Desde
que “Para Sempre Yamato”, lá no hoje longínquo ano de 1980 foi a maior
bilheteria dos cinemas nipônicos, que os japoneses se deram conta do potencial
que tinham em mãos, e que o cinema de animação, ao menos lá em terras
orientais, poderia sim competir de igual para igual com qualquer produção live action.
E
nos anos que se seguiram alguns clássicos como “Akira” e “Ghost in the Shell”
não apenas marcaram época como se tornaram referenciais para diversas outras
obras. Mas mesmo entre tantos títulos lançados em meio a esta onda criativa
poucos são aqueles que de fato podem ser caracterizados dentro do seleto grupo
da chamada “animação para adultos”, e um destes títulos, produzido em 1987 foi Wicked
City...
Ou
como ficou conhecido aqui em Terra
Brasilis, “Poderes Eróticos”.
Baseado
no primeiro de uma série de seis romances, este é o segundo longa dirigido por
Yoshiaki Kawajiri, que ao longo dos anos se tornaria um dos maiores nomes da
animação japonesa por trabalhos como “Ninja Scroll” e o já resenhado aqui "Cyber City Oedo 808".
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Yoshiaki Kawajiri
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E que assina também o roteiro sob o pseudônimo
de Kisei Choo, criando uma ótima mistura de terror, ação, ficção-científica com
certo clima noir, e lógico, o
erotismo que gerou o horrível nome adotado em nossas terras, e que invariavelmente
fazia a animação parar na seção de filmes pornôs das antigas locadoras de
vídeo.
Na
estória, que presumivelmente se passa num “futuro bem próximo”, nosso mundo
como conhecemos continuava sua “vidinha” sem saber que dividíamos nossa
existência com outra dimensão, chamada de “dimensão escura” (ou “mundo escuro”),
que era habitada por seres que numa descrição mais “ocidental” poderiam ser
chamados de mutantes, mas que volte e meia são descritos em resenhas na web como demônios.
Criaturas
que além de na maioria das vezes serem capazes de mimetizar a forma humana se
misturando a nós, possuíam várias outras características que são as principais
responsáveis pelos sustos ou surpresas que o longa nos apresenta.
Então
o que impediria estes seres poderosos de invadirem e dominar nosso mundo? Um
acordo.
Sim,
um acordo. Um tratado de não agressão mútua que era renovado a cada duzentos
anos.
Mas
é obvio que em meio aos habitantes da ‘’dimensão escura”, haviam aqueles que
não concordavam com aquela condição, partindo do pressuposto que sendo tão
poderosos aquele acordo era uma forma velada de submissão que não poderia ser
tolerada.
E
logicamente havia em ambos os lados aqueles que eram responsáveis por manter –
ou ao menos tentar manter – a ordem que os radicais tentavam destruir,
indivíduos conhecidos como a Black Guard (nome também daquele primeiro romance
que citei alguns parágrafos acima).
Agentes
especiais que viviam suas “vidas normais” até que seus serviços fossem
requisitados, como o vendedor de eletrônicos Renzaburo Taki, que no fim de mais um dia de
trabalho tinha ido até um bar para tentar desestressar, e enfim consegue ter
sucesso com uma garota que vinha paquerando fazia tempo.
Mas
a noite de sexo casual de Taki é interrompida e frustrada de uma maneira no
mínimo assustadora, quando a moça com a qual dividia a cama revela sua
verdadeira forma bem no meio do inter-curso (tá eu sei, a expressão é ridícula,
mas este não é um artigo, digamos, corriqueiro do blog).
Uma
espécie de mulher aranha com uma vagina cheia de dentes, prontos para mastigar
as partes íntimas de Taki, que consegue se safar no último segundo, enquanto o
espectador se depara com uma cena que a despeito da conotação sexual foi muito
inspirada no clássico “O Exorcista”.
Contudo,
quando o espectador pensa que vai assistir um embate entre a “mulher-aranha” e
o agente, esta simplesmente diz que já havia conseguido o que queria, enquanto
explica que havia trocado de lugar com a moça que Taki pensava ter conquistado,
e simplesmente vai embora.
E
aqui começamos a ser lançados na principal característica de Wicked City que o
difere de outras produções, principalmente as mais atuais, que é seu roteiro
extremamente bem estruturado, que consegue desviar a atenção do espectador para
tudo que acontece visualmente, enquanto vai costurando sua trama, se
aproveitando das recentes liberdades adquiridas na época.
Mas
como assim liberdades?
Bem,
foi a partir de meados dos anos 1980 que com a ajuda do advento de um certo
aparelho chamado videocassete, entre outras coisas, que os japoneses puderam
criar com alguma, ou em certos casos muito mais liberdade, um conteúdo que em
geral só era mais explícito nos mangás, tanto no que concerne a um viés mais
violento quanto de erotização.
Sendo
que neste quesito pode ser considerar que o grande percursor tenha sido UrotsukiDoji, ou como os brazucas tão
bem conhecem das madrugadas de uma certa rede televisão, “A Lenda do Demônio”,
no qual passava cheio de cortes.
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O agente Renzaburo Taki...
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Só
que ao contrário de UrotsukiDoji,
realizado um ano antes, e que de fato era uma animação hentai, apenas com um
pano de fundo (até meio besta para dizer a verdade) de filme de terror, “Wicked
City” a despeito de suas cenas (que óbvio tiveram influência de UrotsukiDoji),
nunca perde o foco de sua trama, assim como não descamba para o pornô, mesmo
que certas cenas ainda hoje possam chocar plateias desavisadas que não esperam ver
determinadas coisas num desenho animado.
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...e a agente Mackie...
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Trama
esta que entrega à Taki a missão de escoltar um chanceler da dimensão escura
chamado Giuseppe Mayart, o responsável principal pela renovação do acordo de não
agressão que estava prestes acontecer em Tóquio. Porém, desta vez, para tal
missão, nosso amigo Taki não estaria só, e para ser sua parceira foi designada
uma agente do outro lado, a bela modelo Mackie.
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...quase enlouquecem...
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...com as loucuras de Giuseppe Mayart.
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Contudo,
o comportamento (ou seria ausência dele?) do chanceler, simplesmente era a
antítese total do que os dois agentes esperavam, já que o ancião de mais de
duzentos anos só tinha como pensamentos garotas e sexo, quase enlouquecendo os
agentes que tinham a missão de protegê-lo.
E
não é que Mayart consegue seu intento, ao fugir do hotel onde era mantido
quando este é atacado pelos terroristas da dimensão escura, e vai parar numa
casa de massagem na qual acaba vítima de sua lascívia, e da qual é resgatado
por Taki e Mackie no último instante antes de suas energias vitais serem
drenadas.
Sendo
obrigados a levar o chanceler para uma clínica de recuperação da Black Guard
fora da cidade. Mas no meio do caminho são atacados, e Mackie se sacrifica para
que Taki pudesse fugir com Mayart.
Arrasado,
Taki leva Mayart até a tal clínica que era protegida por um campo de energia
mental que impedia o acesso dos terroristas, que mesmo assim se manifestam em
volta do local, até que é mostrada a Taki a visão de que Mackie não estava
morta como pensava, e é desafiado pelo líder dos radicais a tentar resgatá-la.
Desafio logicamente aceito, mesmo sob os protestos e xingamentos de Giuseppe Mayart.
E
caso você que esteja lendo não tenha visto “Wicked City”, e não tenha muita,
digamos, intimidade com as produções nipônicas consideradas adultas, feitas
para o mercado de vídeo ou cinema, tenho por obrigação
avisar que a sequência que se segue pode te gerar certo nível de desconforto.
Pois quando Taki chega ao esconderijo dos terroristas encontra Mackie sendo
abusada, e ainda que a cena seja realizada em meio a sombras, dá para se saber
exatamente oque estava acontecendo ali.
Algo
que passa longe da versão live action
feita em 1992 em Hong Kong, que foi produzida (e dizem que em sua maior parte
também dirigida) por Tsui Hark.
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A versão live action de 1992
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Usando
então de uma seguidora sua, cuja forma e poder até faz com que o titulo
brasileiro da animação faça algum sentido (risos), o líder tenta então retirar
da mente de Taki a resposta sobre um certo “complô” que o agente nitidamente de
nada sabia e de quebra ainda manda a mulher para a “terra dos pés juntos” ao
escapar de seu controle mental, desencadeando o ataque de todos os radicais.
Desafio
que apenas as habilidades dos dois agentes juntos parecem não ser capaz de
resolver, mas que inesperadamente ganha um auxílio discreto que ninguém sabe de
onde veio. Deixando o líder dos radicais ao fim daquela batalha em um estado no
mínimo lastimável.
E
não é que a mulher-aranha retorna, e diz ao líder que desta vez não falhará,
encurralando Mackie e Taki num túnel. E este de fato parece ser o fim de nossos
heróis, até que a força misteriosa mais uma vez se manifesta salvando os dois,
que são transportados até os pés do altar de uma igreja onde enfim fazem aquilo
que todos esperavam que fizessem.
Sim.
Eles namoram aos pés do altar, numa cena que num primeiro momento pode ser
considerada a “mãe de todas as blasfêmias”, mesmo que de extremo bom gosto e
bastante lúdica.
Mas
só depois dela é que o espectador é surpreendido com um dos melhores plot twist que já tive o prazer de
assistir, seja lá em que mídia for, e as peças de várias situações que pareciam
soltas e sem o menor sentido começam a se encaixar de forma perfeita,
principalmente quando Mayart revela suas verdadeiras motivações.
Uma
sequência final tão boa no amálgama de todos os elementos que compõe a animação
que logicamente, não será este humilde escriba que vai tirar seu prazer em ser
surpreendido por ela caso ainda não tenha visto esta pérola dos anos 80 e que
merece sim ser redescoberta.