Se
você que está lendo, acompanha este blog, sabe muito bem de duas coisas. Que de
todas as formas de arte que abordo aqui, possuo uma especial predileção pela
arte do cinema de animação. E que um dos personagens mais citados em vários
artigos por diversas razões é o Batman, o “morcego de Gotham”.
E
por mais relutante que estivesse em abordar tal tema, até mesmo, ou
principalmente, pela imensa quantidade de artigos que abarrotam a internet
sobre ele, este dia seria inevitável. E aqui estou eu para mais uma daquelas
missões quase impossíveis, mas ao mesmo tempo extremamente prazerosas.
Falar
de... Batman - A Série Animada!
Após
o sucesso do filme “Batman” de Tim Burton, que por mais artificial que fosse,
justiça seja feita, criou uma nova onda de “Batmania” no finalzinho dos anos
80, a Warner/DC começou a pensar numa forma de explorar mais o personagem, e
daí veio a ideia de se criar uma nova série de animação com o “Cruzado
Encapuzado” e todo seu universo, mas assim como havia citado no artigo sobre
Batman Begins, acredito que nenhum executivo do estúdio esperava oque estava
por vir.
Como
produtores do novo seriado foram escolhidos Eric Radomski que na época
trabalhava em Tiny Toons; o jovem, porém, já experiente Bruce Timm, que trabalhava
com animações há quase uma década tendo participado de produções como Flash
Gordon, GI Joe e He-Man; e para fechar o time, Alan Burnett que já havia
trabalhado com os personagens da DC quando da última temporada de “Superamigos”.
Alan Burnett, Eric Radomski, Jean MacCurdy (presidente da Warner) e Bruce Timm, na premiere de estreia |
Sendo
que aqui a maior parte do processo de criação acabou parando nas mãos de
Radomski e Timm. O primeiro mais responsável pelo visual geral do seriado numa
mistura visual que o situava em torno dos anos 40, ainda que com alguns
anacronismos como telefones celulares, mas que conviviam numa perfeita harmonia
com todo o resto. Enquanto o segundo mais responsável pelo desenvolvimento dos
personagens e que acabou se tornando o principal desenvolvedor do seriado.
E
já no começo de 1991 haviam preparado um “esboço”, um teste para oque pouco
tempo depois seria a abertura da animação, embalada por uma variação do tema
original criado por Danny Elfman para o filme de Tim Burton.
"Asas de Couro" - O primeiro episodio |
Mostrando
um visual sombrio, que foi muito facilitado de ser criado pela decisão de seus
realizadores de optarem por desenhar em folhas pretas, e um caracter design bem simplificado,
principalmente no que dizia respeito às feições dos personagens, para
propositalmente dar mais velocidade a produção das células de animação, em
setembro de 1992 ia ao ar pelo canal Fox (a Warner ainda não possuía seu canal
próprio na época), “Asas de Couro”, o primeiro de
um total de mais de cem episódios, que não apenas se tornou um marco da
animação por ter sacudido o gênero de cabeça para baixo em meio a um mar de
marasmo, como foi responsável por rescrever algumas partes da mitologia de
Batman.
O veterano Dennis O'Neil - Um dos mestres roteiristas que participaram ativamente da série |
Reunindo
um casting de diretores e roteiristas
que além de Timm, Radomski e Burnett, tinha nomes como Paul Dini, Frank Paur,
Kevin Altieri, o seriado não apenas adaptou várias HQ’s de autores que iam
de Steve Englehart até Allan Moore, como
também teve entre seus autores outros mestres dos quadrinhos como Dennis O’Neil, Mike
W Barr, Marv Wolfman e até Gerry Conway. Mas se destacou, sobretudo quando o
assunto foi reformular personagens e principalmente criá-los.
Logo
no primeiro episódio o público é apresentado a uma nova versão do detetive
Harvey Bullock, que muitos pensam ter sido criado para animação, já que sua
versão aqui é a que de fato definiu o personagem e o lançou para um patamar de
reconhecimento que nunca teve antes.
Harvey Bullock, aqui ao lado da sargento Renee Montoya |
A
mesma coisa ou até mais, pode se dizer sobre Victor Fries, o Senhor Gelo
(Mr.Freeze). Que sempre foi um vilão de segundo escalão do Batman, até que Paul
Dini cruzou seu destino, e presenteou a ele e ao resto do mundo com “Coração de
Gelo”, um dos melhores episódios da animação, onde o “vilão” teve sua origem recontada
- transformando-o num angustiado cientista obcecado por encontrar a cura para a
doença da esposa - de tal modo que ninguém mais teve coragem de mexer nela após
isto.
Cena de "Coração de Gelo" - A origem recontada de Victor Fries não mais foi alterada após a animação |
Sendo
que ainda nesta esteira dos enredos de origem bem contados, não há como deixar
passar em branco o episódio “A Sombra do Morcego”, que dá a Barbara Gordon e
sua transformação em Batgirl todo um “porque”, numa bem construída história na
qual o Comissário Gordon é preso, acusado injustamente de receber suborno de
mafiosos. Algo bem mais plausível do que a mera explicação de que a ruiva havia
entrado naquele “negócio” simplesmente por causa do Morcegão.
"A Sombra do Morcego" - Episodio que introduziu a Batgirl no seriado |
Barbara para ajudar o pai incia sua transição para Batgirl |
E
aí vem um ponto sobre o qual em praticamente toda sua trajetória o seriado teve
a preocupação de não perder o foco, que era o aspecto humano dos personagens,
que desde Harvey Dent e sua óbvia dualidade, mostrada com uma dose incomum de
dramaticidade para uma animação para tevê; passando por Matt Hagen, o Cara de
Barro, que não media esforços para manter sua carreira de ator, oque destruiu sua vida; Selina Kyle, a
Mulher Gato, que ainda que permanecesse como uma ladra ganhou a faceta de defensora
dos direitos dos animais; chegando ao já citado Bullock; e até mesmo Dick
Grayson, o primeiro Robin, quase sempre trazia aqueles personagens para fora da
zona de conforto dos arquétipos de heróis e vilões.
Sempre
focando como base de construção de suas histórias o elemento humano, o seriado,
mesmo sob vigilância austera da censura norte-americana, conseguiu alguns
momentos que fogem do usual, mesmo que às vezes de forma subliminar.
E
com um rápido exercício de memória não é difícil lembrar, por exemplo, do
episódio “Nunca É Tarde Demais”, que mostrava dois grupos mafiosos em guerra. O
de Rupert Thorne (o mafioso da época das HQ’s de Steve Englehart) e o de Arnold
Stronwell, este último que procurava pelo filho desaparecido, até descobrir que
este estava numa clínica precária para dependentes químicos. Viciado nas drogas
que o próprio grupo do pai vendia. Assunto que pode parecer corriqueiro hoje
não é? Mas pense nisto a mais de vinte anos atrás numa animação estadunidense
para tevê?
Rupert Thorne |
Batman salva Stromwell para lhe mostrar onde o filho do mafioso estava |
Mas
ainda tem mais. Como todos sabemos o uso de armas de fogo num programa de
cunho, a princípio feito para um público mais jovem é extremamente vigiado lá
na Terra do Tio Sam, e ainda mais complicado é mostrar os efeitos de seu uso.
Mas
no episódio “Eu Sou a Noite”, não é que Bruce Timm e companhia tiveram a
coragem “balear” o Comissário Jim Gordon. Algo que faz nosso Cavaleiro das
Trevas se questionar, já que não havia chegado a tempo de ajudar o amigo, se
valia a pena continuar em sua cruzada, consequentemente abandonando o capuz e
capa. Isto te lembrou de algo não é? Pois é...
Em "Eu sou a Noite", o Comissário Gordon é baleado |
OK.
Já temos drogas, temos pessoas baleadas. Mas, e se eu te dissesse que, além
disto, Batman TAS (a sigla pela qual a série ficou mais conhecida, ligada a seu
título original) foi a primeira animação norte-americana para a televisão a
insinuar uma relação homossexual? Sim, e isto ocorreu no já citado episódio de
origem do Cara de Barro. Lógico, que tudo feito de forma muito sutil, para que
cada espectador pudesse ter uma visão adequada a sua idade e percepção e para que
pudesse escapar dos censores, mas que é nítida na forma como o personagem
Teddy, um maquiador do estúdio, trata Matt Hagen. Se de fato eles tinham ou não
algo, talvez só mesmo Bruce Timm possa esclarecer, mas que para uma audiência
mais atenta os sentimentos do maquiador para com o ator eram claros, isto não
há duvida.
Matt Hagen se enfurece com Teddy antes de sua irrverssível transformção em Cara de Barro |
Mas
e faceta humana de Bruce Wayne/Batman?
E
os personagens que foram criados para a série?
E
as divergências de bastidores?
E
os longas-metragens provenientes do seriado?
Sim,
ainda há muito mais para contar, por isto como num bom episódio de origem de
Batman TAS, deixarei a conclusão desta saga para a vindoura parte dois. Até lá!
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