quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Cyber City Oedo 808


Três criminosos condenados à penas maiores do que poderiam viver para cumprir, são “convidados” para participar de um programa no qual passariam a integrar os quadros de uma força governamental, em troca de uma “liberdade vigiada”, garantida através de colares explosivos, podendo ter até suas penas diminuídas caso tivessem as perigosas missões que lhes são designadas cumpridas a contento.
Roteiro manjado este, não é?
 Mas é exatamente desta forma que somos apresentados à Sengoku, Googles, Benten, e lógico, o chefe deles, Hasegawa. E somos convidados a entrar no submundo de... Cyber City 808!


Histórias que retratam como órgãos governamentais se aproveitam da situação de desespero que homens condenados vivem para utilizarem suas habilidades em missões super arriscadas, que outros se negam a fazer, não são nenhuma novidade dentro da cultura pop, e sem muito esforço podemos nos lembrar de obras como o filme “Os Doze Condenados”, ou ainda a mais obvia referência ao tema, o “Esquadrão Suicida” da DC Comics em suas muitas formações em diversas mídias.
Mas então, o que faz deste OVA do fim dos anos 80, começo dos anos 90, algo assim tão diferente?


Simples. Pois a despeito de toda a capa de tecnologia, o estilo cyberpunk que parece revestir esta animação, e de sua premissa padrão, o que nos deparamos na verdade é com três dos melhores exercícios de reciclagem de contos de terror clássicos que já vi.

Yoshiaki Kawajiri

Tendo a direção de Yoshiaki Kawajiri, que poucos anos antes dirigiu o clássico Wicked City (sim, aquele mesmo, que aqui no Brasil ganhou o absurdo título de “Poderes Eróticos”, e que sempre ia parar na parte +18 das locadoras de vídeo), Cyber City Oedo 808 trás muito dos clichês típicos daquela que é considerada por muitos a “época dourada” dos OVA’s.
Uma megalópole no longínquo (e bota longínquo nisto) ano de 2808, de longas avenidas que ficavam desertas ao cair da noite com um passado cataclísmico não explicado, personagens que desdenhavam o sistema, e uma trilha sonora incidental que muito se assemelhava a dos vídeos games.
Isto numa análise mais superficial, digamos assim.


Mas ao embarcarmos nas missões que Hasegawa - uma versão de calças de Amanda Waller - passa para seus comandados, nos vemos imersos em três contos de terror clássicos.


No primeiro episódio, após as apresentações de praxe dos três protagonistas, Shunsuke Sengoku é enviado até um prédio para investigar o que supostamente seria o ataque de um hacker as instalações do arranha-céu. Porém, conforme a trama vai se desenrolando a ideia de um hacker cai rapidamente por terra, revelando uma nova face para o velho conto da “casa mal-assombrada”.


Na maioria das vezes, acompanhado pelo robô Varsus, Sengoku é o mais aparentemente normal dos três protagonistas, fazendo o estilo galã badboy. Apesar disto aparentar ser apenas uma “capa”, já que quando a policial Kyoko, assistente de Hasegawa, tenta se engraçar para lado do rapaz, tem sua investida recusada.


Já no segundo episódio, protagonizado por Gabimaru Rykia, ou somente Goggles, somos lançados numa releitura para a antiga história do “Monstro de Frankstein”.


Na trama, Goggles, Benten e Sengoku recebem a missão de investigar o mercado negro de órgãos e partes humanas. Até que uma antiga parceira de Goggles ao invadir um computador militar, esbarra com algo muito grande que se ligava a investigação.
Goggles faz a linha gigante gentil. Gentil e culto. O último cara que se imaginaria lendo autores russos em seu idioma original.


E por fim temos o terceiro episódio, aquele que é certamente o mais explícito de todos enquanto conto de terror clássico.


Nele, Merrill Yanagawa, ou Benten como é conhecido, passa a investigar os assassinatos de bioengenheiros que trabalhavam em pesquisas de melhoria do DNA, e são encontrados sempre com marcas de perfuração nos pescoços, tal quais as vítimas dos vampiros clássicos.


Dos três episódios, este é o que considero ter o roteiro mais complexo, onde somos jogados numa trama que incluí vingança, e aborda o debate dos limites da manipulação genética, tão discutidos nos dias de hoje.


Fora isto seu protagonista por si só já é uma “atração” à parte, com seu visual andrógino, de unhas pintadas e cabeleira no mais clássico estilo hair metal. Não que personagens do tipo sejam uma novidade nas animações nipônicas, mas aqui em Oedo 808 é até engraçado perceber como resolveram “brincar” com a questão dos estereótipos, não apenas no caso de Benten, mas também de Googles e Sengoku.
Além disto, é impossível não citar seus dois excelentes temas musicais:
“Burning World” que abre a animação.


E “I May Be In Love With You” que encerra cada episódio.


Já li críticas a esta animação que considero equivocadas, que argumentavam que os personagens são mal construídos, e que não é possível torcer por eles e criar empatia.
Algo que discordo, pois sim, é possível torcer por eles, sendo o passado deles, ainda que não explorado em minúcias, explanado de forma bem clara na abertura da animação. E no que diz respeito a criar a tal empatia considero outra colocação equivocada, pois afinal todos os três são bandidos condenados por diversos crimes como assassinato, roubo, fraude, falsificação, entre outros.


E se existe algo que Cyber City Oedo 808 acertou em cheio foi justamente nisto, não tentando em momento algum forçar a barra para transformar criminosos, ainda que com certo código de conduta, em heróis.
Pois como bem diz Benten em certo momento:
“No universo tudo tem começo e fim. Nada dura para sempre. Apenas seus crimes são eternos.”



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