria, precisou aprender a montar a cavalo e se tornar em tempo recorde fluente em francês.

Um índio mohawk em "Pacto dos Lobos"

E se lembram do que citei, lá no começo deste artigo sobre o séquito de fãs fiéis de Dacascos? Eles foram determinantes para que em 2003, Mark ganhasse seu papel no filme “Contra o Tempo” (Cradle 2 The Grave no original). Pois quando Jet Li resolveu fazer uma enquete em seu website sobre qual ator o público gostaria de ver fazendo o papel de seu antagonista no filme, o nome de Mark Dacascos explodiu como uma saraivada de mísseis.

Mark Dacascos enfrenta Jet-Li em "Contra o Tempo"

Mas lógico que não apenas êxitos marcam a carreira do havaiano, e aqui deixo bem claro que seus “fracassos” (sim, coloquei aspas aí), não estão necessariamente ligados a dificuldades técnicas de algumas das produções que participou, pois possui em seu currículo ao menos dois filmes B (aqui sem a menor conotação pejorativa) que fortemente indico: “DNA” (uma mistura maluca de "Predador"e "Alien" com algum episódio de Jonny Quest) e “I am Ômega” (uma adaptação livre do livro “I am Legend”, sim o mesmo do filme protagonizado por Will Smith).

DNA - Um daqueles sucessos B das locadoras de vídeo nos a nos 90

Só que como nem tudo são flores, Dacascos tem na sua lista de “bolas fora” coisas como: “A Ilha do Dr.Moreau” (devia parecer uma ideia legal estar num filme dirigido por John Frankenheimer e estrelado por Marlon Brando, mas o resultado nós todos já conhecemos); “A Base - Desafiando o Perigo” (também deve ter parecido uma ideia boa, protagonizar um filme dirigido por Mark L. Lester, diretor dos clássicos do exagero “Comando Para Matar” e “Massacre no Bairro Japonês”, mas...); E lógico não poderia deixar de citar “Código de Traição”, um filme que Mark fez por pura amizade, pois o filme é dirigido, roteirizado e produzido por Bret Michaels (sim, ele mesmo, o vocalista da banda de hard rock, Poison) e estrelado por Charlie Sheen (outro velho camarada de Bret) que convenceu até seu pai, Martin, de participar desta preciosidade (risos).


Aliás, este viés rocker de Mark, que também tem entre suas habilidades ser baterista, além de visual e habilidades marciais, creio eu também foi determinante para que vivesse o papel de Eric Draven, papel eternizado nos cinemas por Brandon Lee. Sei que muitos torcem o nariz para esta série, mas não há como negar que nenhum outro ator estaria apto ao papel que não Dacascos.

Como Eric Draven na série "O Corvo"

Fora “O Corvo”, Mark Dacascos tem diversas participações em outras séries, como: CSI, Agentes da SHIELD, Lúcifer, Hawaii 5.0 e mais recentemente Wu Assassins. Além de uma breve aparição numa minissérie que contava a historia de vida de Bruce Lee (papel que, aliás, quase foi seu).

Em CSI, Mark é um monge budista

Sendo que em 2016, resolveu passar para trás das câmeras, dirigindo “Showdown in Manilla”. Um filme que pode ser descrito de uma forma simplista, mas bem verdadeira, como uma versão B para “Mercenários”, e sem a menor vergonha de ser “B”, pois junta nomes e rostos conhecidos de todos nós no elenco, como: Casper Van Dien (Tropas Estelares), Cary Hiroyuki Tagawa (Massacre no Bairro Japonês), Tia Carrere (True Lies), e até trás de volta antigos astros do cinema de artes marciais como Don “The Dragon” Wilson, Mathias Hues e até nossa inesquecível Cynthia Rothrock.


E para completar as aventuras extracurriculares por assim dizer, não é que em 2009, Dacascos foi parar no reality “Dancing with the Stars”, fora as participações em dublagens de personagens de games.


E eis que em 2019 somos brindados com a surpresa de termos Mark fazendo parte do elenco de “John Wick 3 Parabellum”.

Em "John Wick 3 Parabellum"

Tenho algumas ressalvas pessoais em relação a este filme, mas não é possível negar que é ótimo ver Dacascos num filme como este, num elenco com gente como Halle Barry e Anjelica Houston.

Com Keanu Reeves nos bastidores de "John Wick 3"

E agora em 2020 escrevendo estas últimas palavras deste artigo, enquanto Mark Dacascos retorna com mais um filme B, “One Night in Bangkock”, fico a me questionar até onde pode ir a manipulação de interesses dos estúdios em vistas de satisfazer parcelas bem específicas de público, pois como citei no começo deste artigo, o ator que poderia por sua ascendência ser qualquer um, acaba relegado justamente por isto, ou seja, não poder se inserir 100% em nenhum grupo específico.



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