Durante
muitos anos, “He-Man e os Mestres do Universo” foi uma das animações mais
queridas por uma legião de fãs, mas que na verdade, no frigir dos ovos, sempre
foi muito ruim.
Pouca
ou nenhuma construção de personagens, gráficos bem abaixo do que sua própria
produtora a Filmation já tinha mostrado antes como nas animações de Tarzan e
Flash Gordon, fora o uso “na cara dura” de personagens (em geral animais) e plots já usados no ótimo Blackstar.
Só
que o grande problema do “He-Man” dos anos 80 nem residia tanto nas
características citadas, mas sim na imensa quantidade de possibilidades que não
eram exploradas.
Mas
para uma audiência média que não via o oceano de distância que havia entre a
série do “defensor de Grayskull” e algumas outras séries de animação
contemporâneas como ‘’Caverna do Dragão” (só para citar um exemplo), isto nunca
importou.
Dramas
e histórias pessoais de diversos personagens como a Rainha Marlena que era uma
astronauta da Terra, Gorpo que longe de sua dimensão não era nem a sombra do
mago poderoso que era em seu mundo, isto sem falar de Teela que nem fazia ideia
de que a Feiticeira de Grayskull era sua mãe biológica.
E
nem vou citar aqui Granamir, o líder dos dragões.
Tudo
meticulosamente trabalhado em prol de um conceito maniqueísta de
babá-eletrônica, de forma extremamente superficial.
E
mesmo depois de dois remakes, no qual o Esqueleto foi até alçado a tio do
protagonista, sempre houve aquela sensação do quase. Um quase nitidamente
movido pela falta de coragem de seus realizadores.
Mas
eis que chegamos ao ano de 2021, e quando ninguém esperava, o produtor Kevin
Smith faz um anúncio que deixou meio mundo enlouquecido, uma nova animação de
“Mestres do Universo” estava chegando através de uma conhecida plataforma de streaming.
Embalado
pelo hit oitentista “Hold Out For a Hero” da cantora Bonnie Tyler, o trailer
nitidamente já mostrava a qualidade dos gráficos da animação que ficaram a
cargo dos japoneses do estúdio Madhouse.
E
eu admito, mesmo jamais tendo sido admirador da animação da década de 80, com
exceção talvez de uns dois ou três episódios, me empolguei.
E
olha que isto é bem difícil de acontecer hoje em dia.
Posto isto devo dizer que “Mestres do Universo - Salvando Eternia” não apenas na maioria de suas características supriu minhas expectativas, com em alguns casos superou.
Para
começar temos os personagens bem longe dos estereótipos que nortearam o desenho
antigo. Quase todos os personagens tendo seus conflitos internos e entre si.
Aqui
preciso deixar bem claro, que se você que está lendo se sentiu enganado com a
animação achando que veria um desenho 90% capitaneado pelo herói bombado, devo
lhe informar que foi enganado por que quis, pois, o título da animação é bem
claro ao não fazer referência ao nome do protagonista.
Está
certo que a propaganda feita pelo próprio Kevin Smith de que esta série é uma
continuação da clássica, o que realmente é, talvez seja bastante responsável
por este hype, mas não há como negar
que o festival de “pontas soltas” no pouco (quase nada) de trama que o He-Man
clássico teve, precisavam ser amarradas.
E
tendo como estopim a queda do segredo da identidade do herói, e sua morte,
juntamente com de seu antagonista, somos lançados numa espiral de sub-tramas
como há muito tempo um roteiro estadunidense não mostrava.
Após
tal evento, e a descoberta de que o príncipe Adam era He-Man, o seu pai, o Rei
Randor simplesmente surta, e bane Duncan, o Mentor por ter escondido tal
segredo. Apesar de não surtar para cima da Rainha Marlena. Sim! Pois ela sempre
soube do segredo do filho.
Ou você que está lendo já se esqueceu do
episódio “ A Guerreira do Aro Iris” no qual ela é a protagonista e comanda um
ataque a Montanha da Serpente para salvar sua família e amigos?
Isto
tudo faz Teela rejeitar o posto de estava prestes a herdar do pai adotivo, e
cansada das mentiras que se viu cercada por anos larga tudo e vai embora.
E a
partir deste ponto preciso partir para um certo didatismo em prol de rebater
algumas críticas absurdas e argumentos nauseabundos de “conhecedores da
matéria” e desmontar “teorias da conspiração”.
Para
começar, obvio é necessário falar da grande protagonista da animação, Teela.
Pois
chega a ser risível ler alguns comentários que alegam mudança na personagem,
quando tal sempre foi orgulhosa de suas habilidades, até certo ponto “cheia de
si” e até mesmo marrenta em alguns momentos. Portanto, nada em sua atitude em
se sentir traída por quem mais confiava surpreende.
E
aqui ainda vale lembrar que Teela é filha legítima da Feiticeira de Grayskull,
o que no decorrer da série pode plenamente justificar seu protagonismo, fora o
subtítulo original, Revelation. Inclusive na série clássica há um episódio no
qual ela assume o manto de Feiticeira para defender Grayskull.
Ah
sim! Ainda tem a questão do suposto namoro dela com uma nova personagem, Andra.
Nem
vou ficar aqui entrando no mérito de discussões vazias usando chavões baratos
de rede social, mas para aqueles que reclamam desta característica inserida no
cerne de Teela, preciso lembrar que este não é o primeiro caso de uma
relação homossexual numa animação norte-americana. E aqui mesmo no blog citei o
caso do episódio de origem do Cara de Barro em Batman The Animated Series, isto
em 1991. Fora lógico o romance entre Arlequina e Hera Venenosa, e uma certa
cena em Liga da Justiça Sem Limites entre a Mulher Maravilha e uma princesa de
um país fictício do leste europeu.
Portanto,
toda esta conversa vazia, só faria sentido, se por um acaso esta suposta
relação das duas fizesse a estória parar em razão de girar em torno de si, o
que não ocorre.
Estória esta que acima de tudo trata de uma jornada. Uma busca. Que volte e meia é pontuada por momentos de batalha. O que me fez lembrar um pouco da primeira série da Patrulha Estelar e bastante do seriado de Xena, a Princesa Guerreira.
Isto
num mundo onde as certezas se esvaíram, ao mesmo tempo que vácuo deixado por
uma força centralizadora, no caso o Esqueleto, mexeu com o equilíbrio de forças
em Eternia. Algo que faz personagens que beiravam o cômico ganharem importância
e se tornarem de fato dignos de serem considerados uma ameaça, aliás algo que
já havia descrito aqui no artigo sobre os Thundercats de 2011.
Ou
seja, um plot inicial simples que
serve de pano de fundo para o desenvolvimento personagens, que passam a
interagir, sem a certeza nenhuma de final feliz.
E
isto logo é mostrado quando no primeiro episódio o Esqueleto imola o Homem
Musgo, numa versão bem próxima do Monstro do Pântano do que na animação
original. Aliás, por falar em personagens clássicos da DC Comics não posso
deixar de comentar que o Rei Randor ficou a cara do Rei Arthur de Camelot 3000.
Mas
para não dizer que gostei de tudo nesta “nova versão” de Mestres do Universo,
preciso aqui citar a escorregada que o roteiro dá em relação a Gorpo.
Pois
como todos nós sabemos, Gorpo era em seu mundo um dos magos mais poderosos,
inclusive tendo o “apelido” de “O Grande”. Mas aqui criaram uma absurda
história tristinha sobre sua relação com os pais, para que parecesse mais
desmazelado do que já estava.
Contudo,
é ele que protagoniza a mais espetacular e emocionante cena destes primeiros
cinco episódios quando se sacrifica para que os amigos pudessem escapar de
“Subternia”, uma espécie de inferno de Eternia.
Sim!
Gorpo morre! Mas uma das mortes mais honradas, e por que não belas, que já vi
um personagem ter. Uma morte honrada para o mais puro de coração.
Quanto
ao He-Man... Bem, a despeito do fetiche da fanbase
que comprou ao longo das décadas aquela conversa de “o homem mais poderoso do
universo”, mesmo na animação dos anos 80 há vários episódios que He-Man se vê
sem suas forças, ou é subjugado por algum inimigo, e até mesmo renega seus
poderes por achar que teria sido responsável pela morte de um inocente.
E
aqui o roteiro do próprio Kevin Smith junto com Eric Carrasco, Tim Sheridan,
Diya Mishra e Marc Bernardin não tem pena mesmo, num plot twist que até poderia ser considerado previsível se a estória
não fosse tão envolvente. Aliás um plot
twist que já tive o desprazer de ler resenhas que o desmereciam tentando de
maneira pobre argumentar que era fantasioso demais ou algo do gênero.
Mas
espera aí?! É uma estória de ficção fantástica que gira em torno de recuperar a
magia perdida que traria de volta a vida para um planeta distante que seria o
primeiro planeta da criação. E mesmo assim teve gente procurando cabelo em ovo
para criticar o retorno de um personagem de sua suposta morte.
No balanço final, “Mestres do Universo - Salvando Eternia”, ainda que eu pessoalmente preferisse que fosse uma animação original que partisse do zero, explorando de fato todas as possibilidades que os personagens poderiam nos oferecer, é nestes primeiros cinco episódios de sua primeira temporada, um ato de coragem de seus realizadores.
Um
soco no estômago de quem acreditava que as animações em 2D estariam fadadas ao
fim. E que enche de expectativa as mentes e corações para sua continuação, de quem de fato deseja antes de tudo uma estória bem
contada numa animação de qualidade, e que não se deixa levar por rotulações
fáceis.