Se
existe uma animação que ultrapassou a barreira geracional, e tomou ares de
lenda urbana, esta animação é Caverna do Dragão!
Ainda
que historicamente Jonny Quest ou Patrulha Estelar, sempre tenham maior
relevância, a saga dos garotos que ao entrarem num “carrinho” de parque de
diversões são transportados para um mundo fantástico, sempre esteve envolta
numa neblina de especulações, das mais simples até as mais bizarras.
Primeiramente
quero deixar bem claro que este artigo não se propõe esmiuçar todas as três
temporadas da série, apenas – após muita pesquisa – encerrar (assim espero),
como um monte de teorias (muitas vezes convenientes) e blá blá blá vazio, que
persistem mesmo após a realização por parte de fãs do episódio final escrito
por Michael Reaves.
Acredito
que você que esteja lendo este artigo já tenha se deparado principalmente em
redes sociais com as teorias malignas sobre a série, que diziam entre tantos
absurdos, coisas como o Mestre dos Magos ser o verdadeiro vilão ou até que a
Uni a unicórnio seria um demônio que sempre impediria os garotos de retornarem
para casa.
Isto
sem falar na melhor, mais risível e preguiçosa de todas. A teoria de que os garotos
estavam todos mortos, e que aquele mundo seria o inferno. Teoria aliás que veio
a reboque (ou ao menos ganhou força), após ter sido usada para justificar por
parte do público a lambança do seriado Lost.
É
obvio que Caverna do Dragão foi um pequeno ponto fora da curva, principalmente
para seu tempo, e que alguns episódios podem de fato (e até propositalmente)
suscitar gossips, mas da mesma forma
deixa claro em várias situações que as lendas urbanas não se justificam. Pelo
menos em sua maioria (risos).
Primeiro
o mais básico, e que até já li artigos que contestam. A volta para casa! Sim os
garotos em algum momento voltam para casa, e isto é absolutamente explicitado
em ao menos dois episódios.
Em “O Sonho”, cujo título original é “A Garota que Sonhava o Amanhã”, após encontrarem um carrinho idêntico aquele que os trouxe para aquele mundo, os jovens conhecem uma garota chamada Teri.
Outro
caso, e este é ainda mais elucidativo, é “A Cidade à Margem da Meia-Noite”.
Aliando-se ao Rei Rahmud (que eles não faziam ideia ser um rei), os garotos
procuram a tal cidade, onde crianças, tanto do Reino quanto da Terra, estão
sendo mantidas como escravas. No final da batalha, os garotos encontram um
colega de escola chamado Jimmy Withaker. E ao reconhecerem o menino, imploram a
ele que avise seus pais que estão perdidos no Reino.
Contudo
a reposta do pequeno Jimmy vem em forma de deboche dizendo: “Vocês estão malucos? Hoje é noite de
domingo! Vocês foram ao parque de diversões e eu não pude porque tinha dever de
casa. Isto é apenas um sonho. Vejo vocês amanhã na escola.”. E retorna ao
nosso mundo.
Mas
por que este episódio é elucidativo?
Pois
se formos pensar que em outro episódio chamado “Apagando-se o Tempo”, no qual os
garotos encontram um piloto alemão da época da 2ª Guerra Mundial, que cai no Reino
a bordo de seu avião Stuka, fica claro para olhos mais atentos que aquele mundo
era ou vivia uma espécie de hiato temporal, independente da linha do tempo e
espaço de nosso mundo.
Portanto,
não importava quanto tempo os jovens passassem no Reino, sempre poderiam (em
tese, lógico) retornar para casa, sem prejuízo qualquer em suas vidas.
Mas
então por que eles não arranjavam um modo de voltar?
Isto
sempre esteve absolutamente claro! Eles tinham uma missão a cumprir ali. A
missão de redimir o Vingador.
E
aí entramos em alguns pontos interessantes, como a desatenção de boa parte do
público, desatenção de parte também dos realizadores da série, e de uma certa
forma a confirmação de teorias populares.
Na
parte de desatenção do público, não precisamos nos aprofundar muito, creio eu,
pois tudo que foi explanado nos parágrafos anteriores já dá uma ótima noção
disto.
Contudo
ainda posso citar aquele que talvez seja o episódio mais icônico da animação, “
O Cemitério dos Dragões”. Aquele no qual após terem sua volta para casa
frustrada pelo Vingador, que no processo ainda deixa Uni ferida despertando um
ódio visceral em Bob, faz a frustação do grupo chegar num ponto me que
confrontam o Mestre dos Magos, interrogando de que modo poderiam de fato vencer
o seu inimigo.
Aqui
escancara-se a inteligência do que podemos chamar de plot principal da animação, pois a jornada dos garotos, com seus
erros, frustações, imperfeições e até tentações, assim como a superação deles,
era o que nos planos do Mestre dos Magos, mostraria ao Vingador, que no passado
tinha sido bom, o quanto o caminho que decidiu trilhar estava errado.
Nem todas as teorias sobre o Mestre dos Magos estavam erradas? |
E também
escancara que nem todas as teorias populares estavam assim tão erradas, afinal
vamos aqui entre nós concordar, que em nada de acidental teve a ida dos garotos
para aquele mundo pelo jeito. E todo aquele glossário de provações pelos quais
passaram era apenas um plano do Mestre dos Magos, que através do sacrifício
deles queria trazer de volta seu antigo discípulo, numa dualidade das mais
bizarras, no qual os fins de acordo com a mente de seu realizador,
justificariam plenamente os meios.
Mas
ainda há a relativa falta de atenção, ou talvez coordenação dos realizadores da
série. Pois mesmo antes de “Requiem’’, o famigerado episódio final ver a luz do
dia, em “O Cemitério dos Dragões” o Mestre dos Magos chama o Vingador de filho.
Contudo,
mesmo que Michael Reaves já tenha dado declarações que gostava desta ideia da
ligação paternal entre os personagens, sempre considerei apenas a expressão
filho como um tratamento afetuoso. Algo que se reforça se pararmos para pensar
no episódio “A Cidadela das Sombras”, no qual somos apresentados a irmã do
Vingador, que ao contrário do protagonista mono-chifre da animação, é ruim na
raiz.
Ou
seja, se o Mestre fosse pai do Vingador, seria pai da moça também? Aí, na
opinião deste humilde escriba, seria forçar demais a boa vontade.
Mas
então por que cargas d’água, uma animação tão inteligente e bem realizada e que
dava retorno financeiro, acabou sendo encerrada de uma hora para outra, sem um
final ou gancho para uma possível nova temporada?
Aí
vem a história por trás da história. Algo bem além de justificativas padrão,
como “baixa audiência’ ou “baixa venda de produtos licenciados”, como chegou até a ser divulgado em extras de um box com todos os episódios que saiu em 2006.
Como
todos estão cansados de saber a animação cujo título original é “Dungeons &
Dragons” em alusão ao jogo de tabuleiro criado por um cara chamado Gary Gygax,
que junto com um conhecido chamado Don Kane criou uma empresa chamada TSR,
sigla para Tatical Studios Rules para justamente promover o tal jogo.
Porém,
como diria o velho ditado: Money que é
good nós não have.
Da esq p/ dir: Gygax, Blume e Kane |
E
os dois precisaram se unir a um cara chamado Brian L. Blume, que seria o “sócio
da grana”. Contudo, porém, entretanto e, todavia, no meio do caminho Don Kane
morre. E para evitar problemas com a esposa de Don que seria a dona natural de
sua porcentagem na empresa, Blume convence Gygax a fechar antiga TSR, e vejam
só, abrir uma nova, que se chamaria TSR Inc.
Uma
nova TSR que em 1981 passou a ter novas pretensões, como licenciar produtos
além dos livros, dados e bonequinhos do jogo. E entre as novas pretensões
estava a de vender a ideia para fins de realização obras como filmes e
seriados.
E
no colo de quem esta missão foi parar?
Justamente
no colo de Gygax que ralou mais que esmeril, até que enfim o canal CBS comprou
a ideia, e aliando-se a divisão de animação da Marvel e a japonesa TOEI Animation.
Só
que no fim das contas, TOEI, Marvel e CBS eram apenas as “viabilizadoras”
digamos assim do projeto, pois a dona da coisa toda permanecia sendo a TSR.
E
tudo ia aparentemente muito bem, até que Gary Gygax começa a escutar boatos de
que Blume queria vender a empresa. Algo que nem uma criança de seis anos
aceitaria, afinal a empresa entre produtos próprios e licenciamentos da
franquia de animação estaria lucrando muito.
O
que faz nosso destemido Gary pegar um avião e viajar até o outro extremo dos
Estados Unidos para tirar satisfação com Blume. E foi aí que Gygax descobriu um
rombo milionário na empresa, com fortes indícios, como por exemplo a compra de
setenta carros, de que Blume encabeçava o desfalque nos cofres da TSR Inc.
Gary Gygax |
Tentando
então salvar a empresa que já acumulava dívidas da ordem de mais de um milhão
de dólares, Gary vai até o conselho da empresa e com “muito tato”, pede o
afastamento de todos os supostos envolvidos.
Mas
como diria o Capitão Nascimento: O sistema é f****!
E
em retaliação o mesmo conselho vende as ações de Gygax para uma senhora chamada
Lorraine Williams que queria dar rumos bem diferentes para a empresa.
Gary
Gygax até entrou na justiça para anular a venda, mas perdeu. E ainda que
pudesse recorrer à uma instância superior, a verdade foi que nosso herói estava
quebrado financeiramente. E os advogados ao pedir mais
dinheiro para aquela nova contenda judicial jogaram a derradeira “pá de cal”
sobre a pretensões de Gary, que ficou nervoso demais (para usar um termo
educado) e resolveu abandonar a TSR Inc indo tentar criar outra empresa.
E
por que contei toda esta epopeia? Esta, quase obra de Cervantes?
É
por que coincidentemente tudo isto ocorreu na mesma época que supostamente
Caverna do Dragão passou a ter baixas audiências. A mesma época em que a CBS
encomendou para Michael Reaves um episódio especial que fosse escrito de forma
que pudesse funcionar tanto como um ponto final para saga, como um gancho para
uma quarta temporada.
Ou
seja, para se livrarem de serem arroladas num possível processo, CBS, Marvel e
TOEI decretaram o fim de Caverna do Dragão sem o famigerado “capitulo final”,
isto sem saber que Gygax já tinha até “jogado tudo para o ar”.
Então
é isto. Caverna do Dragão não foi vítima de baixa audiência como versões
“oficiais” alegaram por anos, e muito menos por pressão de entidades religiosas
que pensavam haver algo de maligno na animação.
Ah!
E antes de terminar este texto, já imaginando que alguém possa comentar algo
sobre o cavalo do Vingador que não voava, já vou logo dizendo que voava sim,
pois era da mesma espécie do Cavalo de Fogo (Wildfire no original).
Ou
vão dizer que não perceberam a semelhança? (risos)