segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Os Sete Samurais e seus filhos (parte 1)


Muito ao contrário do que boa parte da crítica durante anos tentou passar, Akira Kurosawa jamais foi um daqueles diretores sem rumo pseudocultos que pregava o “discurso de ódio” ao cinemão hollywoodiano, ainda que pudesse ter uma série de ressalvas sobre o mesmo, tendo sido um grande admirador dos westerns (nosso bom “faroeste”) do norte-americano John Ford.
E que ao contrário do que muitos pensam, penou para conseguir o reconhecimento em seu próprio país, no qual por uma série de razões, seu cinema era considerado muito “americanizado”.
Contudo, após vencer o Leão de Ouro em 1951 no Festival de Veneza por “Hashomon”, Kurosawa ganhou moral e partiu para o filme que de fato marcaria seu nome o inconsciente popular, “Os Sete Samurais”.



Estamos no ano de 1954, e o Japão ainda tentava se recuperar dos estragos e feridas deixados pela Segunda Guerra Mundial, enquanto brigava para manter sua identidade cultural em meio à “colonização” que foram obrigados a sofrer após a derrota na guerra.
Sendo que neste mesmo ano, outro grande clássico do cinema nipônico ganhava as telas, Godzilla.

O jovem Kurosawa e seu elenco nos bastidores de "Os Sete Samurais"

E é neste cenário que o diretor Akira Kurosawa vem a dirigir aquele que se tornaria não apenas seu filme mais famoso, mas também o mais copiado. Um western que trocava os revólveres e carabinas pelas espadas katanas e que se tornou fonte de inspiração para diversas outras produções.
Então, talvez possamos dizer que ainda que estando em extremidades opostas, o filme de Kurosawa junto ao de Inishiro Honda, fizeram de 1954, o ano em que o mundo descobriu o cinema japonês.



Na história, de estrutura bem simples, mas maravilhosamente bem desenvolvida, um vilarejo de agricultores a beira do desespero, que vinha sendo atacado consecutivamente por um grupo de bandidos, que não apenas roubavam toda a produção de alimentos dos camponeses, como os submetiam a um regime constante de terror, decide contratar guerreiros para defendê-los, isto numa época do Japão conhecida por “Era Sengoku”, na qual guerras entre clãs de senhores feudais rivais tomavam quase todo o arquipélago nipônico.
E tendo apenas como proposta de pagamento para estes guerreiros nada mais que comida. Um artigo de luxo se pensarmos num país do século XVI que vivia em meio a um caos sócio/ bélico.



A partir do encontro com Kambei Shimada (Takashi Shimura), o grupo de “ronins” (samurais sem um senhor) vai se formando, com destaque para Kikuchiyo (Toshiro Mifune), que na verdade era apenas um aspirante a samurai, escondendo sua real origem que era de filho de trabalhadores rurais como os que defenderiam. Papel que reza a lenda urbana, Mifune incorporou vinte quatro horas por dia durante todo o período das filmagens, tornando-o uma celebridade, e até abrindo as portas de Hollywood para o ator.
Filmagens que custaram o absurdo e irreal valor de quinhentos mil dólares, uma verdadeira fortuna para os padrões nipônicos da época.
Na época o filme foi muito atacado em seu país, pelos motivos já explicados acima, contudo, o “western from the east” com espadas, passou a encantar plateias ao redor de todo mundo.
Iniciando uma série de “versões” que sem o menor pudor usavam da premissa simples, mas igualmente genial do roteiro, para desenvolver a história em outros contextos de pano de fundo.


O elenco de "Sete Homens e Um Destino"

A primeira, mais famosa, e sem dúvida a melhor destas versões veio apenas seis anos de após a obra original, e dentro do contexto mais óbvio possível, um faroeste.
Em “Sete Homens e Um Destino”, o diretor John Sturges comanda a história de um vilarejo mexicano que vem sendo aterrorizado pelo bando liderado por Calvera (Eli Wallach). E como no filme original, os líderes do vilarejo vão atrás de homens, neste caso pistoleiros, que pudessem defendê-los da ameaça.



Encontrando primeiramente Chris (Yul Brynner) e Vin (Steve McQueen) que aceitam a proposta dos camponeses, e que vão atrás dos demais membros da equipe que ainda tinha Britt (James Coburn) e Lee (Robert Vaugh).



Mas ao menos no entendimento deste escriba, o destaque vai para Bernardo O’Reilly, interpretado por um jovem Charles Bronson, um ano antes de seu primeiro papel principal em “Avião Foguete X-15” e catorze anos antes de “Desejo Matar”. Interessante que aqui como o personagem de Toshiro Mifune, o personagem de Bronson também tentava esconder sua origem, só que por um viés não apenas mais intrincado, mas também bem atual, já que o personagem era um mestiço.
Que se incomodava com certa falta de identidade própria, que pode ser resumida na fala: “... este maldito nome, de um lado mexicano, do outro lado irlandês, e eu no meio.”.


Bernardo (Charles Broson) acaba por atrair a curiosidade das crianças do vilarejo

Mas ao mesmo tempo uma condição que atrai justamente a atenção das crianças do vilarejo, curiosas como o sujeito misterioso, de poucas falas, mas que se parecia muito com eles.



O interessante é que ao que parece, percebendo isto, a semelhança entre os personagens de Mifune e Bronson, resolveram juntar ambos os atores em 1971 num faroeste que misturava oriente com ocidente.
Era Red Sun - Sol Vermelho.



Uma história na qual ambos praticamente reprisavam seus arquétipos anteriores, se considerarmos, lógico, as devidas proporções do roteiro. Um roteiro aparentemente louco, mas que funciona muito bem, sobre o roubo de uma valiosa espada, e de um acordo que acaba por unir os dois na procura pelo personagem do francês Alain Delon.


Apesar de um bom filme, o remake de "Sete homens..." não repete a magia do original

Em 2016, Antoine Fuquá veio a dirigir o remake de “Sete Homens e Um Destino”, mas que não chegou nem perto do clássico de 1960, que seja pela ótima construção de seus personagens, a forma como o roteiro trabalha as relações interpessoais de todos (quase tão bem quanto a obra de Kurosawa), seu final respeitosamente praticamente idêntico ao da obra inspiradora, sem falar no icônico tema composto por Elmer Berstein, se tornou um dos melhores westerns de todos os tempos, e que só foi maculado quando resolveram fazer inúteis continuações
.

Tão bom que até o próprio Akira Kurosawa afirmou ter gostado do resultado.
Porém, as adaptações de “Os Sete Samurais” estavam bem longe de acabar, mas isto vai ficar para a segunda parte de como o clássico de Kurosawa mudou a cara do cinema. Até lá!

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