Direitos
de autor, prejuízos financeiros ou simplesmente absurdas crises de ego. Muitas
são as razões que alimentaram processos judiciais no que se refere a chamada
“cultura pop”.
Alguns
que se resolveram facilmente (até mesmo pelo absurdo que representavam) e
outros que se arrastaram por mais de uma década. Casos que por si só, já dariam
um ótimo roteiro de filme.
E
ainda que o “Enquanto Isso na Ponte de Comando” não seja um blog de “fofocas”,
tal assunto é tão parte das raízes da cultura pop como tantos outros que geram
debates e teorias.
Mas
comercialmente falando, pode se dizer que o primeiro grande caso do gênero não
envolveu exatamente os direitos autorais sobre uma obra ou personagem, e sim
uma queda de vendas.
Estamos
no ano de 1962, e pela primeira vez James Bond saía das páginas dos livros de
seu criador, Ian Fleming, ganhando as telas de cinemas em “O Satânico Dr.No”.
Contudo, em uma determinada cena, Q (Peter Buton), o criador dos gadgets de Bond (Sean Connery) e
especialista em armas do MI-6, manda que este jogue fora sua pistola Beretta em
calibre 22LR e troque por uma Walther PPK em calibre 7.65, exaltando os
predicados da segunda arma em relação a primeira.
Bond e a Walther PPK |
O
resultado da fala, foi que a Beretta viu as vendas de suas pistolas despencarem
mundo a fora, enquanto ao mesmo tempo ocorreu uma explosão de vendas das armas
da Walther, mesmo que o preço das armas alemães fosse mais salgado. E a
fabricante italiana não teve dúvidas, e disparou (desculpe o trocadilho) um
processo contra os produtores do filme e o estúdio.
Walther e Beretta, as armas da discórdia |
Que
fim este processo teve, não sei. Mas abriu de vez os olhos de Hollywood com
relação a força que suas produções tinham no que diz respeito a impulsionar
produtos das mais variadas vertentes.
E
por falar em produtos, nem sempre os que eram oferecidos aos profissionais de
cinema eram exatamente da melhor qualidade ou devidamente testados. Vide o caso
do ator Roddy MacDowall, que participou
de quatro dos cinco filmes da saga original “Planeta dos Macacos” como os
chimpanzés Cornelius e Ceasar, além de catorze episódios da série de tevê como
Galen.
Roddy MacDowal, o eterno Dr.Cornelius |
Pois
bem, na época para que fosse possível que os atores pudessem fazer o movimento de
fala de forma mais natural, a máscara de macaco que usavam era aderida a pele por
meio de uma cola. Entretanto, devido a prolongada exposição ao produto
MacDowall acabou desenvolvendo graves problemas de pele que logicamente
levaram-no a processar os realizadores da saga que sempre garantiram a segurança
daquilo que o ator usava. Tal episódio acabou se tornando importante para a
evolução da maquiagem artística assim como para garantir alguns direitos
trabalhistas dos profissionais do meio.
Agora
se formos realmente pensar em direitos autorais ou sobre marcas, poucas vezes
tive a infelicidade de saber de um caso como o que envolveu a DC Comics, que
apresentou uma queixa na Secretaria de Propriedade Intelectual da União
Europeia contra o Valencia, clube de futebol espanhol, por estar usando um
morcego como símbolo, que segundo o que a editora pleiteava, seria um símbolo
alusivo ao Batman.
Torcedores do Valencia com o símbolo do clube |
Numa
consideração bastante pessoal, creio que nenhum dos executivos da editora leu
“Estranhas Aparições”, a fase de Steve Englehart em Batman, e sua estória dos
“Peixes Risonhos”.
No mais, o clube de futebol soltou uma nota, na qual deixava claro que não iria ceder um palmo com relação a questão.
Mas
as vezes acontece de Davi vencer Golias sim.
Ainda que a luta demore décadas.
Acredito
que você que está lendo este texto conheça a história de como Jerry Siegel e
Joe Schuster venderam os direitos sobre o Superman por uma ninharia (130
dólares) ainda nos anos 1930. E vendo no que o personagem tinha se tornado,
ainda em 1947 entraram na justiça para reaver os direitos de sua criação.
Porém, nada feito, pois a justiça da época teve o entendimento que o personagem
tinha sido criado por encomenda (decisão esta que aliás vai se repetir em outro
caso muito famoso do outro lado mundo décadas depois).
Só
que em 1976 criou-se uma emenda na legislação norte-americana que previa que o
criador poderia reaver os direitos sobre sua criação ao fim de um determinado
período obrigatório de renovação da cessão de direitos. E com base nela, em
1999, a família de Siegel deu entrada no processo para conseguir de novo os
direitos sobre o “azulão”.
E
assim, em duas sentenças em momentos distintos, uma em 2008 e outra em 2020 a
família Siegel conseguiu os direitos sobre todos os conceitos básicos sobre o
Superman de acordo com o que Siegel imaginou.
Jerry Siegel |
Coisas
como, sua origem, seus pais de Krypton, sua figura criança já na Terra, o
Planeta Diário, Lois Lane e até sobre o uniforme. Enquanto que a DC manteve os
direitos sobre criações posteriores como Lex Luthor, a kriptonita e Jimi Olsen.
Ou
seja, Superman hoje é uma criança com a “guarda compartilhada”.
Guarda
compartilhada esta que George Lucas teve que engolir. Sim ele mesmo, o criador
do universo Star Wars, que diga se de passagem, não tem lá uma das melhores
famas, quando se trata de defender os direitos sobre sua criação, tendo
processado até fãs.
George Lucas processou o designer Andrew Ainsworth... |
Isto
lógico, antes da venda da marca para a Disney.
Pois
não é que em 2004, Lucas processou Andrew Ainsworth, o design britânico que
criou os uniformes dos StormTroopers, pois este (que à época passava por
dificuldades financeiras) passou a vender algumas réplicas dos capacetes dos
soldados do Império Galactico na internet.
...que ao fim do processo, ganhou a causa. |
Contudo,
contrariando as expectativas do cineasta, a justiça britânica deu ganhou de
causa à Answorth em 2009. Não se dando por vencido, George Lucas apelou até à
Suprema Corte que manteve a decisão anterior, apenas concordando que Answorth
errou ao vender os capacetes nos Estados Unidos.
Permitindo
assim que Andrew Ainsworth continuasse fazendo e vendendo seus capacetes, desde
que nada no design original fosse alterado.
E
esta coisa de ideia original, e quem fica com ela foi o estopim para talvez a
mais mitológica guerra judicial da história da cultura pop.
E é
obvio que falo do embate entre Leiji Matsumoto e Yoshinobu Nishizaki pelos
direitos de Patrulha Estelar (Uchuu Senkan Yamato).
Em
1994, o produtor Yoshinobu Nishizaki, após mais de uma década, resolveu
“reviver” seu maior sucesso, a saga do Encouraçado Espacial Yamato.
Porém,
sabiamente (se é que dá para se referir deste modo), Nishizaki veio como uma
estória que se passava 300 anos depois da saga clássica, sem nenhuma conexão
direta com esta, talvez já tentando evitar problemas.
Mas
não teve jeito, pois assim que Yamato 2520 saiu, ainda para o mercado de home vídeo, e se tornou de conhecimento
de Matsumoto, o velho mangaká não
teve dúvidas, e disparou sua “arma de ondas” na direção do produtor. Mas por
que isto?
Para
explicar, é preciso fazermos uma rápida viagem no tempo de volta ao começo da
década de 1970.
Pois
lá no comecinho dos anos de 70, Nishizaki começou a trabalhar na estória que se
tornaria a Patrulha Estelar. Contudo, na época, trabalhando com outro mangaká que apenas seguia o que o
produtor lhe orientava.
Mas
qual eram as ideias de Yoshinobu?
Bem,
basicamente o produtor criou todo o conceito do roteiro que já naquela época
continha os gamilons que atacavam a Terra, e a saga de um grupo de terráqueos
que iriam numa viagem até o distante Planeta Iscandar, buscar o Cosmo DNA, o
elemento que limparia a nossa atmosfera da radiação das bombas dos gamilons.
Só
que tal viagem seria feita em nada menos que um asteroide. Sim! Um asteroide no
qual seria instalado um motor.
Contudo,
quando Leiji Matsumoto assume a parte técnica da produção por assim dizer, e vê
que a ideia de Nishizaki era boa, mas poderia ser melhorada, começa a sugerir
mudanças no projeto.
E é
de Leji Matsumoto, toda a ideia de se usar o velho encouraçado Yamato da 2ª
Guerra Mundial como base para a nave, que obviamente originou o título da saga.
Assim como são de sua autoria a criação de vários personagens, entre estes a
gatinha Mi-Kun (ou Mimi, como conhecemos aqui em Terra Brasilis) que foi uma
homenagem a primeira de uma série de gatas com mesmo nome que o roteirista
teve.
Matsumoto chegou a fazer um cameo de Nishizaki |
E
tudo isto foi feito com 100% de carta branca de Nishizaki. Que teve até um cameo feito por Matsumoto na primeira série de tevê, "Busca Por Inscandar".
Durante
a produção da saga clássica, produtor e mangaká
acabaram por se desentender, mas até então, cada um foi para seu lado, e tudo
bem.
Só
que com o lançamento de 2520, a coisa babou e a guerra começou. Uma guerra
judicial com desdobramentos inusitados até fora dos tribunais. Como quando
Nishizaki foi preso com uma pequena quantidade drogas, e uma quantidade de
armas e munições que fariam John Matrix (o personagem de Schwarzenegger em
Comando Para Matar) ficar com inveja.
Ao ser preso, Nishizaki tinha até um fuzil M16 com lança-granadas como o da foto |
Só
para se ter ideia, em meio ao arsenal que segundo consta, o produtor tinha
comprado numa viagem as Filipinas, havia até um fuzil M16 equipado com um
lançador de granadas M203.
E
foi nesta época que saiu a primeira sentença a favor de Matsumoto, que não
perdeu tempo, e colocou na praça uma versão totalmente sua para a saga, era Dai
Yamato Zero Go.
Porém,
Nishizaki apelou, e em 2008 saiu a decisão definitiva em última instância que
dava ao produtor todos os direitos sobre a saga.
Uma
decisão que quando escrevi a resenha sobre o remake de “O Cometa Império” não imaginava ser tão restritiva e nem
que teria sido conseguida com os argumentos que foi.
Pois
o argumento usado por Yoshinobu Nishizaki em pleno século XXI foi o mesmo que a
DC Comics usou para manter os direitos sobre Superman em 1947. De que Leiji
Matsumoto tinha feito tudo sob encomenda, e que tinha sido pago para isto.
E a
única obrigação que o produtor teria, era apenas de citar nos créditos de qualquer
produção do Encouraçado Espacial Yamato, o nome de Matsumoto, mas sem a
obrigação de pagá-lo nem um iene sequer.
E
bem que chegando ao final deste artigo atípico, gostaria de ter algumas
palavras edificantes, ou talvez até engraçadas, sobre as confusões citadas e
tantas outras que conhecemos, mas no fim das contas tudo que consigo pensar é
que todas as partes envolvidas nestes tipos de relações, mas em especial os
artistas, precisam sempre estar atentos sobre seus direitos, e procurar manter
uma relação mais clara possível com a outra parte envolvida
Muito boa essa matéria...
ResponderExcluirAguardo por mais.
Parabéns!