Três
criminosos condenados à penas maiores do que poderiam viver para cumprir, são
“convidados” para participar de um programa no qual passariam a integrar os
quadros de uma força governamental, em troca de uma “liberdade vigiada”, garantida
através de colares explosivos, podendo ter até suas penas diminuídas caso tivessem as perigosas missões que lhes são designadas cumpridas a
contento.
Roteiro
manjado este, não é?
Mas é exatamente desta forma que somos
apresentados à Sengoku, Googles, Benten, e lógico, o chefe deles, Hasegawa. E
somos convidados a entrar no submundo de... Cyber City 808!
Histórias
que retratam como órgãos governamentais se aproveitam da situação de desespero
que homens condenados vivem para utilizarem suas habilidades em missões super
arriscadas, que outros se negam a fazer, não são nenhuma novidade dentro da
cultura pop, e sem muito esforço podemos nos lembrar de obras como o filme “Os
Doze Condenados”, ou ainda a mais obvia referência ao tema, o “Esquadrão
Suicida” da DC Comics em suas muitas formações em diversas mídias.
Mas
então, o que faz deste OVA do fim dos anos 80, começo dos anos 90, algo assim
tão diferente?
Simples.
Pois a despeito de toda a capa de tecnologia, o estilo cyberpunk que parece revestir esta animação, e de sua premissa
padrão, o que nos deparamos na verdade é com três dos melhores exercícios de
reciclagem de contos de terror clássicos que já vi.
Yoshiaki Kawajiri |
Tendo
a direção de Yoshiaki Kawajiri, que poucos anos antes dirigiu o clássico Wicked
City (sim, aquele mesmo, que aqui no Brasil ganhou o absurdo título de “Poderes
Eróticos”, e que sempre ia parar na parte +18 das locadoras de vídeo), Cyber
City Oedo 808 trás muito dos clichês típicos daquela que é considerada por
muitos a “época dourada” dos OVA’s.
Uma
megalópole no longínquo (e bota longínquo nisto) ano de 2808, de longas
avenidas que ficavam desertas ao cair da noite com um passado cataclísmico não
explicado, personagens que desdenhavam o sistema, e uma trilha sonora incidental
que muito se assemelhava a dos vídeos games.
Isto
numa análise mais superficial, digamos assim.
Mas
ao embarcarmos nas missões que Hasegawa - uma versão de calças de Amanda Waller
- passa para seus comandados, nos vemos imersos em três contos de terror
clássicos.
No
primeiro episódio, após as apresentações de praxe dos três protagonistas, Shunsuke
Sengoku é enviado até um prédio para investigar o que supostamente seria o
ataque de um hacker as instalações do
arranha-céu. Porém, conforme a trama vai se desenrolando a ideia de um hacker cai rapidamente por terra,
revelando uma nova face para o velho conto da “casa mal-assombrada”.
Na
maioria das vezes, acompanhado pelo robô Varsus, Sengoku é o mais aparentemente
normal dos três protagonistas, fazendo o estilo galã badboy. Apesar disto aparentar ser apenas uma “capa”, já que quando
a policial Kyoko, assistente de Hasegawa, tenta se engraçar para lado do rapaz,
tem sua investida recusada.
Já
no segundo episódio, protagonizado por Gabimaru Rykia, ou somente Goggles, somos
lançados numa releitura para a antiga história do “Monstro de Frankstein”.
Na
trama, Goggles, Benten e Sengoku recebem a missão de investigar o mercado negro
de órgãos e partes humanas. Até que uma antiga parceira de Goggles ao invadir
um computador militar, esbarra com algo muito grande que se ligava a investigação.
Goggles
faz a linha gigante gentil. Gentil e culto. O último cara que se imaginaria
lendo autores russos em seu idioma original.
E
por fim temos o terceiro episódio, aquele que é certamente o mais explícito de
todos enquanto conto de terror clássico.
Nele,
Merrill Yanagawa, ou Benten como é conhecido, passa a investigar os
assassinatos de bioengenheiros que trabalhavam em pesquisas de melhoria do DNA,
e são encontrados sempre com marcas de perfuração nos pescoços, tal quais as
vítimas dos vampiros clássicos.
Dos
três episódios, este é o que considero ter o roteiro mais complexo, onde somos
jogados numa trama que incluí vingança, e aborda o debate dos limites da
manipulação genética, tão discutidos nos dias de hoje.
Fora
isto seu protagonista por si só já é uma “atração” à parte, com seu visual
andrógino, de unhas pintadas e cabeleira no mais clássico estilo hair metal. Não que personagens do tipo
sejam uma novidade nas animações nipônicas, mas aqui em Oedo 808 é até
engraçado perceber como resolveram “brincar” com a questão dos estereótipos,
não apenas no caso de Benten, mas também de Googles e Sengoku.
Além disto, é impossível não citar seus dois excelentes temas musicais:
“Burning
World” que abre a animação.
E “I
May Be In Love With You” que encerra cada episódio.
Já
li críticas a esta animação que considero equivocadas, que argumentavam que os
personagens são mal construídos, e que não é possível torcer por eles e criar
empatia.
Algo
que discordo, pois sim, é possível torcer por eles, sendo o passado deles,
ainda que não explorado em minúcias, explanado de forma bem clara na abertura
da animação. E no que diz respeito a criar a tal empatia
considero outra colocação equivocada, pois afinal todos os três são bandidos
condenados por diversos crimes como assassinato, roubo, fraude, falsificação,
entre outros.
E
se existe algo que Cyber City Oedo 808 acertou em cheio foi justamente nisto,
não tentando em momento algum forçar a barra para transformar criminosos, ainda
que com certo código de conduta, em heróis.
Pois
como bem diz Benten em certo momento:
“No
universo tudo tem começo e fim. Nada dura para sempre. Apenas seus crimes são
eternos.”
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