Em
1982, já mundialmente conhecido pelos filmes da franquia “Rocky”, Sylvester
Stallone veio a encarnar pela primeira vez um personagem que tornou-se um ícone
da cultura pop, estabelecendo novas regras para os filmes de ação e aventura, e
que agora em 2019 chega ao seu quinto filme, eternizando no subconsciente
coletivo o nome... John Rambo!
Baseado
no livro de David Morrel lançado dez anos antes, Rambo- Programado para Matar
(First Blood no original e nome do livro) estreou em 22 de outubro de 2019
trazendo para as telas o drama (sim, o drama) de John Rambo.
Um
Boina-Verde, veterano da Guerra do Vietnã, que ao dar baixa do exercito, decide
visitar o último remanescente de seu grupo, além dele,
mas ao chegar onde seu amigo moraria, descobre que este tinha morrido de
câncer, adquirido em decorrência do desfolhante “agente laranja”.
Vagando
então, meio que sem destino, após receber a notícia, é abordado pelo xerife
Will Teasle (Brian Denehy), que o considerou um vagabundo e lhe prende sem
nenhuma acusação formal.
O
pior erro que Teasle poderia ter cometido, pois além de sua condição de soldado
de elite, Rambo era uma pessoa extremamente atormentada por tudo que passou
durante a guerra, mas principalmente pelo período em que foi prisioneiro e
brutalmente torturado.
E
quando na delegacia se iniciam os abusos cometidos por alguns dos policiais,
Rambo explode numa reação de fúria e medo (sim, medo) de quem não mais
toleraria passar por aquele tipo de situação sem reagir.
Claro
que por ser uma adaptação de um livro já era de se esperar que muita coisa
fosse mudada, e em Rambo - Programado Para Matar não é diferente.
Algumas
destas adaptações feitas por necessidade afinal em 1982 não dava para prever a
reação das plateias se vissem Rambo fugindo da delegacia como veio ao mundo, ou
seja, peladão.
Em
outras oportunidades foram condensações de diferentes situações, como quando
Rambo encontra um garoto na floresta.
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Teasle prende Rambo - Péssima ideia. |
Porém,
a mudança que alterou o contexto original foi o não aprofundamento pela
passagem de Rambo pelo campo de prisioneiros durante a guerra. Algo que no
livro é descrito em minúcias, mas que no filme surge em apenas rápidos flashes
de memória.
Diminuindo
bastante a questão do drama do personagem que citei no começo deste texto, que
teve muito que se escorar na expressão de derrotado de Stallone (algo que
poucos atores fazem tão bem).
Isto
chega a estragar o filme? Não, claro que não.
Mas
não há dúvida que embasaria bem melhor tudo aquilo que o protagonista faz, se
esta parte de sua vida fosse melhor mostrada.
O
que temos então a partir daí, todos nós conhecemos muito bem.
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Teasle percebe a besteira que tinha feito. |
A
perseguição de Teasle e seus subordinados ao veterano de guerra se torna uma
incursão desastrada a um pesadelo, que envolve até a Guarda Nacional na
perseguição, e lógico, trás o caso para os holofotes da mídia.
Chamando
a atenção das autoridades militares que enviam o coronel Samuel Trautman
(Richard Creena), o antigo comandante de John, à cidade, na tentativa de evitar um desastre
maior que já havia ocorrido.
E
aí temos então a sequência final que instituiria novos padrões para os filmes
de ação, quando Rambo retorna para a cidade ao som do ótimo tema de Jerry
Goldsmith, e de metralhadora M60 em punho parte para dar o devido troco aos
seus algozes.
Chegando
aí ao final. O final que tudo mudou, e
que foi todo mudado.
No
livro de David Morrell, Rambo morre, meio que se suicidando pelas mãos de Sam
Trautman.
E
sim! Esta cena chegou a ser filmada.
Contudo, em uma exibição teste, a reação da plateia teria sido tão negativa
aquele final, que mais que rapidamente Stallone reescreveu o roteiro e a cena
foi refeita. Não apenas aí para satisfazer o público, mas também abrindo a
possibilidade de uma nova franquia.
E
em 22 de maio de 1985, o Boina Verde estava de volta, era Rambo 2 A Missão.
Aqui
o conceito que nasceu no primeiro filme do “exército de um homem só “ já tinha
crescido e se desenvolvido, com vários similares sendo realizados, em geral em produções bem menos esmeradas. E
com o conceito de drama que havia no primeiro filme praticamente desaparecendo.
Em
um roteiro co-escrito pelo diretor James Cameron, inserindo na mitologia do
personagem o elemento do arco e flecha, fazendo o aparentemente assexuado
personagem ter um lampejo de romance com a agente local Co Bao (Julia Nickson
Soul), mas que sobretudo priorizou as cenas de ação espetaculares.
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Rambo e Co Bao - Tentativa de romance. |
Com
destaque, lógico, para a perseguição ao
helicóptero em que Rambo fugia, por outro helicóptero pilotado pelo coronel
Podovsky (Steven Berkoff), num excelente trabalho de “maquiagem” que
transformou um helicóptero francês Puma num interessante simulacro do russo MI24,
numa sequência que claramente vinha na esteira do que foi criado dois anos
antes em “Trovão Azul”, como já citei aqui no blog.
Aqui
vale lembrar que a partir deste filme duas coisas aconteceram.
A
primeira foi a popularização do personagem entre o público infanto-juvenil,
gerando até uma série de animação.
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Rambo se torna desenho animado |
O
segundo foi o começo do bombardeio de críticas,
na maioria das vezes descabidas, que misturavam conceitos políticos, que
não sei por que motivos tentavam diminuir o personagem, quando na verdade o
principal escopo de toda a saga é sobre um sujeito que se sente traído,
solitário e desesperançoso, que como o próprio se refere em um trecho de Rambo
2, era “dispensável”, e que justamente por isto sempre foi facilmente
assimilável por plateias do mundo todo.
Ok.
Lógico que o tal viés político existia, mas não é oque norteia a saga. Porém em
1988 e a chegada do terceiro filme da franquia,
este viés acabou se tornando uma armadilha implacável.
Em
1988, o mundo começava a virar a página de sua história durante o governo de
Mikhail Gorbachev na antiga União Soviética, e já começavam a surgir filmes em
que soviéticos e norte-americanos acabavam se tornando aliados, vide “Águia de
Aço 2”, que é do mesmo ano.
Ainda
assim, Sylvester Stallone resolveu investir
em um roteiro em que o coronel Trautman é capturado pelas forças de ocupação
soviéticas, durante uma operação clandestina de entrega de armas aos rebeldes
afegãos.
Até
aí nada demais, afinal James Bond fez soviéticos de gato e sapato por décadas e
ninguém reclamou, e sendo assim o filme teve aprovação do estúdio e foi
realizado.
Só que
apenas uma semana antes da estreia de Rambo 3, eis que “camarada” Gorbachev
anuncia a retirada completa das tropas soviéticas do Afeganistão. Atropelando o
filme como o caminhão que Rambo dirige lá no primeiro filme, virando motivo de
muita brincadeira.
De
qualquer forma, passando por cima disto,
Rambo 3 se mostra uma aventura eficiente, numa das produções mais caras do cinema
até então. Que de fato só peca mesmo em algumas situações forçadas, como
inserir um garoto que quer ser sidekick de Rambo - inserido logicamente
devido aquela popularização infanto-juvenil que citei - , e a absurda, sem
sentido, amalucada e inverossímil
sequência final do duelo entre Rambo a bordo de um tanque e o comandante
soviético (Marc de Jonge) a bordo de um helicóptero.
E
talvez justamente por este tropeço em Rambo 3, a franquia ficou encostada na
prateleira de Stallone por anos.
Até
que em 2008 vem o anúncio que Stallone faria mais um capítulo na vida do Boina
Verde. Na verdade nenhuma surpresa já que o ator ao menos naquela época parecia
disposto em colocar um ponto final nas sagas que o tornaram famoso, sendo que
Rocky Balboa já tinha tido seu “epílogo” dois anos antes.
Só
que aqui em Rambo 4 (John Rambo no original), Sly assumiu não apenas o roteiro como
também a direção, de um filme que se por um lado se viu livre das amarras de
agradar a determinados públicos, conseguindo fugir da caricatura, por outro acabou desagradando pequenas
parcelas de platéia pelas suas altas doses de violência explícita.
É
claro que Stallone tinha como meta aqui retomar a essência do personagem que
foi se perdendo ao longo das sequências, mas não contava com um problema bem
mundano, a falta de verba.
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O diretor Stallone instrui um dos "soldados inimigos". |
Só
para se ter ideia, Rambo 4 teve um orçamento menor que Rambo 3 feito duas
décadas antes.
Isto
se refletiu por exemplo no tempo total da película de roteiro meio
quebrado, e até no elenco, pois se nos
filmes anteriores tínhamos ótimos atores como Brian Dennehy, Steven Berkoff e
Marc de Jonge como antagonistas do herói, aqui o que temos é um sujeito
baixinho de bigodinho, para lá de genérico,
do qual não sabemos nem o nome, e que para criar antipatia no público
precisou até ser retratado como pedófilo.
Mesmo
assim a direção de Stallone nas cenas de ação é mais que precisa, é inspirada,
e consegue fazer qualquer um ficar grudado, seja na poltrona de um cinema ou no
sofá de casa, com o óbvio destaque para
o insano tiroteio da sequência final, com uma tempestade de disparos de armas
.50 que despedaçam os inimigos num excelente trabalho de montagem.
Para
no fim, depois de toda a violência, nos
brindar com um singelo final no qual após décadas, o guerreiro retorna ao lar
no Arizona. Final que aqui confesso, considerei ao assistir o filme,
absolutamente perfeito.
E
isto nos leva ao fim deste texto, no
qual fico me perguntando a razão (fora a monetária), para se fazer mais um
filme com Rambo.
Já
há uma lenda urbana dizendo que Stallone tinha já trabalhado todo o roteiro
para este quinto capítulo, com a ajuda
do próprio David Morrell , em que o
personagem viria numa versão bem mais intimista, e mais dramática que o
original do livro, mas que o estúdio teria rejeitado o roteiro. Sendo que o
mesmo estúdio tempos depois teria soltado uma nota no qual sinalizava que
poderia sim, fazer um novo filme de Rambo, mas sem Sly como protagonista.
Resultado?
Stallone se prontificou a personificar mais uma vez o Boina Verde , e aqui
estamos nós 37 anos depois a beira de mais um Rambo , que até pode ser que seja muito bom, mas que
já de cara carrega o peso de ter quebrado com um final de saga que parecia
perfeito, ao fim do percurso do caminho do guerreiro.