Desde
que surgiu em 1919 no romance pulp “A
Maldição do Capistrano”, a lenda de Don Diego de La Vega, um jovem de uma família
abastada da Califórnia espanhola, que a noite se torna um justiceiro mascarado
vestido de preto, se tornou uma das maiores referencias para criação de outros
personagens, em especial um certo “morcego”.
Assim
como ganhou uma infinidade de versões em outras mídias, e em especial as
cinematográficas. Algumas clássicas como a protagonizada por Tyorne Power na
assim chamada era de ouro do cinema, e outras nem tanto como várias versões
italianas B, C, D...
Sem
falar na icônica série produzida pela Disney, protagonizada por Guy Williams,
que com certeza é a versão mais festejada e lembrada até hoje.
Mas
em 1974, um telefilme resolveu contar mais uma vez a lenda da “raposa”, e o
resultado foi algo até então nunca feito e jamais repetido.
O
filme abre com nosso querido Don Diego De La Vega (Frank Langella, simplesmente
sensacional) ainda na escola militar na Espanha se despedindo dos amigos. E nas
duas rápidas cenas que abrem a película duas coisas chamam a atenção.
Don Diego ainda na Espanha |
A
primeira era que o Zorro já havia atuado lá em terras europeias num passado bem
recente. Algo que até então só havia sido usado anteriormente na produção
italiana “Zorro e os Três Mosqueteiros” nove anos antes. E junto a esta
constatação, já fica nítido que Don Diego era bem avesso a injustiças.
Chegando
então de volta a Califórnia, Diego logo se dá conta de que as coisas estavam
bem piores do que as cartas de sua família diziam, ao ter contato com ao menos
dois camponeses, um deles que teve a língua cortada por ordem do alcaide, cargo
que até aquele momento Diego achava ser de seu pai, Don Alejandro (Gilbert
Holand).
Capitão Esteban e Don Diego - Contato Imediato do Pior Grau |
Então
descobre que seu pai tinha sido destituído do cargo, que agora era ocupado pelo
nefasto Don Luis Quintero (Robert Midleton) com a ajuda de seu “braço-armado”,
o capitão Esteban Montenegro (Ricardo Montalban).
Mas
afinal, o que esta versão do Zorro possui de tão especial?
Se formos levar em consideração seu mero título, A Marca do Zorro, não há nada de mais, pois o bojo da estória é exatamente aquele que todos nós conhecemos. Mas numa olhada mais detalhada é possível ver o quanto este filme é diferente.
Para começar é impossível não citar a forma como Frank Langella constrói seu Don Diego. Pois para fazer com que ninguém desconfiasse de que ele era o Zorro, Langella vai além do estereótipo de um “garoto mimado”, pouco preocupado com responsabilidades, incorporando trejeitos extremamente mais delicados, digamos assim, ao personagem, logo que é confrontado num “teste” pelo capitão Esteban.
Aliás,
uma brincadeira com bases históricas, já que isto era algo que muito se falava
dos filhos de famílias ricas que iam estudar na Europa naquela época, e
voltavam com hábitos refinados demais, que suscitavam muitas fofocas.
Outra coisa que chama a atenção, é que este é até hoje o único filme do Zorro no qual podemos de fato sentir o peso do preconceito arraigado na sociedade nas reações dos camponeses que eram humilhados sem nada poder fazer.
Nesta versão de Zorro, nem o padre escapa da opressão. |
E isto fica bem claro na cena em que a esposa do prefeito (Louise Sorel) conversa com Teresa (Anne Archer), sobrinha de Quintero e que se torna de imediato o interesse amoroso de Diego.
Num
diálogo absolutamente solto na trama, onde ambas travam um embate de palavras,
tendo como estopim o tema casamento, diante de uma frase da esposa do alcaide
sobre as diferenças entre Teresa, que tinha em suas veias sangue de fidalgos, e
outra moça que era descendente de camponeses, é nítida a sensação de desconforto
e humilhação pela qual passa Maria (Inez Perez, espetacular nesta cena), a
criada pessoal de Teresa.
Depois
é preciso se atentar que a despeito do título, este A Marca do Zorro, ao
contrário de seus coirmãos, parece girar sobretudo em torno do próprio Don Diego,
e não do personagem título.
“Adorei fazer isso. Aqui estava uma chance de jogar em três níveis: o
jovem cadete na Espanha, o almofadinha Don Diego - e, em sua máscara, Zorro. Eu
estava me revivendo como um garotinho sentado no teatro escuro emocionado com
Tyrone Power cavalgando pela noite como Zorro” – Frank Langella
Bem,
aqui acho que preciso abrir um bom parêntese neste artigo.
Pois
como nós sabemos, o Zorro foi com certeza a maior inspiração para a criação do
Batman. Só que aqui, nesta produção de 1974, parece que a coisa foi seguida
mais à risca do se pode imaginar.
Quando
me propus a escrever este artigo, era certo que alguma citação ao “Morcego de
Gotham” iria acontecer. Só que ao assistir ao filme após anos, não apenas para
refrescar minha memória, como fazer uma resenha o mais isenta possível, acabei me deparando com determinadas situações que fizeram minha mente explodir, e que
promovem ligações diretas com a trilogia cinematográfica de Christopher Nolan.
Primeiro,
este conceito descrito por Langella, de se “jogar em três níveis diferentes”, o
que foi algo que a interpretação de Christian Bale fez a perfeição, melhor que
qualquer interprete de Bruce Wayne/Batman.
Mas
isto é uma questão semântica a respeito do personagem que não prova nada....
Talvez seja oque que que está lendo possa estar pensando, certo?
Até
poderia ser, se não me deparasse com duas pequenas cenas que Nolan praticamente
replicou ipsis literis em seus
filmes.
A primeira
num jantar, no qual obviamente o assunto era o Zorro, e no qual todos à mesa
davam suas opiniões sobre o mascarado, tendo na interpretação de Frank
Langella, o mesmo tom de deboche e tédio ao falar do Zorro, como Christian Bale
fez ao se referir ao Batman em Cavaleiro das Trevas.
Garotos fazem a marca do Zorro numa parede... |
E a
outra é quando dois garotos, com o que aparenta ser carvão, fazem a marca do
Zorro numa parede e fogem ao ser surpreendidos pelo alcaide, numa cena
extremamente semelhante a que ocorre em Cavaleiro das Trevas Ressurge.
...assim como a marca do Batman no filme de Nolan |
Não
estou aqui afirmando taxativamente que Nolan tenha assistido a este filme, mas
as semelhanças são demasiadas gritantes para passarem despercebidas de um olhar
mais cuidadoso.
Cuidado,
entretanto, é algo que parece passar um pouco longe de alguns aspectos técnicos
do filme, configurando os poucos pontos negativos seus. Dentre estes, o mais perceptível
é a péssima montagem sua em alguns trechos, deixando-o meio que picotado demais,
nos fazendo ter a nítida sensação que muito do que poderíamos ver em tela foi
cortado para fazer a película caber “na grade de programação”. Não vamos nos
esquecer que aqui falamos de uma produção feita para tevê.
O
que poderia ter levado a uma certa inconsistência em alguns diálogos.
Não
que o próprio criador de Zorro, Johnston MuCulley tenha sido o escritor mais
consistente de sua época. Mas ao menos em duas ocasiões, em que o pivô do
diálogo era a mãe (Yvone de Carlo) de Don Diego, se percebe uma pequena falta
de nexo.
O
primeiro momento é quando Diego ao discutir com o pai sobre seu futuro casamento
diz que não havia se metido no casamento de Don Alejandro. Lembrando que
originalmente nos pulps de MuCulley,
Don Alejandro sempre foi retratado como viúvo. Uma fala então que viria de
encontro aos textos originais, deixando claro que o patriarca do De La Vega havia
se casado de novo.
Mas
em outra situação, Don Alejandro reclama com a esposa sobre o filho, soltando a
frase: Este foi o filho que me deu!
Isto
como se a esposa fosse a progenitora de Diego.
Haveria
então mais cenas que explicassem melhor isto?
Tudo
bem, eu sei que este pode até ser um detalhe tolo, mas não paro de pensar que
tais situações possam ter contribuído para algumas críticas desfavoráveis que a
produção recebeu na época de seu lançamento.
Contudo,
com muito mais qualidades (algumas até hoje não replicadas), que defeitos, a
Marca de Zorro de 1974, é diversão garantida, e sem excessos de “alegorias”,
configurando até hoje, na modesta opinião deste escriba, a melhor representação
de Zorro.
E faço
minhas as palavras de Don Alejandro:
Nunca
a espada dos De La Vega conheceu tamanha distinção!