No
hoje longínquo ano de 1954, lá na terra do sol nascente, uma lenda nascia.
Filho bastardo da era atômica, do oceano se erguia aquele que se tornaria o
maior anti-herói e talvez o maior símbolo da cultura pop nipônica... nascia
Godzilla!
E
lógico que com seu sucesso, tanto dentro quanto fora do Japão, durante décadas
foram surgindo uma extensa lista de filmes que colocavam o gigantesco lagarto
de hálito radioativo contra toda a sorte de oponentes.
Rodan,
Mothra e até King Kong (numa horrível versão orangotango) foram alguns que
durantes os anos tiveram o desprazer de ter um contato imediato do pior grau
com o lagartão, em filmes que pelos mais variados motivos nem de perto
conseguiram recriar o clima do original, talvez até porque nem fosse a intenção
se seus realizadores.
Mas
agora chegado o ano de 2018 não é que hollywood, mais precisamente a produtora
“Legendary”, que vem tentando amalgamar um universo cinematográfico de monstros,
resolveu fazer um remake do filme
japonês de 1964, que fazia o encontro de Godzilla com Rodan, Mothra e King
Ghidorah.
Mas
não. Não é deste filme que vamos falar e muito menos do vindouro reboot/remake. Mas sim de uma produção
que estreou em 14 de dezembro de 1991, que por um mundo de razões, das quais
vou citar algumas, se tornou o segundo melhor filme de Godzilla até hoje.
Vindo
de uma baita ressaca financeira e moral de três anos antes quando “Godzilla
versus Biolante” se tornou um estrondoso fracasso, mesmo em seu país de origem,
a produtora Toho decidiu mudar
o tom da “saga” que segundo os próprios responsáveis teria ficado sofisticado
demais no filme anterior, lançando mão de vários elementos fantasiosos nem um
pouco comuns para filmes daquele gênero, algo que até poderia ter sido um
desastre, mas...
O dinossauro que se transformaria em Godzilla ataca os soldados norte-americanos |
A
história do filme se inicia quando um escritor chamado Kenichiro Terasawa, está
fazendo sua pesquisa a fim de escrever um livro sobre Godzilla, e descobre
sobre um caso ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, quando um destacamento
de soldados nipônicos baseados na Ilha de Lagos em 1944 foi “salvo” dos
inimigos norte-americanos por um misterioso dinossauro, cuja existência é
confirmada pelo comandante dos soldados, e nos dias atuais rico empresário,
Yasuaki Shindo.
Até
aí tudo certo. Mas já esta passagem, o relato do comandante nipônico, e sua
sequência em flashback deixou muita
gente nos Estados Unidos pra lá de desconfortável. Tão desconfortável que até o
presidente da associação de “sobreviventes de Pearl Habor” na época,
classificou o filme e sua representação da Segunda Guerra como de “muito mau
gosto”.
Mas
se parasse por aí estava bom demais.
A nave do "futurianos" - Elementos pouco comuns ao gênero foram adicionados ao filme. |
Só
que no decorrer do filme, dois “alienígenas” de feições humanas e ocidentais que
se descobre logo serem pessoas do futuro, surgem de uma nave que pousou no alto
do Monte Fuji, acompanhados da jovem Emy Kano e do androide M-11. Estes
“Futurianos” como se autodenominam, explicam que vem do ano de 2204, e que no
futuro contam eles, Godzilla seria o responsável pela destruição de todo Japão
e se oferecendo de imediato para bondosamente ajudar, viajando de volta no
tempo, e tirando o dinossauro que se transformaria em Godzilla do local onde
aconteceriam os testes atômicos que resultariam em sua mutação.
Esta
ação provoca logo de cara, uma das melhores tiradas do filme, quando a nave dos
“Futurianos” surge no céu noturno do pacífico sul, voando sobre uma esquadra de
navios da marinha estadunidense, no momento em que dois oficiais conversavam no
convés de um navio. E ao avistarem a nave, o oficial de patente mais baixa
vira-se para o comandante e indaga se devia colocar aquilo no relatório.
Oque
gera a seguinte resposta do seu superior: “E você vai dizer o que? Que vimos
homenzinhos verdes? Guarde isto para contar ao seu filho no dia que tiver um...
tenente Spielberg”.
Uma
brincadeira rasgada com o diretor Steven Spielberg cujo pai de fato foi da
marinha durante a Segunda Grande Guerra.
Enquanto
isto, os astutos homens do futuro vão colocando seu plano em prática, que
lógico, passava longe do altruísmo que demonstravam. Pois seu real intento era,
como ficamos sabendo mais tarde, impedir que Godzilla surgisse e se tornasse o
grande protetor do Japão, que segundo é contado, teria se tornado o país mais
poderoso do mundo no futuro, inclusive comprando (sim, comprando) vários países
da África e América Latina.
Num
escopo que só de ser citado fez muita gente em outros países se reacomodar na
poltrona ao lembrar-se do Japão expansionista de décadas antes.
O três Dorats junto a Emmy Kano - Os bichinhos se fundiriam e se tornariam King Ghidorah |
E o
plano dos “Futurianos” até vai bem no começo, pois o androide M-11 teleporta o
dinossauro para fora da ilha, no qual na surdina deixam três bichinhos, os
Dorats, uma espécie de prequel de
Pokemons. E aqueles três bichinhos fofinhos ao serem expostos a radiação se
fundem numa única criatura, nosso querido e casca grossa King Ghidorah.
King Ghidorah ataca |
E com
King Ghidorah sob seu comando os homens do futuro podem então colocar seu plano
em prática, colocando todo Japão subjugado a eles, e sem Godzilla no caminho.
As forças de auto-defesa nipônicas tentam deter King Ghidorah |
Sem
Godzilla? Bem, nem tanto. Pois ao que parece os “Futurianos” tinham faltado as
aulas de história no colégio, e mandaram o androide teleportar o dinossauro
justamente para o Estreito de Bering, local onde durante boa parte dos anos 1970
a antiga União Soviética despejou lixo atômico.
Godzilla ressurge no fundo do Estreito de Bering |
Fazendo
surgir assim, um Godzilla mais poderoso ainda do que se conhecia que não foi
exposto a radiação de poucos testes com bombas, mas de forma contínua durante
anos.
E isto
de quebra nos brinda com mais outra tirada maravilhosa, quando um dos “homens
do futuro” ao se deparar com a volta do lagartão solta a pérola: “Que época
bárbara é esta, onde se joga lixo nuclear em qualquer lugar?”
Daí
em diante oque se segue então é boa e velha cartilha dos filmes do gênero, com
Godzilla dando combate a King Ghidorah que eventualmente é vencido, e na
sequencia a nave do futuro é destruída pelo nosso gigantesco anti-herói, que ao
que se percebe ainda está pra lá irritado com as besteiras que os homens fazem
e parte para Tóquio para aquele didático festival de destruição de maquetes.
Tendo
ainda nesta sequencia uma interessante cena na qual Godzilla para em frente à
janela do escritório de Shindo e o reconhece. E sinceramente esta sequência
ainda me causa muitas dúvidas sobre oque os realizadores do filme estavam
querendo representar com ela. Pois Godzilla lembra-se de Shindo ao vê-lo, mas
quando você pensa que o empresário seria poupado... pois é, o ranço da
humanidade acaba sendo mais forte no coração do gigantesco réptil.
Depois
disto oque vemos, é na minha opinião a única falha real do filme, que
basicamente corre com o roteiro, fazendo Emmy ir ao futuro e retornar com uma
versão ciborgue de King Ghidorah na intenção de impedir a destruição causada
por Godzilla. Os dois então se enfrentam, nosso God vence, a duras penas mais
vence. E então Emmy o leva de volta para o fundo do oceano.
E
que lições se podem tirar deste ótimo exemplo de cinema de entretenimento?
Talvez algo que as produções mais recentes tenham se esquecido. Que para
entreter não é necessário um caminhão de efeitos de CGI para desviar a atenção,
pois mesmo num mero “filme de monstros” nada substitui um roteiro bem feito,
recheado daquelas sacadas que nem todos podem perceber na mesmo momento que
assistem, mas que se tornam a base para excelentes bate-papos e um ótimo motivo
para se esticar num sofá na frente da tevê.