Talvez
fosse só uma questão de tempo. O cinema já viveu várias eras, a dos musicais, a
dos “westerns” e algumas outras. E hoje não há como se fugir do fato que se
vive a era dos filmes de “Heróis de HQs”.
Oliver Queen e Hal Jordan |
Contudo, em meio à
enxurrada anual de produções do gênero, a maioria sem a menor relevância
artística ou histórica, sempre há de se sentir falta de algum, ou alguns,
personagens, que protagonizaram estórias absolutamente icônicas para a sua mídia
materna. Tão icônicas que se tornaram referências para outras obras não só na
mesma vertente midiática como para todo o mundo da assim chamada “cultura pop”,
e é sobre uma destas estórias (quase uma lenda urbana) que vamos falar hoje, e estou
me referindo à saga que uniu Lanterna Verde e Arqueiro Verde.
No
fim dos a nos 1960, não só os Estados Unidos como o mundo, viviam uma era de
ebulição sócio política cultural intensa, e as ilusões da primeira geração pós
Segunda Guerra se dissiparam no ar na velocidade de um caça a jato. E com a
censura se “afrouxando” em vários setores, as HQ’s que sofreram durante vários
anos com uma perseguição e restrição intensas, começaram a permitir e até
estimular que seus artistas ousassem mais.
Nem sempre a mais calma das amizades |
E foi com este
espírito que no começo de 1970 o editor da DC Comics, Julius Schwartz, convocou
Dennis O’Neil e Neal Adams para uma nova empreitada. Na época O’Neil e Adams já
tinham sido responsáveis por lançar mais de 70% do que conhecemos como o “Batman
moderno”, não só resgatando a maior parte da visão soturna dos criadores do “Morcego
de Gotham” como dando dinamismo ao roteiro e costurando como nunca antes as
relações interpessoais entre os personagens.
Mas então, o que mais a dupla
poderia fazer?
Simples. Usar o real para questionar
a ficção, e a ficção para refletir sobre o real. Usando para isto dois heróis
de personalidades antagônicas, mas que nem por isso deixam de se respeitar. Lembra
algo? É eu sei. Mas isto aqui veio antes.
E logo na abertura da
primeira estória temos um Hal Jordan fazendo seu papel de quase policial,
que ao ver uma discussão entre um jovem e um senhor mais velho, vai em seu
ímpeto interferir, só para depois descobrir que o tal senhor era um mafioso que
explorava a população local, e é deste ponto de partida que portador do anel
verde da vontade começa a levar uma surra de realidade por parte do amigo
Oliver Queen, o Arqueiro Verde, já sem sua fortuna na época, perdida por uma
fraude, um ano antes na revista da “Liga da Justiça”.
O herói questionado |
Surra
que prossegue na icônica cena em que Hal é interpelado por um senhor idoso
negro que o questiona sobre o porquê já ter ajudado seres de diferentes tons de
pele, mas nunca ter feito nada pelos negros, algo muito diferente do que se
tinha visto até então, pois ao contrário dos heróis negros que surgiram na onda
da chamada “black exploitation” para
combater o racismo, ali era um herói sendo questionado por uma pessoa comum,
numa estória na qual ainda apareciam as figuras de Martin Luther King e Robert
Kennedy.
E assim se dá início a
saga onde nenhuma certeza de seus personagens deixaria de ser questionada.
A capa que marcou uma época |
Tanto
que se Hal Jordan teve sua surra de realidade, a de Oliver Queen foi um
verdadeiro fuzilamento, na histórica edição na qual lhe é revelado que Roy
Harper, o Speedy (ou Ricardito, na versão brasileira) havia se tornado um viciado
em heroína, e ao contrário do que se poderia imaginar do “avançado” Oliver, sua
atitude gerada pela decepção é de dar as costas para seu pupilo e parceiro,
cabendo a Jordan e Dinah Lance, a Canário Negro a missão de ajudar Roy e Oliver
a saírem daquele problema.
Aqui
vale abrir um parêntese para lembrar, que é justamente nesta saga que Canário
Negro passa a ser abertamente o interesse amoroso do Arqueiro Verde, criando junto
com Hal Jordan aquela que é chamada de a “Segunda Trindade da DC”.
Uma verdadeira roadie comic |
Mas
se você que está lendo, acredita que apenas os humanos seriam questionados, ou
postos a prova, e ainda não teve contato com este clássico, te digo que até Appa Ali, um dos Guardiões de Oa, o planeta natal dos Lanternas Verdes, embarca nesta
nave, por assim dizer.
E que ao travar contato
direto com as sutilezas e truculências da natureza humana, acaba ao ajudar Hal
Jordan, sofrendo como retaliação por parte do conselho de Oa a punição perder
sua imortalidade.
A chegada de John Stweart |
E como se isto tudo não
fosse suficiente, no fim de toda esta saga o mundo ainda é apresentado a um
novo Lanterna Verde, John Stweart.
Dizer
que o argumento cru, mas nunca deprimente de O’Neil, aliado ao traço realista e
de perspectiva espetaculares de Adams são referências até hoje seria chover no
molhado, mas neste momento ao escrever estas últimas linhas não há como não
ficar com um certo gosto amargo ao constatar o quanto tais personagens, sua
amizade e seus desafios não poderiam ainda render em diversas formas de mídia,
nos trazendo algo mais que meras duas horas de entretenimento escapista.
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