segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Ruas de Fogo - Uma Fábula de Rock n' Roll


Em 1984, já com uma carreira consolidada e cheio de moral com os sucessos de “Warriors - Os Selvagens da Noite” (1979) e “48 Horas” (1982), Walter Hill, um roqueiro declarado, (como citei na resenha de Warriors), resolve enfim colocar em prática um projeto pessoal que acalentava já fazia certo tempo.
Nascia ali... Ruas de Fogo!


Pensado originalmente para ser a primeira parte de uma trilogia escrita por Hill chamada, “As Aventuras de Tom Cody”, Ruas de Fogo ainda que comumente classificado como “musical”, está numa categoria bem singular de filmes que podem ser rotulados de várias formas, ao mesmo tempo em que são impossíveis de serem rotulados.


Tal característica geralmente costuma acompanhar filmes sem personalidade, maçarocas de um monte de coisas que no fim das contas não dão em nada.
Mas este não é o caso de Ruas de Fogo.


Com seu título tendo sido tirado de uma canção de Bruce Springsteen presente no álbum “Darkness in the Edge of Town” de 1978, o enredo do filme nos apresenta Tom Cody (Michael Paré) que no passado tinha sido “garoto problema da vizinhança”, e é chamado por sua irmã Reva (Deborah Van Valkenburgh) para resgatar Ellen Aim (Diane Lane), um antiga namorada que agora era uma estrela da música, e tinha sido sequestrada durante um show por Raven Shaddock (Williem Dafoe) e sua gangue, os Bombers.



McCoy e Cody  - Ex-militares

A Tom Cody se junta McCoy (Amy Madigan), que como o protagonista era uma ex-militar, e a contragosto geral, Billy Fish (Rick Moranis) empresário e atual namorado de Ellen.

Tom Cody (Michael Paré) e Billy Fish (Rick Moranis)

E aqui começa a se fazer necessária a abertura de alguns parênteses para se entender como este filme funciona tão bem.
Primeiro vem a sábia decisão, que aqui cabia como uma luva, de não situar a história numa época especifica do tempo. Desejo de Hill desde “Warriors”, mas que lá com certeza não funcionaria.
Isto permitiu, por exemplo, que Amy Madigan pudesse desempenhar  o papel de ex-militar, ainda que tudo indique que o filme se passe logo após a Guerra da Coreia.

Amy Madigan teve que convencer Hill em lhe dar o papel de McCoy

Aliás, o papel de Madigan, pelo qual inclusive ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema Fantástico de Sitges na Espanha, reza uma lenda urbana, era para ter sido o de irmã de Tom Cody. Mas ao ler o roteiro, a atriz foi até Hill, e o convenceu que o papel de ajudante do protagonista, originalmente masculino, era bem mais interessante.
O que convenhamos ficaria absurdo se o filme não tivesse tomado a “licença poética” que tomou, já que claramente se situa pelas caracterizações, carros e tudo mais, no fim da década de 1950 ou começo da década de 1960.

Ellen Aim (Diane Lane) e Tom Cody (Michael Paré)

Outro ponto que Walter Hill acertou em cheio foi repetir a fórmula de apostar num elenco de rostos pouco ou nada conhecidos. Só para se ter uma ideia, o protagonista Michael Paré nunca havia trabalhado em algo relevante no cinema, sendo mais conhecido por fazer parte do elenco de apoio do seriado “O Super-Herói Americano”.

Raven Shaddock (Willien Dafoe)

Transformando assim Ruas de Fogo na obra que de fato tornou nomes como Willien Dafoe, Rick Moranis e Diane Lane conhecidos.

Bill Paxton no papel de Clyde

Ahhh sim! Sem falar na ponta que o finado Bill Paxton faz como Clyde, o barman.

Deborah Van Valkenburgh volta a trabalhar com o diretor Walter Hill

Deixando o título de “rosto conhecido” para Deborah Van Valkenburgh, sempre lembrada pelo público do diretor por sua Mercy de “Warriors”, que herdou, por assim dizer, o papel de Reva Cody.
E lógico, temos a trilha sonora!
E nisto Walter Hill caprichou, chamando para compor a trilha incidental o guitarrista Ry Cooder. Lembrando que aquela não era a primeira vez de Cooder no comando da trilha sonora de um filme, já tendo composto as trilhas de “Cavalgada dos Proscritos” (1980), e naquele mesmo ano a trilha de “Paris Texas”.
Fora óbvio as canções.
E aqui vale ressaltar que na lista de canções de Ruas de Fogo, não havia nenhum nome famoso da música internacional, sendo mérito das ótimas canções a repercussão que tiveram, ajudando a alavancar a popularidade do filme.


Com os destaques lógicos para “I Can Dream About You” de Dan Hartman que virou hit das rádios FM, onde pode ser escutado até hoje.


E os petardos, “Nowhere Fast” e “Tonight Is What Means to Be Young” do Fire Inc, que tinham na voz da cantora Laurie Sargent um grande trunfo. Até por que cantar não estava na lista de talentos de Diane Lane (risos).

Laurie Sargent a verdadeira "voz" de Ellen Aim



Contudo o sucesso de Ruas de Fogo não foi conseguido com a rapidez que a indústria do cinema costuma cobrar, e as sequências tão almejadas por Hill, “Far City” (Cidade Distante) e “O Retorno de Tom Cody”, jamais saíram do papel.


Contudo, como já descrito em algumas ocasiões neste blog, obras como Ruas de Fogo, além de verem seu público crescer com o decorrer dos anos, também costumam entre este público ter alguns fãs que tentam manter o motivo de sua “paixão” vivo.

Walter Hiill ao centro e parte de sua equipe

E aqui coube ao diretor Albert Pyun, conhecido por filmes B de baixo (ou baixíssimo) orçamento, sendo o mais famoso “Cyborg”, estrelado por Jean-Claude Van Damme, tentar manter a lenda de Tom Cody.
Era “Road to Hell” (Estrada Para o Inferno) de 2008, uma verdadeira maluquice, precariamente produzida, com um roteiro (se é que dá pra chamar assim), que só foi lançado em 2012, no qual um desiludido Tom Cody viaja por um mundo surreal, criado num CGI bem sofrível, numa busca pelo seu primeiro amor, mas em seu caminho surgem duas belas assassinas que sabe-se lá porque, se opõe a tentativa de Cody de se redimir.


E só para não dizer que o filme é “todo péssimo”, a película conta com a participação especial de Deborah Van Valkenburgh.
Pessoalmente considero que filmes como Ruas de Fogo são maravilhosos e ficam marcados no inconsciente coletivo justamente por serem únicos, e não precisam de forma alguma de uma sequência, seja bem ou mal produzida.
Pois como outras obras aqui resenhadas, cumpriu com méritos talvez a mais nobre das funções das artes, que é ocupar um lugar especial nas memórias e corações de várias gerações, se tornando uma daquelas obras impossíveis de se copiar, ou replicar em novas versões.
Levando sem dúvida nenhuma o merecido título de clássico.

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