quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Agarre-Me Se Puderes – As 28 Horas Mais Loucas do Cinema!

 

Quem é Dominic Toretto na fila da borracharia?

Burt Reynolds já era famoso em meados dos anos 1970, por filmes como “Amargo Pesadelo” de John Boorman, quando conversando com o amigo Hal Nedham, ex-dublê e diretor, durante as filmagens de “Gator - O Implacável”, ouviu de Nedham histórias de contrabandistas de bebidas no sul do país. 

Nascia ali uma das maiores surpresas do cinema de todos os tempos e um dos maiores clássicos de nossas “sessões da tarde”.

Agarra-Me Se Puderes!

Fãs de carros e filmes com perseguições, Reynolds e Nedham começaram a projetar o que viria a ser “Agarre-Me Se Puderes” (Smokey and the Bandit, no original), com a premissa de um caminhoneiro boa praça fugindo da polícia num caminhão cheio de bebidas contrabandeadas.

Porém, logo perceberam que a figura do caminhão sozinho não daria certo, e incluíram o carro de escolta.

No enredo que tão bem conhecemos, Bo Darvill (Burt Reynolds), que era mais conhecido como Bandido, seu apelido ou codinome de estrada, aceita o desafio lançado por um empresário conhecido como Grande Enos Burdette (Pat McCormick) e seu filho o Pequeno Enos (Paul Wiliams), de ir até Texarkana (Texas) buscar uma carga de cerveja Coors, e entregá-la em Atlanta (Georgia) no exíguo prazo de apenas vinte e oito horas.

E aqui já começo a abrir os parênteses deste artigo (e acreditem, serão vários), para uma explicação etílica.

Como é citado no roteiro, a cerveja Coors era proibida de ser comercializada em alguns lugares da terra de Tio Sam. Isto era devido as leis sanitárias de alguns estados, e por uma questão simples.

A citada iguaria alcoólica, nada mais é que nosso conhecido chopp!

Sim, nosso chopp! Que nada mais é que a cerveja em seu estado puro, antes de passar pelo processo de pasteurização, e sem nenhuma adição de estabilizantes ou algo do gênero que faça aumentar sua validade para consumo.

Para conseguir cumprir com o desafio de três mil quilômetros, que se vencido lhe renderia um prêmio de 80 mil dólares, Bandido vai procurar seu amigo Cletus Snow (Jerry Reed), o Homem de Neve, que no começo relutante, muda de ideia, e leva consigo seu pet de estimação, o basset hound Fred.

Originalmente Jerry Reed era para ter sido o “Bandido”, pois Reynolds só atuaria como produtor associado. Contudo, conforme a ideia do filme foi ganhando corpo, aliado a agenda de shows do próprio Reed que era cantor country, Burt resolveu assumir o protagonismo da película.

Reed que era conhecido como um dos caras mais bacanas do meio country aceitou a substituição sem problema. E a presença de Reynolds fez com que a Universal abrisse a carteira, e de um orçamento inicial de míseros 1 milhão de dólares, liberasse 6 milhões, mas que no meio do caminho acabaram se tornando apenas 4,5 milhões.

Hal Nedham passando instruções para Fred (risos)

Foi também foi de Burt Reynolds a escolha do cão que “interpretaria” Fred. Coloquei aspas aí, pois vamos combinar que o bonachão basset hound é quase uma versão canina do Garfield (risos).

No caminho de ida tudo corre como planejado, mas no caminho de volta, Bandido quase atropela e acaba por dar carona para Carrie (Sally Field), que posteriormente ganha o apelido de Rã.

Só que nosso anti-herói não fazia ideia que a moça, estava fugindo de seu casamento com Junior (Mike Henry), filho do xerife Bufford T. Justice (o veterano Jackie Gleason).

Aliás, por mais engraçado que possa parecer o nome do xerife, de fato existiu um policial chamado Bufford Justice, que era amigo do pai de Burt Reynolds.

Bem.... Daí por diante o filme desembesta, no melhor sentido da expressão!

Pois mesmo sem saber de nada sobre a carga ilegal da qual Bandido fazia escolta, o xerife começa a persegui-lo de forma alucinada, gerando as mais absurdas cenas de perseguição que o cinema tinha visto até então.

Com Jackie Gleason disparando uma quantidade inacreditável de gags que, segundo o diretor Hal Nedham, eram em ao menos 70% das vezes criações e improvisos do próprio ator, que teve carta branca total para tal. Responsável direto por pérolas do mais politicamente incorreto humor, como: “Eu não acredito que você saiu de mim” ou “Quando chegar em casa, a primeira coisa que vou fazer é dar uma coça na sua mãe”.

Hal Nedham se escangalhando de rir com Jackie Gleason.

Tornando o xerife Bufford, de um personagem que facilmente seria obliterado na trama ou se tornaria irritante, em um dos pontos mais altos do filme, seja nas inteirações pontuais com personagens esporádicos, mas principalmente ao contracenar com Mike Henry, o Junior.

Henry, um ex-jogador da NFL, que já era um rosto bem conhecido dos brasileiros por ter protagonizado três filmes de Tarzan, dentre os quais “Tarzan e o Grande Rio” que foi filmado em sua maior parte no Rio de Janeiro, mais precisamente na Barra da Tijuca, usando do complexo de lagoas desta região como Rio Amazonas. Além de já ter trabalhado com Burt Reynolds em "Golpe Baixo" (1974).

Um personagem que não existia no roteiro original, e foi um pedido de Gleason, pois segundo o próprio, caso não houvesse um personagem ao seu lado, não teria quem pudesse “usar de escada” para suas tiradas cômicas.

Enquanto isso para Jerry Reed, como recompensa por ter cedido o protagonismo do filme, além do papel de Homem de Neve, também ganhou a incumbência por parte do diretor de fazer a trilha sonora. Mas com filmagens que foram feitas em apenas um mês e meio, num clima de camaradagem absoluta, junto sua agenda de apresentações, não é que Reed simplesmente esqueceu de compor algo! Só sendo lembrado por Nedham já quando o filme estava quase todo montado.

Jerry então levou sua banda para a seu estúdio pessoal, e em apenas uma noite nasceu o clássico “East Bound and Down”. E não, isto não foi um eufemismo, pois a canção acabou ficando nada menos que dezesseis semanas consecutivas se revezando entre o primeiro e o segundo lugar da parada country da Billboard.

Quanto a Burt Reynolds e Sally Field, a química entre os dois era tão perfeita, que o namoro das telas passou para vida real, e o casal voltou a atuar junto em mais três filmes, incluindo aí a continuação das aventuras do Bandido, “Desta Vez Te Agarro” (uma inventividade brazuca na hora de colocar o título).

A multiplicação dos caminhões em "Desta Vez Te Agarro"

Continuação esta que apesar de manter toda equipe original, e pegar carona no apelo que os personagens tiveram junto ao público infantil, ao inserir a estória de uma elefanta como carga da vez, com todos os ganchos possíveis que uma situação desta acarreta, nem de longe conseguiu replicar a agilidade do roteiro da primeira aventura, ainda que tenha ótimas cenas, com destaque absoluto para a cena da “multiplicação dos caminhões”.

Jerry Reed enfim se torna o Bandido em “Agora Você Não Escapa”

O filme ainda ganhou um terceiro capítulo que graças mais uma vez a inventividade tupiniquim, ganhou o título aqui de “Agora Você Não Escapa”. Mas como nesta época, o namoro de Burt Reynolds e Sally Field já era passado, o filme não passou de um caça-níqueis. Porém, ao menos serviu para Jerry Reed enfim encarnar o Bandido, com Burt Reynolds aparecendo apenas numa ponta já no finalzinho.

Nos anos 1990 ainda tentaram ressuscitar o Bandido, numa série de quatro telefilmes que aqui no Brasil chegaram a ser exibidos pelo SBT. Mas a coisa foi no mínimo uma piada ruim, sem menor referência aos protagonistas do filme clássico.

Burt Reynolds e o icônico Pontiac Firebird TransAm 1977

Sem falar que a versão anos 90 do Firebird TransAm, nem de longe possuía o mesmo apelo visual e carisma que seu ilustre antepassado co-protagonista da aventura, que com o sucesso de “Agarre Me Se Puderes”, fez a Pontiac (uma divisão da GM), ver as vendas do modelo aumentarem em mais de 50% em menos de seis meses.

E por falar em aumentar lucros, “Agarre Me Se Puderes”, com seu modestíssimo orçamento de 4,5 milhões de dólares, se tornou um sucesso tão imediato e estrondoso, que foi a segunda maior bilheteria de 1977, deixando até os alienígenas de “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” comendo poeira, e só sendo vencido pela “força”, ou seja, por “Guerra nas Estrelas”.

Se tornando inclusive um sucesso entre os críticos que reconheceram ali, e isto é coisa rara, uma virada de página na história do cinema de aventura.

Além de, como era de se esperar, ganhar fãs ilustres ao longo do tempo. Como Quentin Tarantino, que em “Era Uma Vez Em Holywood” baseou toda a premissa da amizade entre os personagens de Brad Pitt e Leonardo Di Caprio, na amizade real entre Burt Reynolds e Hal Nedham.

Ou um certo Alfred Hitchcock...

Alfred Hitchcock era um grande fã das aventuras do Bandido

Sim, ele mesmo, o mestre do suspense, que segundo uma entrevista dada por sua filha poucos anos depois de sua passagem, tinha por hábito, quase que religioso, toda quarta-feira ficar em seu escritório assistindo seus filmes favoritos, e entre estes filmes, um que dos que o cineasta mais revia, praticamente toda semana, era justamente “Agarre Me Se Puderes”, e que foi o último filme que assistiu antes de morrer.

Por isto, apesar das possíveis torcidas de nariz de alguns “entendidos” da web, que tentam rebaixar “Agarre Me Se Puderes”, rotulando-o como sendo um mero filme de rednecks (os típicos caipiras sulistas estadunidenses), você que chegou até aqui ao final deste artigo, pode ter certeza.

Este é um dos filmes mais LEGAIS e feitos com mais coração que o cinema já teve, e que precisa sim ser descoberto por toda uma geração que cresceu pensando que “Velozes e Furiosos” inventou a roda.



 

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