quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Gárgulas

      Década de 1990. A até então calmaria que reinava pelo marasmo nas tevês estadunidenses, tinha sido abalada com a chegada de Batman The Animated Series, uma série de animação de tons mais sombrios, e pegada mais densa, que não apenas lançou uma nova perspectiva sobre o cruzado encapuzado de Gotham como se tornou o ponto de partida para o que viria a ser chamado posteriormente de TimmVerse, uma alusão ao seu principal criador Bruce W Timm.

     E em meio ao absurdo sucesso da animação da concorrente Warner, lógico que a Disney não poderia ficar de fora, e tomando folego e uma boa dose de coragem para fazer algo fora de seus padrões mundialmente conhecidos, a empresa de Mickey e companhia, saiu da zona de conforto, e nos presenteou com uma aventura única que unia ação, realismo (na medida do possível), uma certa ousadia e até Shakespeare, e que sobre a qual agora passo a contar.



      24 de outubro de 1994, ia ao ar pela primeira vez Gárgulas, um seriado de animação criado por Greg Weisman, um ex-professor de inglês, que também o produziu junto com Frank Paur que até um ano antes era um dos principais diretores do já citado Batman TAS, e ainda tinha como um dos principais roteiristas Michael Reaves que havia trabalhado em Caverna do Dragão.
E que já começava de forma diferente, tendo seu primeiro episódio, “Despertar”, sendo dividido em cinco partes, que mais tarde foram lançados no mercado de vídeo como um longa-metragem.
Mostrando as aventuras e também desventuras de um clã de criaturas místicas, que a noite eram de carne e osso, mas que durante o dia ficavam como em hibernação transformados em estátuas de pedra, e que há mil anos antes na Escócia, tinham sido traídos pelos humanos que haviam jurado defender e sobre os quais foi jogada uma maldição que os aprisionou em sua forma diurna.

Elisa Maza e os Gárgulas

Mas isto até a chegada de um bilionário norte-americano chamado David Xanatos que leva todo o castelo para o centro de Manhathan, que é reconstruído tijolo por tijolo no alto do prédio de suas das empresas, logo libertando os Gárgulas de seu feitiço. Personagem este que seguindo o exemplo de Roger Bannon em Jonny Quest, também foi baseado num ator real, só que desta vez com um detalhe a mais, pois além de ter ganho feições inspiradas em Jonathan Frakes, o Capitão William Riker de Star Trek-New Generation, ainda ganhou sua voz. Ainda que o criador da série negue esta versão.

Jonathan Frakes, voz e inspiração visual de David Xanatos

Ao serem libertos pelo inescrupuloso empresário que secretamente tinha a intenção de usá-los como armas, os Gárgulas, liderados por Golias, logo assumem que deveriam continuar, como que em agradecimento pelo “favor” de Xanatos, a serem aquilo que já eram, protetores.
E a exceção de Golias, todos os demais acabam por adotar nomes de locais de seu novo lar.
Broadway, Brooklyn e Lexington que eram os principais amigos de Golias; Hudson que era o gárgula ancião que possuía uma cicatriz em um dos olhos fruto de uma batalha antiga e que muitas vezes funcionava como consciência do próprio Golias; e lógico Bronx, o mascote do grupo que em última análise podia ser comparado a um cachorro.

Golias luta contra sua versão androide.

E assim se inicia a saga que conforme ia passando e agregando mais personagens ia crescendo e abrindo seu leque de subtramas.
E como tinham subtramas...
Pra começar lógico temos que falar do romance entre Golias e a corajosa policial Eliza Masa. Pois é, só que este romance nada ortodoxo, logicamente baseado em “A Bela e a Fera” sempre passou longe do conto de fadas. Aqui a princesa além de usar uma pistola .45, não tem seu “fera” transformado em príncipe, e nem o “ogro” da vez tem sua princesa metamorfoseada em outra “ogra”. Até há um episódio que tais transformações ocorrem, porém, ao final do capítulo ambos retornam as suas formas originais, enfatizando que tais diferenças na verdade os uniam mais que os separavam. Exemplo, aliás, que é mostrado de forma clara na família da própria Elisa, cujo seu pai era um indígena e sua mãe negra, isto ainda bem antes da avalanche do politicamente correto. Aqui valendo lembrar que Diane, a mãe de Eliza, tinha sua voz feita por ninguém menos que Nichele Nichols, a comandante Uhura, de Star Trek, a série clássica.

Nichele Nichols, a voz de Diane, a mãe de Eliza Maza

      Fora isto não há como deixar de citar o episódio “Força Mortal” em que Broadway ao mexer na arma de Elisa, a dispara por acidente, atingindo a policial, e ao menos na época de sua primeira exibição, colocando a Disney na “saia justa” que temia acontecer junto ao seu público “padrão família”. E ainda que a intenção tivesse sido das mais nobres, tentando alertar para o perigo das armas de fogo, os protestos de pais se dizendo ultrajados acabaram acontecendo.

Eliza no hospital, cena do "polêmico" episódio "Força Mortal".

      Mas como não dá pra se fugir do passado, mesmo que passados mil anos, este veio bater a porta de Golias através de Demona, sua antiga companheira que julgava estar morta. Contudo, a personalidade de Demona, que convencida por Mac Beth (uma das muitas citações shakespearianas da animação) de que Golias tinha traído sua espécie, os tornando os últimos dela, faz com que ela se volte contra todos, ainda que eventualmente se aliando a MacBeth ou ao próprio Xanatos.

Mac Beth e Demona, uma "relação" pra lá de complicada

Mesmo após a saga do “Portal de Fênix”, na qual a trama principal faz uma pausa, e Golias, Eliza e Bronx viajam para diferentes lugares, como o Japão, no qual encontram outros clãs de Gárgulas vivos, ou quando surge Angela, sua filha com Golias, dada como perdida e que tinha crescido em Avalon, lar da chamada “terceira raça” não se demove de sua vingança.

O clã Ishimura do Japão, outros Gárgulas vivos além dos heróis.

A “terceira raça”, esta então é uma estória a parte dentro da estória dos protagonistas. A assim chamada terceira raça eram seres místicos que viviam em Avalon, regidos pelo rei Oberon (dá-lhe Shakespeare de novo!), que os exilou por mil anos (coincidência?) para viverem junto aos humanos afim que aprendessem humildade, e aí você descobre que muita coisa não era do jeito que se imaginava que fosse. Como Owen Burnett, o mordomo de Xanatos, que na verdade se chamava Puck, outro personagem que ganhou a voz de um ator de Star Trek, desta vez o Mr.Data, Brent Spinner.

Brent Spinner, mais um nome de Star Trek no cast de vozes da série.

Mas este era um ponto menor quando comparado ao que Titania, esposa de Oberon tinha feito. Pois durante sua estada no mundo dos homens acabou por se casar com outro bilionário, Halcyon Renard, com o qual teve uma filha, Janine, vulgo Fox. E Fox por sua vez acabou engatando um romance e tendo um filho com ninguém menos que David Xanatos.

Halcyon Renard, o "sogro" de Xanatos

Parece complicado? Pois é. E complica ainda mais quando Oberon vem buscar seus súditos e esposa, e ao descobrir o filho de Fox, resolve que vai levar o bebê consigo para Avalon. Fato que desencadeia uma das maiores reviravoltas que já foram vistas numa animação feita para a tevê.

Janine (Fox) e Xanatos

E estes são apenas alguns dos elementos que tornaram Gárgulas, um clássico atemporal. Tão importante que lógico teria que render uma “continuação”, que aconteceu em 1996 através de “Gárgulas – As Crônicas de Golias”, mas que não vingou por motivos que iam desde sua animação precária, até o não envolvimento de seu criador, oque contribuiu para sua descaracterização.



Fora isto em 1995 a Marvel lançou sua versão para quadrinhos da saga dos ‘’defensores da noite”. Iniciativa retomada em 2006 pela Slave Labor Graphics, aí sim, com a participação de Greg Weisman que retomava a saga do ponto em que havia se encerrado na tevê.



Aí tenho certeza que você que está lendo estas últimas linhas deve estar se indagando. E um filme? Ninguém jamais pensou nisto?
E eu te digo que... SIM!
Em 2015 foi vazada uma notícia de que a Disney em associação com a Marvel estariam pensando numa versão live action.
Bem, na verdade, não bem a empresa, e sim Kevin Feige, o chefão do "Universo Cinematográfico da Marvel" que à época disse:

Eu sempre me perguntei por que diabos a Disney não decidiu transformar Gárgulas em um evento cinematográfico”.

    Mas ao que parece por hora, com o sucesso de várias franquias que a empresa do camundongo tem em mãos no momento, ainda vamos ter  que aguardar o dia (ou melhor, a noite) em que teremos o prazer de vermos o retorno dos Gárgulas, os defensores da noite. 




















Um comentário:

  1. Assistia no SBT. Série espetacular, não perdia um episódio. É poça em que a tv aberta exibia excelentes animações.

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