segunda-feira, 14 de maio de 2018

Dirty Harry


O ano era 1971. Um sujeito entra numa lanchonete num dia comum em San Francisco na Califórnia e pede um cachorro-quente. Até aí nada demais. Porém do outro lado da rua, assaltantes invadem um banco, e aquele pacato sujeito comendo seu cachorro-quente calmamente interrompe sua refeição, sai da lanchonete, e no meio da rua desembainha um revolver Smith&Wesson 29 em calibre Magnum.44, dando início a uma espetacular cena de ação que culmina com o carro dos bandidos capotando, e o primeiro dos assaltantes que tentou fugir, caído no chão de olhos arregalados diante do cano do revolver que lhe era apontado.



E assim o diretor Don Siegel e o ator Clint Eastwood apresentavam ao mundo Harry Calaham, o Dirty Harry (título original) - “Perseguidor Implacável” aqui no Brasil - no primeiro de um total de cinco filmes, o inspetor da polícia de San Francisco, casca grossa até a medula, isolado, cheio de maneirismos, mas que conseguia passar uma indisfarçável humanidade apesar ou principalmente em razão disto.

Harry Calaham e seu S&W 29  em ação

Um policial que devido os métodos que nem sempre deixavam seus superiores felizes, e que justamente por isto tinha ganhado o tal apelido de “Sujo” e que aqui neste primeiro filme passa a enfrentar um psicopata conhecido apenas por Scorpion, interpretado por Andrew Robinson (excelente!) numa relação de “gato e rato” que me arrisco dizer possa ter sido até influência direta para "Batman O Cavaleiro das Trevas". Um filme que intercalava momentos de ação como a já citada cena de abertura com momentos absurdamente tensos, mesmo se pensarmos nos liberais anos setenta.

Adrew Robinson deu vida ao psicopata conhecido apenas por Scorpion

Como quando Harry para salvar a vida de uma jovem que tinha sido enterrada viva pelo psicopata o tortura em meio a um campo de futebol americano vazio a noite, ou quando Scorpion paga para que um homem o espanque até ficar com suas feições deformadas de tanto apanhar apenas para poder incriminar o inspetor.
Num filme que pode ser considerado a célula mater de todos policiais do gênero que viriam nas décadas seguintes.

Magnum 44 (Magnum Force no original), o segundo filme da franquia.

E como a aceitação e o sucesso de Dirty Harry foram imensos, nada mais natural que se fazer um novo filme e assim em 1973 chegava “Magnum .44”, o segundo filme da franquia.

Um "esquadrão da morte" formado por policiais era o desafio de Harry em Magnum 44

Deixando um pouco de lado todo o conflito psicológico do primeiro filme, e indo mais fundo no questionamento da discussão “fins justificam os meios”, coloca Harry Calaham em rota de colisão com um grupo de extermínio composto por policiais, parte deles admiradores do próprio Harry. Numa trama que hoje até pode parecer trivial, mas que na época teve a coragem de colocar o dedo na ferida de um assunto que era “tabu”, inclusive citando em um diálogo os grupos do mesmo tipo das ditaduras sul-americanas alinhadas ao governo estadunidense que atuavam a todo vapor naqueles tempos.

"Sem Medo da Morte", o terceiro filme que trazia um foco diferente sobre Harry Calaham.

Três anos então se passam, e quando ninguém esperava, chega aos cinemas “Sem Medo da Morte”. Um filme peculiar em vários aspectos.
Apesar de uma premissa um pouco pueril sobre um grupo de bandidos que rouba - com uma facilidade extrema, diga-se de passagem -, um carregamento de armas militares, este acaba sendo apenas um mero pretexto para explorar a figura de Harry Calaham de uma forma que ainda não havia sido feita antes, por um prisma mais pessoal e menos policial obstinado, que em alguns momentos, se propositalmente ou não, chegam a serem engraçados.

Tyle Dale como a policial Kate Monroe, única parceria de Harry que é parte efetiva da trama

Isto sem falar que este é o único filme no qual a relação de Harry com um parceiro de trabalho é explorada ao longo de toda a trama, neste caso uma parceira pra ser mais exato.
A policial Kate Monroe interpretada por Tyne Daly (simplesmente sensacional) é a melhor coadjuvante de toda a franquia. E este é um ponto interessante, pois bem antes do “levantar de bandeiras representativas” de qualquer causa, Sem Medo da Morte foi muito feliz em mostrar os desafios de uma oficial de polícia num mundo que muitas vezes não a levava a sério por ser mulher, e ainda ter que vencer a desconfiança gerada pelo fato de estar lá muito devido a uma combinação de fatores que envolviam politicagem e relações públicas, oque em nada ajudava na sua vida e seus desafios.

Kate Monroe sendo sabatinada - Uma das melhores cenas do filme

Mostrando-se ao mesmo tempo durona, mas também cometendo erros, devido sua pouca experiência nas ruas, mas jamais por ser uma mulher.
Destaque absoluto para cena de sua sabatina para se tornar uma oficial, com uma mesa avaliadora cheia de “especialistas” e suas perguntas padrão, mas que desmonta por assim dizer quando Harry indaga a Kate se ela sabia fritar um ovo. Um teste claro do policial que sabia oque esperava por ela nas ruas, mas que causa um tremendo alvoroço no restante da bancada de avaliadores, e que “explode a panela de pressão” quando Calaham encena uma situação hipotética na qual uma senhora da banca avaliadora seria uma prostituta e ele um cliente.
Com certeza o filme mais leve de todos da saga, e que chega até a brincar com a caricatura que o mito do Dirty Harry já tinha se tornado.

Impacto Fulminante - O único filme da franquia dirigido pelo próprio Eastwood

Mas este momento de leveza por assim dizer, só durou até 1983 e a chegada de “Impacto Fulminante”.
Neste quarto filme, o único da franquia dirigido pelo próprio Clint Eastwood, bem diferente dos demais, a trama se torna um thriller psicológico pesado. Só que muito diferente da fórmula utilizada lá em Perseguidor Implacável, aqui o protagonismo é todo da vítima.

Sondra Locke (esposa de Eastwood na época) é a vítima que parte para a vingança

Na trama, uma mulher que foi estuprada (Sondra Locke, na época esposa de Eastwood), sedenta por vingança começa a executar alguns de seus agressores, numa premissa que lembra demais o clássico thrash “A Vingança de Jennifer” (I Spit On Your Grave/ 1978).
Um filme hermético e tenso, que inclusive tem uma mulher fazendo parte do grupo de estupradores, e que pode até decepcionar um pouco quem vai atrás apenas de cenas de ação espetaculares. 


Mas que com certeza leva a loucura os entusiastas por armas, pois é nele que após uma surra na qual perde seu Smith&Wesson 29 que vai parar no fundo do oceano, Harry ao se recuperar, pega sua arma estepe, simplesmente uma pistola Automag .44, na época a arma de mão mais poderosa do mundo, e que já tinha se tornado icônica nos quadrinhos do personagem Travis Morgan, o Guerreiro, da DC Comics.

Uma das pistolas Automag 44 feitas especialmente para Impacto Fulminante

A título de curiosidade, quando filme foi feito a Automag já não era mais fabricada, mas ao invés de conseguirem um exemplar com algum proprietário, a produção do filme foi direto a fonte, e com um lote de peças remanescentes foram feitas as duas últimas pistolas do tipo especialmente para o filme, uma para disparos reais e outra para os de festim, sendo que tais armas foram timbradas como “Clint 1” e “Clint 2”.
Isto sem falar no belo upgrade que deram na vida de Albert Popwell. 
Albert quem? Tá, eu sei oque você que está lendo deve estar pensando.
Mas se lembram de Perseguidor Implacável e sua cena inicial? E do bandido na porta do banco? Este era interpretado pelo ator Albert Popwell. O mesmo Albert Popwell que em “Magnum 44” volta como um cafetão chamado JJ Wilson.

Albert Popwell em Perseguidor Implacável - A primeira de suas quatro participações na franquia.

E eis que quando chega “Sem Medo da Morte” lá estava novamente Popwell, desta vez vivendo Big Ed Mustapha, um gangster envolvido com o submundo da pornografia da época. Sendo que aqui em “Impacto Fulminante” temos a cereja do bolo, no qual ele ressurge como Horace King, policial e parceiro de Harry Calaham.

Popwell em "Sem Medo da Morte" como Big Ed Mustapha

E em "Impacto Fulminante" como o policial Horace King

Oque torna Albert Popwell um caso único na história do cinema. O único ator que interpretou quatro papéis diferentes numa mesma franquia de filmes.
Franquia que hibernou tranquila, enquanto Eastwood se dedicava cada vez mais a direção, até que em 1988, quando num mundo já lotado de congêneres, Harry Calaham retorna para mais uma aventura.

"... Na Lista Negra", o último capitulo da saga de Dirty Harry



Era “Dirty Harry na Lista Negra” ou simplesmente “The Deadpool” no original. E se lembram sobre oque disse a respeito de “Sem Medo da Morte” e suas peculiaridades? Aqui isto é maximizado. Talvez não pelo viés das relações dos personagens, mas situações e curiosidades que envolvem o filme.



Nele, um já veteraníssimo e perseguido pela mídia Harry Calaham passa a investigar assassinatos que estão ligados a uma lista que circula no submundo das celebridades, um jogo no qual se apostava em figuras conhecidas que poderiam ser candidatos imediatos a defunto, e do qual participava um diretor de cinema chamado Peter Swan, interpretado por um Liam Neeson bem antes da consagração. Lista esta na qual constava o nome do próprio Harry.

Liam Neeson era Peter Swan, um diretor de cinema que participava lista negra do título.

No campo das citadas curiosidades o filme mostra a primeira atuação de Jim Carrey na pele de um roqueiro drogado, e é impagável sua cena ao som de “Welcome to the Jungle” do Guns n’ Roses. Sendo que a própria banda faz ponta no filme, isto lógico antes de se tornarem ultrafamosos.



Os membros do Guns n' Roses em uma de suas pontas

E como se isto não fosse suficiente possui uma das cenas de ação mais inusitadas de todos os tempos, quando o carro em que Harry estava passa a ser perseguido por um carrinho de controle remoto explosivo.


Ideia esta que alguns anos mais tarde Bruce Timm usaria no icônico episódio de Batman TAS, “Cuidado com o Fantasma Cinzento”.
E culminando com a cena na qual Harry simplesmente usa um arpão de caçar baleia para acertar o oponente, num resumo nítido do total, ainda que sob controle, exagero que permeia este último capítulo da saga que fez de Dirty Harry a maior lenda do cinema policial de todos os tempos.

Dirty Harry acabou se tornando referência na cultura pop mundial

Passando a ser citado em diversos outros filmes, seriados, desenhos animados e virando até música, se tornando um verdadeiro ícone da cultura pop mundial.
















































Um comentário:

  1. Excelente matéria! Pena não exibirrm estes clássicos na tv...
    Nem que fosse nos horários mais adiantados da noite! Clássicos!!

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