Existe
um conceito chamado “suspensão da descrença”.
Este
conceito básico é aquilo que nos faz entrar numa sala escura de cinema, ou imergir nas páginas de um livro ou HQ, sem ficarmos nos indagando como o
protagonista da história é capaz de determinada façanha, ou crer em naves
espaciais que explodem em bolas de fogo numa ambiente sem atmosfera.
Mas
de tempos em tempos surgem obras que desafiam os limites deste conceito, e
mesmo assim nós adoramos.
E
este é o caso de ... Comando Para Matar!
Em
1985 o mundo se encontrava no auge da era dos filmes de ação que preconizavam o
conceito do “exercito de um homem só”, tendo em John Rambo seu expoente máximo.
E lógico que dentro dos planos de qualquer estúdio da época estava a realização
de filmes do gênero.
Ok.
Mas aí vamos às velhas indagações: O que difere Comando Para Matar (Commando no
original) de todo o resto? Por que mesmo com um orçamento baixo, foi capaz de
cativar plateias de todo mundo e se tornar um filme de fato cult?
A
resposta na humilde opinião deste escriba: As pessoas certas, nas funções
corretas.
Para
começar temos a simplicidade do plot
principal do roteiro escrito por Steven E Souza, Jeph Loeb (que na época
ainda assinava como Joseph) e Matthew Weisman.
O
que poderia ser mais cativante do que a história de um pai que faz de tudo para
salvar a filha sequestrada?
Automaticamente
a partir daí o herói está liberado para trucidar quem quiser pelo caminho,
mesmo que volta e meia algum “politicamente correto” pudesse surgir querendo
bradar o imperialismo estadunidense sobre os ”cucarachos” e coisas do tipo.
Pois a bem da verdade é que para quem está assistindo, não importa idade, onde mora,
grau de instrução, tudo que se vê é um pai que tem apenas onze horas para
descobrir onde a filha estava, e salvá-la de seus algozes.
Isto
bem antes das “buscas implacáveis” de Liam Neeson (risos).
O diretor Mark L Lester (dir.) nos bastidores do filme. |
Depois
temos seu diretor, Mark L. Lester, que pouco antes havia trabalhado numa das
poucas boas adaptações de Stephen King para o cinema, “Chamas da Vingança”. E
que alguns anos depois dirigiu outra ode ao absurdo, “Massacre no Bairro
Japonês”.
E
então somamos a isto o mais proeminente astro da época, um austríaco, que
apesar de já ter naquele momento protagonizado dois grandes sucessos, Conan O
Bárbaro e O Exterminador do Futuro, ainda era visto com desconfiança por boa
parte da “comunidade cinematográfica”.
A vidinha tranquila de John Matrix estava prestes a mudar |
Arnold
Schwarzenegger era o coronel John Matrix, o líder “aposentado” de um grupo de
comandos especiais, traído por um ex-membro de sua equipe, Bennet (Vernon
Wells) que aliado a Arius (Dan Hedaya), antigo ditador de Val Verde (um país
fictício), sequestra Jane (Alyssa Milano), a filha de Matrix, para forçá-lo a
ir até Val Verde assassinar o atual presidente, mas acho que isto você que está
lendo já deve saber.
Interessante
é que graças a Steven E Souza, Val Verde voltaria a fazer parte do enredo de
outro filme, Duro de Matar 2. Seriam John Matrix e John McClane habitantes do
mesmo universo?
Pressionado, Matrix "aceita" colaborar. |
Cedendo
as intenções de seus antagonistas, Matrix escapa na primeira oportunidade,
saltando do trem de pouso de um avião que decolava para cair no meio de um charco
sem sofrer um único arranhão.
E a
partir daí com a ajuda, a princípio forçada, da comissária de bordo Cindy (Rae
Dawn Chong), começar a seguir as poucas pistas que encontra, enquanto vai
arrebentando com tudo e todos que se põe em seu caminho, com destaque para a
sequência do shopping na qual sozinho ergue uma cabine telefônica na qual
dentro estava Sully (David Patrick Kelly) e joga para o ar um grupo inteiro de
seguranças de uma só vez.
Aliás,
Schwarzenegger e David Patrick Kelly, involuntariamente protagonizaram um dos
maiores erros da história do cinema, na antológica cena em que Matrix levanta
Sully pelo calcanhar na beira de um abismo, e todos podem ver o cabo de
segurança amarrado no calcanhar do dublê, fora o boneco que cai no abismo. Momento tão icônico que seria um
sacrilégio editar o filme para que não aparecesse (risos).
Prosseguindo
então em sua busca, Matrix ainda briga com Cookie (Bill Duke), descobre onde
possivelmente a filha estava, e então vai fazer umas comprinhas, numa cena que
com certeza levou qualquer entusiasta por armas a uma epifania.
E se
você que está lendo, acha que todos estes acontecimentos absurdos, pontilhados
por rápidos diálogos de humor lembram mais uma história em quadrinhos, vou aqui
te dizer que está absolutamente certo.
Jeph Loeb, o grande responsável pelo tom cartunesco do filme |
Afinal,
não poderia ser muito diferente, se
pensarmos que o roteiro também estava a cargo de Jeph Loeb, que mais tarde se
notabilizaria no mundo dos quadrinhos com sagas como “Batman - Silêncio” e “Batman
e Superman - Inimigos Públicos”.
O general Kirby - Homenagem de Loeb à Jack Kirby |
Inclusive
sendo ideia de Loeb que o general Franklin Kirby (James Olson) tivesse este
nome, numa homenagem ao mestre das HQs, Jack Kirby.
Outro
ponto que sempre gerou gossips a respeito era o visual de Bennet, que o
deixou a cara do cantor do Queen, Freddie Mercury. Não sei como isto aconteceu,
talvez só perguntando a Vernon Wells, mas é certo que isto não foi obra do
acaso, tanto que na cena em que Matrix toma café da manhã com a filha, esta
folheava uma revista com uma matéria sobre a banda britânica, que na época estava brigada com a mídia norte
americana devido a proibição da veiculação do videoclipe de “I Want Break
Free" na Mtv.
Este
foi outro ponto, que também não faço ideia, foi mudado na dublagem brasileira que faz uma
alusão a Boy George do grupo Culture Club no diálogo. Talvez Garcia Junior, o
dublador de Schwarzenegger, seja um fã de Queen que não gostou da brincadeira, vai saber (risos).
E
por falar em música, Comando Para Matar conta com a trilha incidental de um dos
maiores mestres do gênero, o maestro James Horner, tendo ainda de bônus a
canção “We Fight For Love" do grupo Power Station, projeto paralelo de
alguns membros do Duran Duran.
E
lógico, para fechar com chave de ouro esta verdadeira HQ em forma de filme
temos a longa e sensacional sequência do tiroteio quando Matrix chega à ilha/esconderijo
de Arius.
Uma sequência icônica na qual sabiamente Mark L Lester abriu
mão da trilha sonora de Horner, focando apenas no som das armas disparando.
Resultado
disto?
O reencontro de Arnold e Alyssa anos depois |
Somente
em território estadunidense, Comando Para Matar arrecadou cinco vezes mais do
que custou. Se tornando o clássico que hoje tão bem conhecemos , e que pode sim, ser considerado o filme que verdadeiramente
sedimentou o nome de Arnold Schwarzenegger como astro do primeiro time de
Hollywood.
LINK
senha: Commando85
Parabéns pela matéria! Gostei de pensar que Comando para Matar e Duro de Matar estão no mesmo universo.
ResponderExcluirObrigado. Este é um detalhe que sempre me chamou a atenção.
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