Alguns personagens
nunca se afastam das telas de cinema durante muito tempo.
Tarzan, Sherlock Holmes
e até Godzilla volte e meia (ou quase sempre) estão aí aparecendo na sala de cinema
mais próxima, retratados nem sempre da maneira mais fiel para o qual foram
pensados, e em geral falhando por causa disto.
Mas há exceções! E é
sobre uma destas exceções que este artigo trata... Drácula do diretor John
Badham!
Nos anos 1970 a chamada
“sétima arte” havia passado pelo maior “sacode” que teve em sua história até os
dias atuais. E em 1979 parecia que o cinema tinha sido virado de cabeça para
baixo e depois pelo avesso.
Num exercício rápido de
memória não é difícil lembrarmos de Tubarão (1975), Guerra nas Estrelas (1977),
Superman (1978) só para citarmos os chamados blockbusters, além de
outras produções que marcaram época e remodelaram os conceitos de seus subgêneros
como O Exorcista (1973) e Agarre-Me Se Puderes (1977).
Mas em 1979 a Universal
Studios decidiu apostar no clássico personagem de Bram Stoker, baseado no real
Vlad O Empalador, nosso vampiro-mor, o Conde Drácula.
O diretor John Badham |
Para tal empreitada
convocaram John Badham, diretor que naquele momento estava mega-hypado
devido ao sucesso de “Os Embalos de Sábado à Noite”. Uma escolha que aos olhos
de qualquer fã do gênero deve ter parecido louca na época, mas que rendeu um
filme com características singulares até então.
Para deixar bem claro
(apesar que creio que você que está lendo já deve ter percebido), esta
adaptação passa longe da estória original do romance de Bram Stoker.
Mas o que ela não tem
de fidelidade ao original, compensa e com sobras para aqueles que gostam de um
bom filme.
No quesito elenco,
temos no papel-título nada menos que Frank Langella, que se você acompanha o
blog sabe que o quanto este humilde escriba é admirador, por sua capacidade de
transmutar os personagens que interpreta, dando-lhes formas até então únicas,
como nos casos do Zorro (já resenhado aqui) e do Esqueleto (sim, o do filme
Mestres do Universo).
Frank Langella é Drácula |
E para o papel de seu
arqui-inimigo, Abraham Van-Helsing, nada menos do que aquele que por muitos é
considerado o maior ator da história, Laurence Olivier, que é sempre lembrado
por seu Zeus em “Fúria de Titãs”.
Laurence Olivier é Van Helsing |
Papel que acabou sendo
herdado, já que carismático Donald Pleasence recusou-o, pois não queria que sua
atuação pudesse ser associada à do Dr.Loomis de “Haloween” realizado no ano
anterior, ficando então com o papel do Dr.John Seward, diretor de um manicômio
(pessoalmente acho que acabou trocando seis por meia-dúzia, mas deixa para lá).
Donald Pleasence é o Dr.Seward |
E como se isto fosse
pouco, John Williams, o mago da música, ficou responsável pela criação da
trilha sonora, e de seu tema principal, que pode se considerar que está para
Drácula como o tema que criou um ano antes está para Superman.
O mago John Williams criou a trilha sonora |
Na estória, que foi
roteirizada por W.D.Richter (Invasores
de Corpos), a escuna Demeter naufraga na costa da Inglaterra após seus
tripulantes tentarem se livrar carga que levavam, pois julgavam estarem amaldiçoados.
Em terra, de seu
quarto, Mina Van Helsing (Jan Francis), que aqui é filha de Abraham Van
Helsing, e que estava em visita a sua amiga Lucy Seward (Kate Nelligan), vê a
cena, e sai em busca de algum sobrevivente, encontrando apenas um homem caído
entre as pedras.
Ainda que estranhando
que os tripulantes do navio estivessem mortos, alguns deles com a garganta
dilacerada, o homem é levado para a Abadia Carfax, que havia sido comprada pelo
mesmo.
O filme em momento
algum cria uma aura de mistério neste ponto, deixando bem claro que aquele
homem era sim o Conde Drácula da Romênia e todos sabiam disto, e que os locais só
não sabiam de sua “identidade secreta”, digamos assim.
E aqui começamos a
entrar nas peculiaridades que tornaram algo singular na época, pois é nítido
que este Drácula de 1979, é sobretudo focado na figura do conde, e não do
vampiro, assim como o Zorro de 1974, também interpretado por Langella, já resenhado aqui, que é nitidamente mais focado em Dom Diego que no personagem
título.
Tal abordagem talvez
tenha acontecido devido a exigência do próprio ator, que disse que só faria o
papel se não aparecesse com dentes caninos pontudos e nem com sangue escorrendo
da boca.
Se tal exigência foi
apenas um capricho, ou uma visão de Langella de que deveriam se afastar do
estereótipo criado sobretudo pela versão de Christopher Lee nos filmes da produtora
Hammer, talvez nunca saibamos, mas uma coisa eu afirmo, funcionou de maneira
brilhante, pois deixou o filme livre para realizar suas cenas mais assustadoras através de seu elenco de apoio.
As cenas do manicômio
inclusive são particularmente incomodas em alguns momentos, talvez ou
principalmente, por retratar como eram tais instituições na época em que se
passa o filme -1913 - sem ter o viés fantástico como “escada”.
E até meio
escatológicas. Que o diga Renfield (Tony Haygarth) que ao acordar, depois que
foi atacado pelo vampiro na forma de morcego, passa a ser seduzido por uma
vontade peculiar de se alimentar de baratas.
Chamando a atenção para
outra característica do filme que é a forma como as vítimas de Drácula acabam
tendo efeitos colaterais diferentes, após serem atacadas.
Como no caso de Mina,
que é dada como morta e acaba num estado de zumbi, na talvez mais impactante
cena da película, quando Van Helsing e Seward vão até o túmulo da moça, e o
professor Helsing desce até a catacumba onde deveria em tese estar o corpo de
Mina, mas tem um “encontro imediato do pior grau” com a filha.
Uma cena que dizem ter
sido terrível para Laurence Olivier que tinha acabado de perder a filha na vida
real pouco tempo antes, o que aliás fica um tanto exposto nas feições do ator,
que não estava muito bem de saúde à época das filmagens.
Mas calma que as
particularidades deste Drácula não terminaram, pois como citei alguns
parágrafos acima, este filme é sobretudo a respeito do conde e não do vampiro.
Nos mostrando pela primeira vez um Drácula sedutor, extremamente autocentrado,
com um semblante absolutamente normal, bem afastado por exemplo, da alegoria
que Francis Ford Copolla fez Gary Oldman interpretar anos depois.
E que fora seus poderes,
como se transformar em lobo, morcego ou em nevoa, pasmem, possui controle da
mente. E não, não me refiro simplesmente à uma mera hipnose como descrito em
algumas obras, mas sim controle da mente, algo que fica claro ter sido
inspirado em “Guerra nas Estrelas”.
E não, este escriba não
enlouqueceu, pois em determinado momento o conde da Transilvânia, para liberar
Lucy de seu controle, faz exatamente o mesmo gesto com dois dedos que Obi Wan
Kennobi (Alec Guiness) fez dois anos antes no filme de George Lucas.
Apesar da vontade
inicial do diretor John Badham de fazer de seu “Drácula” uma homenagem
explicita aos antigos filmes de terror, filmando em preto e branco, a Universal
barrou a ideia.
Mesmo assim, ainda que
“competindo” com ao menos mais dois filmes de vampiro lançados no mesmo ano (a
saturação é um caminho bem curto para o fracasso nestes casos), a comédia “Amor
à Primeira Mordida” e “Nosferatu”, alcançou o destaque merecido.
Portanto, mesmo que
você (assim como eu), não seja muito fã do gênero, Drácula de John Badham é um
filme obrigatório, de um diretor que com o passar dos anos mostraria toda sua
versatilidade, como no já resenhado aqui “Trovão Azul", "Jogos de Guerra", "Tocaia" e tantas outras produções.
Fazendo aqui um filme
de terror inteligente numa época em que as produções do gênero não tinham ainda
ficado banalizadas pelos chamados filmes de slashers, merecendo muito
ser redescoberto pelas novas gerações.
E que não duvido, se surpreenderão,
com a visão de Langella descendo por uma parede como um morcego na parede de uma
caverna. Ganhando suas mentes ao ponto de torcerem pelo vampiro na sequência
final deste clássico.