Poucos
foram os artistas, nos mais diversos campos das artes, que tiveram sobre mim a
influência e o impacto que teve Leiji Matsumoto e foi com profundo pesar e um
certo grau de surpresa que tomei conhecimento da passagem do grande e icônico mangaká.
Um artista único, influenciador de gerações que vieram após, admirado por outros criadores de personagens icônicos em toda a parte do mundo, e para o qual passo a render nas próximas linhas minha modesta homenagem.
Nascido
Akira Matsumoto, em 25 de janeiro de 1938, Leiji veio de uma família muito
pobre, cujo seu pai viu nas forças armadas a chance de lhes dar uma vida
melhor, se tornando piloto de caça, tendo combatido obviamente na 2ª Guerra
Mundial, da qual conseguiu retornar com vida.
Ainda na infância ganhou de seu pai um projetor de 35mm no qual ironicamente assistia a desenhos animados norte-americanos durante a época da guerra no pacífico, ao mesmo tempo em que “devorava” romances de ficção de escritores como o inglês HG Wells e de seu conterrâneo Unno Juza (ou Juzo), cujo nome anos mais tarde usaria em um de seus personagens mais lendários.
Contudo,
como a maioria do Japão no pós-Guerra, a família Matsumoto ainda tentava se
reerguer, e o sonho do jovem de se tornar engenheiro ficou de lado. E para a
felicidade das gerações que ainda estavam por vir, passou a se dedicar mais ao
desenho.
Em 1954 ainda sob seu nome verdadeiro, Leiji (algumas pessoas escrevem Reiji devido a pronúncia), fez sua estreia na revista Mangá Shonen (termo em geral usado para quadrinhos dirigidos ao público masculino), mas também se aventurou nas revistas voltadas para as meninas, conhecidas por shoujo, afinal, mulheres trabalhando naquele meio, naquela época era muito raro.
Mas
sua primeira grande chance só veio em 1971 com Otoko Oidon, uma estória sobre
um ronin, mas nada a ver com samurais, e sim um estudante que terminou o ensino
médio, mas não conseguiu ingressar numa faculdade, mas que ainda pretende
fazê-lo, uma situação que se passou na vida de Leiji, pois quando seu irmão
mais novo, Sussumu (sim, este nome mesmo, o do protagonista de Yamato), se
formou no secundário, sua família não tinha condições de enviá-lo para uma
faculdade, o que fez Leiji rumar para Tóquio para trabalhar a fim de que irmão
concluísse sua formação.
Mas
seu primeiro sucesso se deu em 1972, quando criou uma espécie de western de
humor negro chamado Gun Frontier para a revista Play Comic, ao mesmo tempo em
que trabalhava numa série de contos sobre a Segunda Guerra Mundial que
passariam a se chamar Battlefield e que posteriormente seria a base para a
animação The Cockpit.
Até
que em 1973 seu caminho se cruza com o do produtor Yoshinobu Nishizaki, e a
partir daí tudo mudou.
Nshizaki e Matsumoto - União que mudaria a história |
Nishizaki,
que até então pouco tempo antes trabalhava na produtora do lendário Osamu
Tezuka apenas como um vendedor, tinha um projeto louco que estava na
pré-produção, mas que devido problemas de verba (e uma certa dose de falta de
criatividade) se encontrava completamente empacado.
Na
premissa criada pelo produtor, a Terra no distante futuro de 2199 vinha sendo
atacada por uma nação alienígena que queria colonizar o planeta. Até aí nada
demais.
Patrulha Estelar - A obra que mudou os rumos da ficção científica |
Ainda
nesta premissa os habitantes de nosso planeta recebiam uma mensagem vinda do
espaço que dizia que era possível limpar nossa atmosfera da radiação das bombas
dos invasores, só que para isto, um grupo de destemidos viajantes precisava ir
até os confins da Nebulosa de Magalhães buscar o tal antídoto.
Só
que toda esta jornada seria feita em nada menos que um asteroide!
Sim!
Um asteroide no qual iria se colocar um motor e que serviria de nave.
Olhando
então para todo aquele sarapatel, Leiji Matsumoto perguntou se poderia mexer no
projeto, e com a carta branca de Nishizaki, mudou para a sempre a história das
animações, da ficção cientifica e até das artes.
Nascia
ali a saga do Encouraçado Espacial Yamato, conhecida aqui por nós, os
habitantes de Terra Brasilis como, Patrulha Estelar.
Foi
de Leiji Matsumoto a ideia de se criar a nave a partir do antigo encouraçado
Yamato, assim como foi sua a criação da maioria dos personagens que vemos, já
que pouca coisa foi aproveitada da ideia original do Yoshinobu, além da
premissa que se tornaria “Busca Por Iscandar”, a primeiras das três séries de
tevê do Yamato.
Lembrando
sempre que Patrulha Estelar não foi um mangá transposto para animação, e que
sua versão em quadrinhos veio a ganhar vida de forma quase que concomitante a
produção do anime.
Página da versão brasileira do mangá da Patrulha Estelar |
Sua
dedicação a saga foi tanta que numa entrevista de 2010, Matsumoto confirmou que
deu “pitaco” até em sua música, pedindo ao maestro Hiroshi Miyagawa, compositor
da trilha sonora, que o tema principal lembrasse algo como o segundo movimento
da Terceira Sinfonia de Bethoven.
No
que então obteve como resposta do maestro um: Tudo Bem! (risos)
E
suas ligações com sua vida pessoal, incluso aí o passado de seu pai como
piloto, ficam bem evidentes em diversos detalhes como as setas que adornam os
uniformes da tripulação do Yamato, cuja inspiração veio de uma divisão aérea
que usava os aviões Nakjima Hayabusa (o nome parece familiar?), cujos
esquadrões eram identificados pelas cores diferentes das setas pintadas nos
lemes das aeronaves.
As setas nos uniformes da tripulação do Yamato... |
..foram inspiradas numa divisão de aviação japonesa |
Só
que a coisa começou a azedar entre Matsumoto e Nishizaki ainda à época do longa
metragem “Adeus Yamato”, aquele com a estória do Cometa Império, que no final
não sobra ninguém. Contudo, com a resposta negativa do público sobre a matança
promovida no longa, e o consequente “recuo estratégico” dos produtores que decidiram
recontar a saga na série de tevê que tão bem conhecemos, a parceria duraria
mais um pouco.
Até
que em 1979 em meio a produção do longa “A Nova Viagem”, Matsumoto se
desentende de vez com Nishizaki largando o barco.
O
motivo? Segundo Leiji, ele era contra a mania de Nishizaki de “matar todo mundo”.
Nas
palavras do próprio mangaká:
“Quando crio uma estória e um personagem,
coloco tudo de mim nisto. Portanto, se o personagem é facilmente morto, parece
que meu filho ou meu irmão foram assassinados”.
Contudo,
apesar da raiva de Matsumoto que segundo relato próprio, teria rasgado o
roteiro de “A Nova Viagem”, a relação com Yoshinobu ainda que por razões
comerciais se manteve dentro do que se pode considerar como algo amistoso.
Matsumoto e Nishizaki juntos em 1980 no lançamento do longa "Para Sempre Yamato" |
Ao
menos até 1994 quando Nishizaki lançou por conta própria Yamato 2520 gerando o
a briga judicial que relatamos aqui no artigo " Ih! Deu Ruim! Alguns dos Mais Loucos Processos Judiciais da Cultura Pop!".
Ainda que afastado de sua maior criação desde 1979, Leiji Matsumoto trilhou seu próprio caminho de maneira quase exemplar.
Criando alguns outros clássicos como “Galaxy Express 999”, “Queen Emeraldas” e o icônico “Capitão Harlock e a nave Arcadia”.
Nos planos de Leiji, o Capitão Harlock estaria em Patrulha Estelar |
Capitão
Harlock que diga-se de passagem, pelos planos originais de Matsumoto deveria
ter feito sua estreia fora dos mangás em “Busca Por Iscandar”, mas que devido
aos cortes de orçamento ficou de fora da versão final da primeira saga do
Yamato.
E seu
nome facilmente se tornou referência para vários artistas ao redor do mundo,
como nosso Maurício de Souza, e até Gene Rodembery o criador de Jornada nas
Estrelas. Ainda que reze uma lenda urbana de que na casa dos Rodemberry que de
fato era fã de Matsumoto era a esposa de Gene (risos).
Matsumoto e Maurício de Souza |
Sendo
que nesta seara, Leiji Matsumoto possui um capítulo que creio ser único.
Estamos
no ano de 2001, e lá na França (lugar em que Matsumoto é reverenciado quase que
como uma divindade), a dupla de música eletrônica Daft Punk estava prestes a
lançar o álbum “Discovery”. Um trabalho quase conceitual no qual os dois mascarados
que compunham a dupla, pretendiam fazer uma homenagem a infância.
Só
que na cabeça dos dois, só o CD não parecia algo suficiente para promover seu
novo trabalho, e eis que tiveram uma ideia tão louca, mas tão louca, que mesmo
eu até hoje não consigo acreditar que deu certo.
Transformar
aquele novo trabalho numa experiência audiovisual. E bolaram um roteiro para um
pequeno filme de ficção-cientifica. Mas calma, se a coisa fosse só isto, tudo
seria muito simples.
Como
o álbum versava sobre infância, por que não tentar fazer com que um dos heróis
de infância da dupla aceitasse uma empreitada conjunta?
Uma junção inusitada, Matsumoto e Daft Punk |
E sim!
É exatamente isto que você está lendo. Munidos apenas de coragem e uma alta
dose de cara de pau, a dupla foi até o Japão, e sem nenhum aviso “bateu na
porta” de Leiji Matsumoto, que para surpresa deles, topou a ideia. E passou a
supervisionar toda a produção do longa que foi realizada pela TOEI Animation.
Não
que esta união música e animação fosse uma grande novidade em se tratando de
produções nipônicas, mas nunca nada do gênero havia chegado nem perto daquilo.
E
em 2003 o longa “Interstella 5555” ganhava a luz do dia, sendo a numeração do
título na verdade uma brincadeira que significa a sigla, “Secret Story of Star
System”.
E se você que está lendo este artigo, acha que
seja impossível dar uma voltinha em alguma nave projetada pela mente de
Matsumoto vou aqui lhe dizer que isto é mais fácil do que se pensa, pois em
Tóquio existe um serviço de barco chamado Himiko Cruise, que funciona tanto
como atração turística como taxi, e cujo o design é criação do mangaká.
Foi condecorado com a mais alta honraria de seu país, a “Ordem do Sol Nascente”, e na França com a “Ordem das Artes e das Letras”.
Apaixonado
por gatos, Matsumoto foi “papai” de uma dinastia de gatas que sempre levavam o
mesmo nome “Mi-Kun”, e que o artista sempre que podia fazia questão de retratar
em suas obras.
O jovem Leiji, sua esposa Miyako e Mi-Kun |
Casado com a artista Miyako Maki, conhecida no Japão por ter criado a boneca Licca-Chan (equivalente a Barbie em terras nipônicas), teve uma filha, Makiko, para qual neste último dia 20 de fevereiro coube a missão de comunicar ao resto do mundo que o gênio que encantou gerações segunda suas próprias palavras: Partiu numa jornada rumo ao mar de estrelas.