Se existem duas coisas
certas neste mundo, são que o Japão sofre mais com terremotos na vida real do que
com o Godzilla na ficção.
E que cedo ou tarde,
este humilde escriba ainda que tente não fazer, acabará escrevendo alguma
resenha movido pela mais pura indignação ao ler e/ou assistir algumas opiniões
tão estafúrdias que me fazem questionar se ainda há de fato vida inteligente no
chamado meio geek, nerd ou deem o nome que quiserem.
Pois basicamente é em
razão disto que decidi escrever sobre a animação nipônica “Japão Submerso”.
“Japão Submerso” é mais uma adaptação do livro “Japan Sinks” de Sayo Komatsu, lançado originalmente em 1973.
Versão live action de 2021 |
Dirigido por Masaaki
Yuasa, esta minissérie em animação parte do fantasma que ninguém cogita que
possa ocorrer, que seria uma série de grandes terremotos que atingiriam o
arquipélago japonês de maneira impiedosa, e logicamente, apocalíptica.
Masaaki Yuasa |
Causando uma destruição
impensada até pelos mais pessimistas, e que teria como consequência o
afundamento da maior parte do país, devido a movimentação das placas
tectônicas.
Bem, creio que se você
se interessou em ler este artigo muito provavelmente já assistiu ou já ouviu
falar desta animação que está no catálogo de um conhecido serviço de streaming.
Mas caso não, posso já
adiantar aqui duas coisas, espere o inesperado mesmo que pareça fora de
contexto (pois as vezes até é um pouco), e não se apegue muito a nenhum dos
protagonistas.
A família Mutoh e sua vozes originais |
Nossa estória começa
num dia comum (eu sei, é clichê, mas faz parte), num Japão que se preparava
para receber as Olimpíadas. Sim, eu disse se preparava, ou seja, as Olimpíadas
ainda não haviam ocorrido, ao contrário do que dizem 99% dos resenhistas por
aí.
Olimpíadas que lógico,
não iriam mais acontecer.
Aqui é preciso
salientar que a produção da animação se iniciou bem antes do advento da
pandemia de COVID-19, portanto, qualquer coincidência é mera semelhança.
Somos então de forma
absolutamente aleatória apresentados a família Mutoh. Cada um em uma situação
distinta, mostrando uma família que ainda que não seja fragmentada, e se goste
muito, está distante do estereótipo nipônico, algo que em diversas situações é
abordado ao longo do roteiro.
O pai, Koichiro, é um
trabalhador da construção civil (atenção para o detalhe das Olimpíadas que
ainda iam acontecer).
A mãe, Mari, é de
origem filipina, e a personagem mais altruísta da trama, aquela que de fato,
seja com gestos simples (ainda que na mente de alguns resenhistas possam
parecer sem propósito), ou em grandes atitudes, procura sempre proteger aqueles
que estão ao seu redor.
E os dois filhos. Go um garoto que vive soltando frases em inglês e possui aversão a ter que morar no Japão, enquanto usa a internet para se relacionar mais com pessoas de outros países que interagir com um vizinho por exemplo. E Ayumi, uma jovem aspirante promissora a seguir carreira no atletismo, que pode ser a grosso modo considerada a principal protagonista da animação.
Separados no começo de
toda a tragédia, a família logo se junta e parte numa jornada sem destino, na
única intenção de sobreviver, juntamente com mais alguns agregados, que também
sem ter para onde se juntam nesta “viagem para lugar nenhum”.
E não, esta expressão
não é um exagero, pois de fato era isto que o arquipélago japonês estava se
tornando.
A verdade é que não há
muito como falar da estória de “Japão Submerso” sem fazer com que emerjam vários spoilers.
Mas alguns pontos sobre a trama que parecem equívocos aos olhos dos
“especialistas” (argh!) em resenhas precisam ser salientados.
O primeiro e mais obvio
de todos é que apesar de seus ganchos emocionais, a jornada imposta aos
protagonistas é sobretudo de sobrevivência, e não de autoconhecimento, ainda
que por ventura alguns acontecimentos possam conter tal enfoque.
Portanto, não se indigne se por acaso uma ou outra atitude de algum protagonista, pareça aos seus olhos errada. Pois, “Japão Submerso” não tem a pretensão de nos mostrar altruísmo o tempo todo, e sim mostrar como eventos extremos podem gerar o que há de melhor, mas as vezes também de pior no ser humano. Não porque sejam maus em sua essência, mas pela simples questão do medo, e como reagem quando expostos a pressão de um evento extremo.
Ainda que o roteiro
pudesse ter sido melhor desenvolvido no aspecto emocional em algumas situações.
O que não quer dizer
que o mal e o bem não apareçam em lugares e pessoas que menos se espera.
Como no caso da
tentativa de estupro sofrida por Nanami, numa situação que tive o desprazer de
ver resenhas que diziam ser forçada.
Às vezes acho que de
fato estes resenhistas de obras deste gênero, criados na base do Playstation e
leite de caixinha, vivem numa bolha. Com uma preguiça extrema de travar contato
com a realidade, pois num caso como este, é só lembrarmos dos diversos casos de
violência sexual ocorridos em espaços coletivos como ginásios, durante a
passagem do furacão Katrina nos Estados Unidos.
Ou no caso do
personagem Daniel, um artista de rua, que parece ser a última pessoa que se
deveria dar carona numa situação como aquelas, mas que se mostra uma pessoa
boa.
Assim como Kite, um dos
ídolos de Go, um youtuber de esportes de aventura, que se une ao grupo,
e que com seus conhecimentos de sobrevivencialismo se torna uma ferramenta
valiosa na jornada.
Aqui vale mais um
parêntese nesta resenha, pois não sei se foi intencional, mas o fato é que
todos os personagens do núcleo principal possuem alguma habilidade e/ou
conhecimento que se mostra útil em algum ponto da trama, até mesmo o menino Go,
que pela internet conversando com um amigo virtual na Estônia consegue obter
informações do que de fato estava ocorrendo (eita internet boa!), e o cientista
tetraplégico que o grupo passar a levar consigo.
Todos menos Ayumi, que
em tese deveria ser a protagonista central, e pela qual através de “seus
olhos”, toda a tragédia deveria ser contada, e que se mostra um verdadeiro peso
morto, portanto, não se surpreenda se por diversas vezes você sinta raiva da
adolescente.
E por falar no
cientista tetraplégico, não dá para deixar de citar aquele que é o maior equívoco do
roteiro, quando nosso grupo de sobreviventes acaba indo parar numa comunidade utópica
chamada Shen City.
Tudo bem que este
evento cria uma pausa para que coisas como o sentimento de luto e alguns
questionamentos possam ocorrer para os personagens. Mas no fim das contas acaba
sendo um recurso narrativo que cria uma incômoda barriga no roteiro, jogando no
meio do sarapatel, até uma criança com supostos (ou verdadeiros, não sei)
poderes mediúnicos.
Contudo, como saldo
final, “2020 - Japão Submerso” é um sopro de vida inteligente na saturada
atmosfera das animações nipônicas dos últimos anos, repleta de personagens
porcamente criados em simulacros de roteiro apenas para mostrar cenas
esporrentas com a intenção de criar hype numa audiência rasa.
Tendo inclusive a
coragem de abordar temas bem caros aos nipônicos, como a tal da “raça pura” e o
preconceito travestido de patriotismo.
E que apesar da
quantidade ímpar de desgraças que ocorrem no desenrolar de sua trama, algumas
que de fato surgem do nada, aparentemente apenas para causar mal estar, se
mostra em seu final algo incrivelmente edificante, que sim, na humilde opinião deste
escriba merece uma conferida.
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