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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Comando Para Matar


Existe um conceito chamado “suspensão da descrença”.
Este conceito básico é aquilo que nos faz entrar numa sala escura de cinema, ou imergir nas páginas de um livro ou HQ, sem ficarmos nos indagando como o protagonista da história é capaz de determinada façanha, ou crer em naves espaciais que explodem em bolas de fogo numa ambiente sem atmosfera.
Mas de tempos em tempos surgem obras que desafiam os limites deste conceito, e mesmo assim nós adoramos.


E este é o caso de ... Comando Para Matar!
Em 1985 o mundo se encontrava no auge da era dos filmes de ação que preconizavam o conceito do “exercito de um homem só”, tendo em John Rambo seu expoente máximo. E lógico que dentro dos planos de qualquer estúdio da época estava a realização de filmes do gênero.
Ok. Mas aí vamos às velhas indagações: O que difere Comando Para Matar (Commando no original) de todo o resto? Por que mesmo com um orçamento baixo, foi capaz de cativar plateias de todo mundo e se tornar um filme de fato cult?


A resposta na humilde opinião deste escriba: As pessoas certas, nas funções corretas.
Para começar temos a simplicidade do plot principal do roteiro escrito por Steven E Souza, Jeph Loeb (que na época ainda assinava como Joseph) e Matthew Weisman.
O que poderia ser mais cativante do que a história de um pai que faz de tudo para salvar a filha sequestrada?



Automaticamente a partir daí o herói está liberado para trucidar quem quiser pelo caminho, mesmo que volta e meia algum “politicamente correto” pudesse surgir querendo bradar o imperialismo estadunidense sobre os ”cucarachos” e coisas do tipo. Pois a bem da verdade é que para quem está assistindo, não importa idade, onde mora, grau de instrução, tudo que se vê é um pai que tem apenas onze horas para descobrir onde a filha estava, e salvá-la de seus algozes.
Isto bem antes das “buscas implacáveis” de Liam Neeson (risos).

O diretor Mark L Lester (dir.) nos bastidores do filme.

Depois temos seu diretor, Mark L. Lester, que pouco antes havia trabalhado numa das poucas boas adaptações de Stephen King para o cinema, “Chamas da Vingança”. E que alguns anos depois dirigiu outra ode ao absurdo, “Massacre no Bairro Japonês”.
E então somamos a isto o mais proeminente astro da época, um austríaco, que apesar de já ter naquele momento protagonizado dois grandes sucessos, Conan O Bárbaro e O Exterminador do Futuro, ainda era visto com desconfiança por boa parte da “comunidade cinematográfica”.

A vidinha tranquila de John Matrix estava prestes a mudar

Arnold Schwarzenegger era o coronel John Matrix, o líder “aposentado” de um grupo de comandos especiais, traído por um ex-membro de sua equipe, Bennet (Vernon Wells) que aliado a Arius (Dan Hedaya), antigo ditador de Val Verde (um país fictício), sequestra Jane (Alyssa Milano), a filha de Matrix, para forçá-lo a ir até Val Verde assassinar o atual presidente, mas acho que isto você que está lendo já deve saber.
Interessante é que graças a Steven E Souza, Val Verde voltaria a fazer parte do enredo de outro filme, Duro de Matar 2. Seriam John Matrix e John McClane habitantes do mesmo universo?

Pressionado, Matrix "aceita" colaborar.

Cedendo as intenções de seus antagonistas, Matrix escapa na primeira oportunidade, saltando do trem de pouso de um avião que decolava para cair no meio de um charco sem sofrer um único arranhão.




E a partir daí com a ajuda, a princípio forçada, da comissária de bordo Cindy (Rae Dawn Chong), começar a seguir as poucas pistas que encontra, enquanto vai arrebentando com tudo e todos que se põe em seu caminho, com destaque para a sequência do shopping na qual sozinho ergue uma cabine telefônica na qual dentro estava Sully (David Patrick Kelly) e joga para o ar um grupo inteiro de seguranças de uma só vez.


Aliás, Schwarzenegger e David Patrick Kelly, involuntariamente protagonizaram um dos maiores erros da história do cinema, na antológica cena em que Matrix levanta Sully pelo calcanhar na beira de um abismo, e todos podem ver o cabo de segurança amarrado no calcanhar do dublê, fora o boneco que cai no abismo. Momento tão icônico que seria um sacrilégio editar o filme para que não aparecesse (risos).


Prosseguindo então em sua busca, Matrix ainda briga com Cookie (Bill Duke), descobre onde possivelmente a filha estava, e então vai fazer umas comprinhas, numa cena que com certeza levou qualquer entusiasta por armas a uma epifania.
E se você que está lendo, acha que todos estes acontecimentos absurdos, pontilhados por rápidos diálogos de humor lembram mais uma história em quadrinhos, vou aqui te dizer que está absolutamente certo.

Jeph Loeb, o grande responsável pelo tom cartunesco do filme

Afinal, não poderia ser muito diferente,  se pensarmos que o roteiro também estava a cargo de Jeph Loeb, que mais tarde se notabilizaria no mundo dos quadrinhos com sagas como “Batman - Silêncio” e “Batman e Superman - Inimigos Públicos”.

O general Kirby - Homenagem de Loeb à Jack Kirby

Inclusive sendo ideia de Loeb que o general Franklin Kirby (James Olson) tivesse este nome, numa homenagem ao mestre das HQs, Jack Kirby.
Outro ponto que sempre gerou gossips a respeito era o visual de Bennet, que o deixou a cara do cantor do Queen, Freddie Mercury. Não sei como isto aconteceu, talvez só perguntando a Vernon Wells, mas é certo que isto não foi obra do acaso, tanto que na cena em que Matrix toma café da manhã com a filha, esta folheava uma revista com uma matéria sobre a banda britânica,  que na época estava brigada com a mídia norte americana devido a proibição da veiculação do videoclipe de “I Want Break Free" na Mtv.


Este foi outro ponto,  que também não faço ideia,  foi mudado na dublagem brasileira que faz uma alusão a Boy George do grupo Culture Club no diálogo. Talvez Garcia Junior, o dublador de Schwarzenegger, seja um fã de Queen que não gostou da brincadeira,  vai saber (risos).


E por falar em música, Comando Para Matar conta com a trilha incidental de um dos maiores mestres do gênero, o maestro James Horner, tendo ainda de bônus a canção “We Fight For Love" do grupo Power Station, projeto paralelo de alguns membros do Duran Duran.


E lógico, para fechar com chave de ouro esta verdadeira HQ em forma de filme temos a longa e sensacional sequência do tiroteio quando Matrix chega à ilha/esconderijo de Arius.




Uma sequência icônica na qual sabiamente Mark L Lester abriu mão da trilha sonora de Horner, focando apenas no som das armas disparando.




Resultado disto?



O reencontro de Arnold e Alyssa anos depois

Somente em território estadunidense, Comando Para Matar arrecadou cinco vezes mais do que custou. Se tornando o clássico que hoje tão bem conhecemos ,  e que pode sim, ser considerado o filme que verdadeiramente sedimentou o nome de Arnold Schwarzenegger como astro do primeiro time de Hollywood.


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senha: Commando85








2 comentários:

  1. Parabéns pela matéria! Gostei de pensar que Comando para Matar e Duro de Matar estão no mesmo universo.

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  2. Obrigado. Este é um detalhe que sempre me chamou a atenção.

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