Segundo dizem os
entendedores da matéria, o cinema de ação dos anos 80/90 teve seu time A,
composto por Bruce Willis, Stallone, Schwarzenegger. E seu time B (as vezes C)
composto por Chuck Norris, Van Damme e mais alguns outros.
Contudo, existe um
ator, vindo da distante Suécia, que ao que parece, jamais se encaixou um nenhum
dos dois grupos, se tornando cult, mesmo sem jamais ter feito parte do chamado
“primeiro time”.
Portanto, chegou a hora
deste humilde blog abrir seu arquivo, para tentarmos entender o fenômeno (sim,
fenômeno), Dolph Lundgren.
Nascido em Estocolmo em
03 de novembro de 1957, Hans Lundgren (seu nome de batismo), parecia que
poderia seguir qualquer carreira na vida, menos a que de fato acabou abraçando.
Como assim?
Bem, ainda jovem
estudou e se formou em química pelo “Real Instituto de Tecnologia” de
Estocolmo, fazendo seu mestrado pouco depois pela “Universidade de Sidney”
(Austrália), o que o credenciou para uma bolsa de estudos para o famoso “MIT”
de Massachusetts (Ohio - USA).
Lembrando que em meio a
isto tudo, serviu na marinha sueca, onde foi campeão de boxe da corporação
(sim, eu sei, o que você está pensando). Além de se tornar faixa-preta de
terceiro dan de caratê kyokuyshin.
Contudo, ou talvez por
isto tudo, resolveu tentar a sorte como ator, e em 1985, a coisa começou de
fato a acontecer.
Primeiro com um mínimo
papel em “007 Na Mira dos Assassinos”, o último filme da franquia com Roger
Moore. Época em que namorava a atriz e cantora Grace Jones.
E sua presença, ainda
que com um inglês monossilábico e lotado de sotaque, ou talvez justamente por
causa disto, chamou a atenção de Sylvester Stallone, que estava procurando
alguém que pudesse ser seu rival no quarto filme da franquia “Rocky”.
O papel de Ivan Drago,
o lutador russo, moldado na tecnologia, catapultou o sueco para fama da noite
para o dia. Pois ao contrário de Mr.T que fora escolhido como adversário no
filme anterior, mas que vinha da WWE aonde era um lutador do “time dos
bonzinhos” e depois de um personagem muito querido, o B.A. do seriado
“Esquadrão Classe A”, Lundgren de fato parecia alguém que você não gostaria de
discutir na fila do supermercado, vamos dizer assim.
Entretanto a falta de
habilidade do gigante sueco em interpretar, somado aos seus talentos, acabaram
provocando, digamos, pequenos contratempos nas filmagens. Pois logo de cara,
Carl Weathers, nosso eterno Apollo Creed, foi reclamar com Stallone, que o
sueco não media a força dos golpes.
E o que deveria deixar
Sly irritado, serviu de alavanca para o momento mais bizarro (na falta de um
adjetivo melhor vou usar este) da carreira do “garanhão italiano”. Pois,
querendo dar mais veracidade as cenas, não é que Stallone teve a infeliz ideia
de pedir que Lundgren batesse de verdade.
Resultado? Doplh quase
matou Sylvester Stallone.
No momento da filmagem
tudo pareceu estar, digamos, bem. Porém, mais tarde Sly começou a sentir fortes
dores no peito, e teve de ser levado as pressas de avião do Canadá, onde se
desenrolavam as filmagens, para a Califórnia, onde foi imediatamente internado
numa UTI durante quatro dias. Pois o golpe desferido pelo sueco traumatizou o
pericárdio de seu coração, que sofreu um inchaço.
Mas Stallone não apenas
não ficou bravo, como brigou para que a cena ficasse no corte final do filme.
Enquanto Lundgren após o susto disse que não sabia ao certo se teria sido
apenas aquele golpe, já que em suas palavras “ficaram o dia todo trocando
milhares de socos”.
Com seu caminho aberto
“à socos”, vamos dizer assim, chegava o grande desafio de passar de coadjuvante
para protagonista.
E lógico que o momento
parecia o mais propício, já que era a época dourada dos filmes de ação, não
necessariamente bons ou grandes produções, até porque naquela época em geral
não se precisava de muito para cair nas graças do público.
E a grande
oportunidade, digamos assim, surgiu em 1987.
Era “Mestres do
Universo”, a primeira representação em live action, de He-Man e sua
turma. Um filme que foi e é massacrado até os dias de hoje. Mas que acabou de
maneira meio torta ganhando status de cult.
Creio que você que está
lendo deve estar neste instante pensando, “será que ele vai defender essa
tranqueira?”.
E a resposta é... sim!
Primeiro, porque é
necessário saber e entender que os responsáveis por esta produção nada mais
eram que os primos Menahem Golan e Yoram Globus, da lendária produtora Canon
Group. A mesma que fez a alegria de muita gente com filmes de ninja fajutos de
baixíssimo orçamento, mas que começou a escorregar no creme do abacate ao
tentar fazer filmes de heróis, vide Superman IV.
Só que a despeito da fanbase
preguiçosa, Mestres do Universo acerta em algumas soluções de roteiro para
driblar o baixíssimo orçamento. Como mostrar uma Eternia já em guerra, para
justificar a ausência de personagens como Gorpo ou Gato Guerreiro. E ainda que
não seja citado no roteiro (tudo bem, até podia ser), fica meio que claro que
aqueles personagens já tinham “ido de ralo” ao longo do conflito.
Só que com produção
mega bagunçada, e as dificuldades de nosso viking preferido com o idioma bretão,
que ainda não tinha fluência, tornaram a coisa toda o retrato do caos, que só
não foi maior, porque, justiça seja feita, Frank Langella (o Zorro e Drácula
preferidos deste blog), tomou as rédeas de seu personagem, e escreveu a maioria
dos diálogos de seu inesquecível Esqueleto.
Mestre do Universo pode
até ter ficado muito distante do esperado nas bilheterias, e também por seu público lógico, mas Dolph Lundgren
havia conseguido a “vitrine de protagonista” que precisava.
E é a partir daqui que
vou começar a elencar, aqueles filmes que na humilde opinião deste escriba, tornam
Dolph Lundgren, talvez um caso único entre os astros de ação de sua época.
O Justiceiro (The
Punisher – 1989) – Este creio que todos se lembram. Muito antes da onda de
filmes de quadrinhos varrer os cinemas, o sueco foi a primeira encarnação de
Frank Castle, o Justiceiro.
Num filme que muitos defende até hoje ser a melhor
representação do personagem criado por Gerry Conway. E que de quebra tem o
inesquecível Louis Gosset Jr como coadjuvante.
O Grande Anjo Negro
(I’m Come in Peace ou Dark Angel – 1989) – Por mais de uma vez citado, tanto aqui no blog,
como em nosso canal no Youtube, este filme é um exercício sensacional de
criatividade.
Ainda que sua ideia primária, como já dito aqui, tenha vindo do
episódio do vampiro espacial Vurdalak de Spectreman.
Massacre no Bairro
Japonês (Showdown in Little Tokyo – 1991) – Pensa nesta mistura. Dolph
Lundgren, Brandon Lee e Tia Carrere, num filme dirigido por Mark L. Lester, o
diretor de “Comando Para Matar”.
Resultado? Mais um clássico do exagero, como
cenas que parecem, assim como em “Comando Para Matar”, extraídas de uma HQ ou
de um desenho animado, e com algumas piadas que dificilmente passariam pela
censura atual.
Soldado Universal
(Universal Soldier 1992) – Aqui a coisa ficou séria. Pois a despeito das
limitações dramáticas que Lundgren pudesse ter, neste pequeno clássico,
dirigido por Roland Emerich antes das invasões alienígenas, o sueco usa
justamente do que seria seu ponto fraco a seu favor.
E sua interpretação como o
frio e psicopata Sargento Andrew Scott é perfeita, fazendo qualquer um ter receio
de encontra-lo num beco escuro (ou iluminado também).
Fuga Mortal (Joshua
Tree ou Army of One – 1993) – Este aqui confesso sem o menor pudor, é meu filme
preferido de Lundgren.
O roteiro com um ritmo vertiginoso, e a direção segura de
Vic Armstrong, o maior dublê da história, garantem você ficar grudado na
poltrona (ou sofá) enquanto Santee, personagem do sueco, vai atrás de Severance
(George Segal), um policial corrupto que o traiu. Filme que com todo
merecimento consta em nossa lista de “Melhores Filmes de Ação dos Anos 90”, que
publicamos lá no canal no Youtube.
Jonny Mnemonic - O
Ciborgue do Futuro (Jonny Mnemonic – 1995) – Ainda que não sendo o protagonista
deste filme que foi estrelado por Keanu Reeves, foi a primeira vez, e isto me
recordo bem, que uma atuação de Lundgren recebeu elogios, com seu padre Karl Honig (sim, padre)
ciborgue assassino.
Um filme que ficou meio esquecido até na carreira de Reeves
após o sucesso de Matrix, mas que merece ser redescoberto, principalmente pela
atuação do sueco.
Atirador de Elite
(Silent Trigger – 1996) – Dirigido por Russel Mulcahy (Highlander), este é mais
um filme do sueco que está na nossa lista de “Melhores Filmes de Ação dos Anos
90”.
Hermético, com apenas quatro atores tendo falas, com certeza um dos filmes
mais diferentes da carreira de Dolph.
E obviamente não
poderia também deixar de mencionar aqui sua participação na franquia
“Mercenários”.
Seu retorno como Ivan Drago em “Creed II”.
E seu Rei Nereus em
“Aquaman” e “Aquaman 2”.
Aliás, três papéis que
quando vejo, sempre me vem a mente algo engraçado. Mesmo quando Lundgren faz papel
de vilão ou traidor (tirando Soldado Universal), no fim ele sempre “se dá bem”,
conseguindo perdão de todos (risos).
Fora isto, tem em seu
currículo algumas passagens pela tevê.
No telefilme Blackjack
(lançado aqui nas locadoras da época) onde foi dirigido por John Woo.
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Como Kostantin Kover no seriado "Arrow" |
Além de participações
nos seriados Chuck e Arqueiro (Arrow).
Ah sim! E ainda se fez
presente com sua voz na franquia “Minions” sendo o personagem Svengança. Nada
melhor que um sueco para fazer um viking, não é?
E o que poucos fazem
ideia. Lundgren já dirigiu cerca de sete filmes: The Defender, The Mechanik,
Diamond Dogs, Missionary Man, Command Performance, Ícarus e Skin Trade.
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The Mechanik, um dos filmes dirigidos por Dolph |
Acho que está bom, né?
Não, acho que não.
Pois seja lá qual for
seu astro de ação preferido, fique sabendo que é do sueco o recorde absoluto de
“mortes” na carreira, totalizando 1.107 mortes confirmadas (risos).
Porém, em 2015, nosso
herói iria entrar em combate contra seu mais terrível inimigo, o câncer.
Os primeiros cinco anos
após o diagnóstico do tumor no rim, pareciam até animadores, já que sua
condição sempre foi descrita pelos médicos como “sob controle”, após o tumor
ter sido retirado numa cirurgia. Contudo, em 2020, as coisas pioraram, pois
novos tumores foram encontrados, inclusive um no fígado.
E o diagnóstico não
poderia ser pior. A condição de Lundgren era considerada terminal. Mas buscando
a força de um verdadeiro lutador, Dolph não se deu por vencido, e decidiu
partir para um tratamento novo, que fez os tumores regredirem 90% e com os
demais já em vista de serem retirados por cirurgia.
E eis que em novembro
de 2024, Lundgren em entrevista dá a notícia que todos aguardavam. Estava livre
da doença!
Uma vitória que com
certeza combina muito com sua história. Celebrada pouco dias antes deste artigo ser publicado, junto aos amigos, Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger.
Uma vitória da
persistência e do carisma (algo que se tem ou não, e que não é possível ser
comprado).
E que mostra que a Suécia no
cinema não é só Ingmar Bergman ou Anitta Ekberg (risos).