Não
é segredo para ninguém que as animações japonesas de uns anos para cá vem
passando por um de seus períodos de menor criatividade.
Notoriamente
se encostando em produções pobres, com personagens rasos, esporrentos e
gritões, que se esgueiram em simulacros bizarros de roteiro, apoiados nos
piores cacoetes narrativos possíveis.
Contudo,
mesmo nestas épocas de secas veredas criativas, ainda surgem animações capazes
de romper com este bizarro status quo
alimentado por um público imediatista e sem nenhum referencial anterior em sua
maioria.
E
uma destas exceções ganhou a luz do dia em 2016 através do estúdio IG.
Seu
nome? Joker Game!
Mas
afinal, o que Joker Game tem de tão diferente?
Deve
ser o que você que está lendo deve estar se perguntando agora.
Em
outras épocas talvez eu até dissesse que eram poucas coisas, mas pelos motivos
apresentados na introdução deste artigo, tenho que afirmar que é muita coisa.
Para
começar a dissertar sobre Joker Game, precisamos antes de tudo nos situar na
época na qual é ambientada. O Japão pré-Segunda Guerra Mundial, mas
precisamente o ano de 1937.
Que
com suas erupções (se é que dá para chamar assim) sócio-políticas ao redor do
globo, já demonstrava como os países moviam suas peças, ainda que de forma
particular, criando o caldeirão que culminaria no maior conflito armado da
humanidade até hoje.
Tenente-coronel Yuuki |
E é
neste cenário que o tenente-coronel Yuuki cria uma escola/agência muito
especial. Seu objetivo? Encontrar, recrutar, treinar e coordenar um seleto
grupo de jovens, que se tornariam os olhos e ouvidos dos interesses nipônicos
pelo mundo.
E
este grupo especial passa a ser conhecido como a Agência D.
Alguns
podem até dizer que Joker Game se trata de uma típica estória de espiões,
daquelas onde todos suspeitam de todos, mas creio, numa consideração pessoal,
que está ao menos um degrau acima das demais obras do gênero, pois aqui de fato
o roteiro foge completamente da armadilha do maniqueísmo que cedo ou tarde
surge neste tipo de obra.
E
um bom exemplo disto acontece logo no primeiro episódio quando Sakuma, um jovem
militar encarregado pelos militares de monitorar as atividades da Agência D, se
vê desesperado ao se dar conta que foi pego numa armadilha criada pelos
próprios “colegas”.
Outro
ponto positivo, e vou enfatizar este positivo, está justamente naquilo que
muitos resenhistas, talvez bitolados pela especialização em só seguir um tipo
de conteúdo, disseram por aí ser uma péssima escolha, que foi terem feito o
anime com estórias que se fecham em torno de si, as vezes num único episódio
inclusive.
Seria
engraçado, se não fosse não fosse triste, pensarmos que tentaram “diminuir a
nota”, digamos assim, de Joker Game baseado nisto. Pois se fosse assim teríamos
que diminuir a relevância de animes absolutamente clássicos como “Bubblegum Crisis” e “Cyber City Oedo 808”.
E
ainda que se possa levar em consideração algumas críticas com relação a
ausência de um protagonista central, já que todos os personagens se tornam cada
um protagonista de algum dos doze episódios, é impossível não lembrar novamente
do já citado e já resenhado aqui, “Oedo 808”, no qual cada episódio possui seu
protagonista.
Uma
decisão sábia ao meu ver, já que ainda que nossos “anti-heróis” possam
compartilhar de uma mesma doutrina e terem sido treinados pelo mesmo mestre,
são indivíduos distintos, que serão testados em suas missões não apenas em suas
habilidades, mas também em suas certezas.
Até
porque, se existe esta atribuição de elemento centralizador, ela está mesmo com
o tenente-coronel Yuuki. Hora pragmático, hora ardiloso, e até mesmo tendo lá
seus momentos de mentor, mas que sobretudo incorpora o arquétipo de um patriota
de mente distorcida que ao que parece a muito se perdeu em seu próprio monstro.
Fora
isto, ainda que possa estar sendo redundante, Joker Game nos brinda com roteiros
absurdamente ágeis, de diálogos inteligentes, que mesmo em momentos mais
lentos, jamais criam barrigas em sua narrativa.
Joker Game trás uma reconstituição de época primorosa |
E
lógico, uma reconstituição de época primorosa, em especial do Japão da década
de trinta do século passado, já cosmopolita por um lado, mas inegavelmente
tentando se manter visualmente tradicional por outro.
Fora
lógico, os inevitáveis choques culturais entre oriente e ocidente, que como é
de imaginar permeiam a narrativa dos personagens.
Página do mangá de Joker Game |
Baseado numa série de cinco contos escritos por Koji Yanagi, publicados originalmente em 2008.
A versão live action de Joker Game |
E que inusitadamente ganhou uma versão live action em 2015, ou seja,
antes da animação, Joker Game ao longo de seus doze episódios antes de tudo nos
mostra como a guerra, ou mesmo situações limite, podem ser o catalizador do que
existe de pior e de melhor no ser humano.
Além
de que, mesmo sendo o uma obra de ficção, nos presenteia com uma excelente aula
de história.
Este
artigo é dedicado a Flavio Ceolin Lamas. Grande fã de “Sandman”, historiador,
amigo, pai e filho, que muito nos honrou durante sua passagem por este plano...
Muito obrigado, amigo!