Meu
contato primário com HQ’s vem da época da revista “Superamigos”, e nesta época
o Batman que vinha sendo publicado era a fase escrita por Steve Englehart e
desenhada Marshall Rogers, e assim como eu, uma geração inteira foi marcada por
esta fase que foi uma das mais realistas do personagem, com estórias muitas
vezes de conceito bem intimista que primavam, sobretudo por abordar as relações
interpessoais dos personagens num nível até maior que o feito com o personagem
antes por Dennis ONeil e Neal Adams (só pra lembrar, foi nesta fase, por
exemplo, a primeira vez que Dick Grayson contestou abertamente Bruce Wayne).
Quando do lançamento em 1989 do Batman de Tim
Burton nos cinemas a decepção foi gigante, pois tudo ali era tão fake, tão
artificial, tão cartunesco (no mal sentido mesmo), que não conseguia de forma
alguma enxergar o personagem denso que lia nos quadrinhos naquilo. E nem vou
citar os dois filmes de Joel Schumacher pra não gastar o meu e o seu tempo. Oque
lançou o personagem num verdadeiro limbo no cinema, mesmo que seu sucesso nas
HQ’s e animações fosse notório.
E
por que estou explicando tudo isto? Bem...
Há
algum tempo atrás fiz um artigo aqui no “Ponte de Comando” sobre o icônico
Superman de 1978 de Richard Donner, e naquela oportunidade me referi ao fato de
como era complicado escrever sobre algo que tantos já haviam falado tanto.
E
eis que mais uma vez aqui estou diante do mesmo desafio, só que desta vez em
dose tripla. Resenhar a trilogia Cavaleiro das Trevas de Cristopher Nolan. Uma
tarefa complicada, mas ao mesmo tempo extremamente prazerosa que inicio agora
por “Begins” (sem intenção de trocadilho).
No
começo de 2003 eis que a Warner decide retomar a franquia Batman, e para isto
chamam o diretor Cristopher Nolan (Amnésia) para comandar o projeto. Contudo,
oque talvez nenhum executivo do estúdio pudesse imaginar fosse que Nolan, fã do
Superman de Donner, tomaria o projeto pra si, bancando abordar o personagem por
seu viés mais realista, que sempre tinha ficado para trás nas versões
anteriores do Morcego no cinema.
Nolan com Richard Donner, inspiração e admiração |
Vamos
aqui deixar claro que Nolan nunca mentiu ou tentou se auto promover dizendo um
fã de HQ’s, e talvez, ou justamente por isto seu trabalho de pesquisa precisava
(e foi) extremamente minucioso, e no caso de “Begins” extremamente calcado na
fase citada de ONeil e Adams além óbvio de “Batman Ano Um” de Frank Miller e
até mesmo o longa de animação “A Máscara do Fantasma”, só pra citar três fontes
de inspiração mais relevantes.
Tudo
para criar um amálgama que conseguisse condensar décadas e décadas de versões e
visões do personagem e não apenas vislumbrando a mera adaptação fácil de um
autor apenas.
Batman e o objetivo que nortearia a saga |
Avesso
ao subterfúgio fácil e tentador dos efeitos por computação gráfica, usados aqui
na maioria da cenas apenas para retocar as mesmas, por assim dizer, construiu
toda a escalada do personagem até seu surgimento sem a menor pressa, tal qual Richard
Donner fez com Superman. E dando ao Batman um objetivo, uma missão, que ao
longo dos três filmes da franquia perfazem um círculo perfeito.
Além
de tomar decisões técnicas, como manter sua visão sobre um novo Batmóvel
totalmente repaginado e agressivo, que durante
a cena da fuga de Arkham, quando Batman é perseguido pela polícia, alcançou a insana
velocidade de 110km/h, coisa que simplesmente ninguém faz, não só pela
dificuldade, como pela questão da segurança, usando comumente de vários
artifícios para criar a ilusão de que os carros estão em altas velocidades.
O Thumbler (o novo Batmóvel) em cena à 110km/h. |
Ou
quando optou por um Batman que de fato usasse de golpes de defesa pessoal,
coisa que antes só me recordo ter visto em “Máquina Mortífera”, por
coincidência (ou não) outra obra de Richard Donner.
Fora
ter dado funcionalidade a itens da roupa do personagem como o aparelho de
escuta nas orelhas e a capa que se tornava rígida se transformando numa espécie
de asa-delta.
Mas
e o elenco? Pois é, aí vamos para aquele conhecido capítulo à parte.
Mais
uma vez seguindo a cartilha traçada lá em 1978, construiu um elenco recheado de
atores de primeira linha, aqui não apenas para em tese atrair público, mas mais
ainda, para construir com solidez as relações entre estes personagens.
Lógico que para começar, precisamos falar de
Christian Bale, que escolhido entre outros atores como Jake Gylenhaal e Cillian
Murphy (ele mesmo, o Espantalho), teve a tarefa de encarnar absolutamente todas
as facetas de Bruce Wayne/Batman durante sua evolução até surgir como o
“cruzado encapuzado” de Gotham.
Bale testando a roupa de Batman |
Nos
brindando ao longo da trilogia com diálogos absolutamente antológicos que
poderiam ser inseridos em diversos contextos diferentes das relações humanas,
conseguindo assim fazer com que mesmo o público não fã de quadrinhos se
importasse com o personagem e seu destino.
“...alguns atores poderiam interpretar um excelente Bruce Wayne ou um
excelente Batman, mas Bale podia interpretar as duas personalidades
radicalmente diferentes” (David S. Goyer - roteirista)
Sem
falar que Bale era fisionomicamente, a cara do Bruce Wayne clássico desenhado
por Neal Adams.
Bale, fisionomicamente muito parecido ao Bruce de Neal Adams. |
E
aqui é preciso citar que talvez a maior sabedoria dos realizadores desta
trilogia foi entender que o Batman só é o Batman devido a todos aqueles
coadjuvantes de importância igual ao do personagem principal, e de se entender
que quando se fala do Batman de Gotham City estamos falando de todo um universo
à parte do restante do universo da DC Comics, que possui vida própria, e
intimamente ligado com questões muito reais. Então, à medida que Alfred (Michael
Caine), Lucius Fox (Morgan Freeman), e principalmente James Gordon (Gary
Oldman) vão surgindo e se mostrando elementos essenciais na construção da trama
isto fica nítido.
Lucius Fox, Alfred Pennyworth e Jim Gordon, cada um espécie de face do própio Batman. |
Sendo
que Oldman configura aqui um caso absolutamente a parte, pois a princípio ele
estava escalado para viver um vilão, porém, quando Chris Cooper desistiu do papel,
este lhe foi oferecido.
E
oque isto tem de mais? Bem, desde “O Profissional” e seu incrível Norman
Stansfield que Gary Oldman vinha estigmatizado, só fazendo papéis de vilões e
malucos. E por melhor que os fizesse isto não deixava de ser uma injustiça com
um ator tão incrível e versátil. E eis que Oldman pega esta oportunidade, e em
meio a personagens que vivem no limite e que pela própria natureza representam
extremos, nos brinda com um maravilhoso bombardeio de sutileza, feito não
apenas de diálogos incríveis, mas de pequenos gestos e olhares, que simplesmente
muitas vezes passam despercebidos pelo público médio, numa verdadeira aula de
interpretação. Tornando seu Jim Gordon uma representação tão perfeita, que
arriscar-me-ia dizer estar no mesmo nível de Cristopher Reeve e seu Superman.
Gary Oldman, e sua incrível sutileza na composição de Jim Gordon. |
Que
bom que não se tornou vilão (risos).
Ra's Al Guhl e Espantalho, escolha certa de antagonistas. |
Até
porque de vilões este filme está muito bem servido, pois mais uma vez fugindo da
obviedade de se colocar aqueles personagens mais conhecidos, “Begins” não é apenas
atento à construção histórica do personagem principal, mas também há como seus
antagonistas funcionam em sua escalada, nos trazendo uma galeria de vilões que
iam desde os destaques para Ra’s Al Ghul (Liam Nesson) e Espantalho (Cillian
Murphy, simplesmente incrível, sendo o único antagonista presente nos três
filmes).
Cillian Murphy e seu Dr.Crane/ Espantalho |
Passando
pelo chefe mafioso Carmine Falcone (Tom Wilkinson) talvez o grande responsável
por abrir os olhos do jovem Bruce Wayne para o mundo.
Carmie Falcone (Tom Wilkinson) |
Até
o “service” de colocar o matador Victor Zsasz (Tim Booth) numa cena de uma audiência
de custódia.
Victor Zasz (Tim Booth) |
E
para embalar tudo isto a maravilhosa trilha sonora de Hans Zimmer pontuando de
maneira perfeita cada momento do filme, talvez apenas com um único “porém”, a
ausência de um tema-principal que fizesse com Batman, o mesmo que aconteceu com
Superman e a música de John Williams, ou mais recentemente com o tema da Mulher
Maravilha.
Mas
como estamos falando de uma saga, vou parando por aqui, para no próximo episódio
falar sobre “O Cavaleiro das Trevas”, aquele que é considerado por muitos o melhor
filme do gênero, suas histórias talvez mais inacreditáveis que a ficção, e como
Heath Ledger e seu Coringa destronaram Darth Vader do posto de maior vilão da
história do cinema. Até lá.
.
Perfeito...aguardando a segunda parte!
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