domingo, 29 de julho de 2018

Godzilla versus King Ghidorah


No hoje longínquo ano de 1954, lá na terra do sol nascente, uma lenda nascia. Filho bastardo da era atômica, do oceano se erguia aquele que se tornaria o maior anti-herói e talvez o maior símbolo da cultura pop nipônica... nascia Godzilla!
E lógico que com seu sucesso, tanto dentro quanto fora do Japão, durante décadas foram surgindo uma extensa lista de filmes que colocavam o gigantesco lagarto de hálito radioativo contra toda a sorte de oponentes.
Rodan, Mothra e até King Kong (numa horrível versão orangotango) foram alguns que durantes os anos tiveram o desprazer de ter um contato imediato do pior grau com o lagartão, em filmes que pelos mais variados motivos nem de perto conseguiram recriar o clima do original, talvez até porque nem fosse a intenção se seus realizadores.
Mas agora chegado o ano de 2018 não é que hollywood, mais precisamente a produtora “Legendary”, que vem tentando amalgamar um universo cinematográfico de monstros, resolveu fazer um remake do filme japonês de 1964, que fazia o encontro de Godzilla com Rodan, Mothra e King Ghidorah.


Mas não. Não é deste filme que vamos falar e muito menos do vindouro reboot/remake. Mas sim de uma produção que estreou em 14 de dezembro de 1991, que por um mundo de razões, das quais vou citar algumas, se tornou o segundo melhor filme de Godzilla até hoje.
Vindo de uma baita ressaca financeira e moral de três anos antes quando “Godzilla versus Biolante” se tornou um estrondoso fracasso, mesmo em seu país de origem, a produtora Toho decidiu mudar o tom da “saga” que segundo os próprios responsáveis teria ficado sofisticado demais no filme anterior, lançando mão de vários elementos fantasiosos nem um pouco comuns para filmes daquele gênero, algo que até poderia ter sido um desastre, mas...

O dinossauro que se transformaria em Godzilla ataca os soldados norte-americanos

A história do filme se inicia quando um escritor chamado Kenichiro Terasawa, está fazendo sua pesquisa a fim de escrever um livro sobre Godzilla, e descobre sobre um caso ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, quando um destacamento de soldados nipônicos baseados na Ilha de Lagos em 1944 foi “salvo” dos inimigos norte-americanos por um misterioso dinossauro, cuja existência é confirmada pelo comandante dos soldados, e nos dias atuais rico empresário, Yasuaki Shindo.
Até aí tudo certo. Mas já esta passagem, o relato do comandante nipônico, e sua sequência em flashback deixou muita gente nos Estados Unidos pra lá de desconfortável. Tão desconfortável que até o presidente da associação de “sobreviventes de Pearl Habor” na época, classificou o filme e sua representação da Segunda Guerra como de “muito mau gosto”.
Mas se parasse por aí estava bom demais.

A nave do "futurianos" - Elementos pouco comuns ao gênero foram adicionados ao filme.
Só que no decorrer do filme, dois “alienígenas” de feições humanas e ocidentais que se descobre logo serem pessoas do futuro, surgem de uma nave que pousou no alto do Monte Fuji, acompanhados da jovem Emy Kano e do androide M-11. Estes “Futurianos” como se autodenominam, explicam que vem do ano de 2204, e que no futuro contam eles, Godzilla seria o responsável pela destruição de todo Japão e se oferecendo de imediato para bondosamente ajudar, viajando de volta no tempo, e tirando o dinossauro que se transformaria em Godzilla do local onde aconteceriam os testes atômicos que resultariam em sua mutação.


Esta ação provoca logo de cara, uma das melhores tiradas do filme, quando a nave dos “Futurianos” surge no céu noturno do pacífico sul, voando sobre uma esquadra de navios da marinha estadunidense, no momento em que dois oficiais conversavam no convés de um navio. E ao avistarem a nave, o oficial de patente mais baixa vira-se para o comandante e indaga se devia colocar aquilo no relatório.
Oque gera a seguinte resposta do seu superior: “E você vai dizer o que? Que vimos homenzinhos verdes? Guarde isto para contar ao seu filho no dia que tiver um... tenente Spielberg”.
Uma brincadeira rasgada com o diretor Steven Spielberg cujo pai de fato foi da marinha durante a Segunda Grande Guerra.


Enquanto isto, os astutos homens do futuro vão colocando seu plano em prática, que lógico, passava longe do altruísmo que demonstravam. Pois seu real intento era, como ficamos sabendo mais tarde, impedir que Godzilla surgisse e se tornasse o grande protetor do Japão, que segundo é contado, teria se tornado o país mais poderoso do mundo no futuro, inclusive comprando (sim, comprando) vários países da África e América Latina.
Num escopo que só de ser citado fez muita gente em outros países se reacomodar na poltrona ao lembrar-se do Japão expansionista de décadas antes.

O três Dorats junto a Emmy Kano - Os bichinhos se fundiriam e se tornariam King Ghidorah
E o plano dos “Futurianos” até vai bem no começo, pois o androide M-11 teleporta o dinossauro para fora da ilha, no qual na surdina deixam três bichinhos, os Dorats, uma espécie de prequel de Pokemons. E aqueles três bichinhos fofinhos ao serem expostos a radiação se fundem numa única criatura, nosso querido e casca grossa King Ghidorah.

King Ghidorah ataca
E com King Ghidorah sob seu comando os homens do futuro podem então colocar seu plano em prática, colocando todo Japão subjugado a eles, e sem Godzilla no caminho.

As forças de auto-defesa nipônicas tentam deter King Ghidorah
Sem Godzilla? Bem, nem tanto. Pois ao que parece os “Futurianos” tinham faltado as aulas de história no colégio, e mandaram o androide teleportar o dinossauro justamente para o Estreito de Bering, local onde durante boa parte dos anos 1970 a antiga União Soviética despejou lixo atômico.

Godzilla ressurge no fundo do Estreito de Bering
Fazendo surgir assim, um Godzilla mais poderoso ainda do que se conhecia que não foi exposto a radiação de poucos testes com bombas, mas de forma contínua durante anos.


E isto de quebra nos brinda com mais outra tirada maravilhosa, quando um dos “homens do futuro” ao se deparar com a volta do lagartão solta a pérola: “Que época bárbara é esta, onde se joga lixo nuclear em qualquer lugar?”




Daí em diante oque se segue então é boa e velha cartilha dos filmes do gênero, com Godzilla dando combate a King Ghidorah que eventualmente é vencido, e na sequencia a nave do futuro é destruída pelo nosso gigantesco anti-herói, que ao que se percebe ainda está pra lá irritado com as besteiras que os homens fazem e parte para Tóquio para aquele didático festival de destruição de maquetes.


Tendo ainda nesta sequencia uma interessante cena na qual Godzilla para em frente à janela do escritório de Shindo e o reconhece. E sinceramente esta sequência ainda me causa muitas dúvidas sobre oque os realizadores do filme estavam querendo representar com ela. Pois Godzilla lembra-se de Shindo ao vê-lo, mas quando você pensa que o empresário seria poupado... pois é, o ranço da humanidade acaba sendo mais forte no coração do gigantesco réptil.


Depois disto oque vemos, é na minha opinião a única falha real do filme, que basicamente corre com o roteiro, fazendo Emmy ir ao futuro e retornar com uma versão ciborgue de King Ghidorah na intenção de impedir a destruição causada por Godzilla. Os dois então se enfrentam, nosso God vence, a duras penas mais vence. E então Emmy o leva de volta para o fundo do oceano.



E que lições se podem tirar deste ótimo exemplo de cinema de entretenimento? Talvez algo que as produções mais recentes tenham se esquecido. Que para entreter não é necessário um caminhão de efeitos de CGI para desviar a atenção, pois mesmo num mero “filme de monstros” nada substitui um roteiro bem feito, recheado daquelas sacadas que nem todos podem perceber na mesmo momento que assistem, mas que se tornam a base para excelentes bate-papos e um ótimo motivo para se esticar num sofá na frente da tevê.
























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