Se
tem uma coisa que desde seu começo, pelas mais diversas razões nunca chegou a
se concretizar foi o assim chamado “Universo Estendido” da DC nos cinemas.
Que
com as honrosas exceções do primeiro filme da Mulher Maravilha e do filme do
Aquaman, nunca de fato se formatou nos moldes supostamente esperados.
Num festival de momentos que sempre oscilaram entre o absurdo e o vexatório, nos quais por mais de uma vez Lois Lane chama o Superman de Clark na frente de estranhos, ou o próprio Bruce Wayne que nem se importa com o monte de gente a sua volta na vila em que encontra o Aquaman. Ou seja, identidade secreta, segredo, preocupação com a segurança de terceiros virou uma lembrança distante.
Sem
falar na morte de Clark Kent, e seu velório de caixão aberto e presença até de
Perry White, mas que após da ressureição de Clark, nem é mencionado, como se
nada houvesse acontecido.
E
nem vou mencionar algumas das mais medíocres versões que alguns dos mais
icônicos vilões da história acabaram tendo, senão nem entro no assunto
principal deste artigo.
Resumindo,
um completo cenário de caos, no qual a dupla Warner e DC começou a atirar para
todos os lados, como que admitindo a “festa da goiaba” que este suposto
universo se tornou.
Mas
eis que em meio a este festival de pirotecnia sem conteúdo, meio mundo se
surpreendeu quando foi anunciado que James Gunn, famoso pelos filmes dos
“Guardiões da Galáxia” na Marvel Studios, ia vestir a camisa da concorrência
para fazer um filme do “Esquadrão Suicida”.
Um
filme que ninguém. Mas ninguém mesmo! Sabia se classificava como remake, sequência,
ou seja lá o que for, do famigerado filme dirigido por David Ayer em 2016.
Aqui
eu preciso abrir um parêntese nesta narrativa para deixar bem claro, límpido e
cristalino, que nunca fui admirador do trabalho de James Gunn. E isto não é de
hoje. Pois desde seu bizarro (para não dizer horroroso) roteiro para o filme do
Scooby Doo, e seu final no mínimo ridículo (para ser minimamente educado) o
estilo de Gunn sempre esteve anos luz de qualquer coisa que possa, ao menos na
opinião deste escriba ser considerado um lampejo de talento, mas que
logicamente sempre encontrou seguidores nestes tempos de “tenho pressa, tanta
coisa me interessa, mas nada tanto assim”.
Só
que aí de sua forma peculiar pensar, Gunn parece ter visto o cenário a sua
frente, e recebendo carta-branca, brindou o mundo com um filme absolutamente
tresloucado, cheio de violência gráfica exagerada, que em nenhum momento parece
de fato se levar plenamente a sério.
Bastidores de "O Esquadrão Suicida" |
Porque
a impressão nítida que se tem, é de que James Gunn viu aquele amontoado de erros
feitos nos filmes anteriores, e decidiu mergulhar de cabeça na bagunça,
assumindo-a, e transformando-a num teatro do absurdo, sabiamente usando para
isto personagens de terceiro, quarto ou até quinto escalão da DC Comics,
enquanto brinca com o exagero e o visual caricato dos personagens.
E bingo!
Funcionou!
E
se a coisa funcionou, por que não expandir?
Chegamos
então aqui a razão deste texto para o qual precisei tecer todas estas
considerações acima. A série do Pacificador!
Lógico
que a ideia do seriado já estava na mente de James Gunn bem antes de sua versão
de Esquadrão Suicida ganhar a luz do dia, mas é obvio que era preciso esperar a
recepção ao longa para que a Warner liberasse a realização do projeto.
Mas
como nunca fui admirador do trabalho de Gunn, pouco ou nada me empolguei com
ideia. Até que a série estreou e fui nocauteado por uma das aberturas mais
desconcertantes e geniais de todos os tempos!
Primeiro
pela ideia de colocar todos os personagens da série surgindo fazendo dancinhas
ridículas enquanto mantinham expressões de seriedade absoluta. Mas principalmente
porque uma das melhores bandas de hard
rock surgidas nos anos 2000 estava ali tocando!!!
Não
conseguia acreditar que “Do You Wanna Tasted It” do Wig Wam, do álbum “Non Stop
Rock n Roll” (2010) tinha sido escolhida para a abertura da série, ao mesmo
tempo que ria dos comentários de redes sociais que não faziam ideia que música
seria aquela e muito menos quem a tocava.
Mas
isto era apenas a ponta de um imenso iceberg. Um bombardeio insano de hard rock,
para desespero dos teóricos sabichões da música, no qual Gunn (acho que este
sobrenome enfim fez sentido), dispara uma mistura de temas antigos com mais
recentes, com nomes como The Poodles, Faster Pussycat, Reckless Love, Firehouse,
Hanoi Rocks, a rainha do hard Lita Ford e até Dynazty.
A
trilha sonora perfeita para embarcarmos numa verdadeira montanha russa de
momentos engraçados, as vezes chocantes e muitas vezes debochados, e até mesmo
emotivos, nos quais Gunn - que é o autor da estória e diretor de cinco dos oito
episódios - apenas aparenta estar digamos, “sem freio”.
Muitos
podem até achar que “Pacificador” seja James Gunn no seu modo mais louco
desvairado, fazendo tudo aquilo que sempre quis. E até certo ponto, não estão errados.
Só que numa olhada mais cuidadosa, vemos que a coisa toda passa muito longe
disto.
Lógico
que a premissa básica desta primeira temporada, é uma versão de Gunn para o
clássico “Invasores de Corpos”. Qualquer dúvida é só comparar os sons que os “assimilados”
de ambas as obras soltam.
James Gunn com seu elenco - Excelente sintonia |
Fora
uma sequência no primeiro episódio, na qual após ter relações, que de íntimas
não tinham nada, já que tanto o Pacificador quanto sua parceira, devem ter sido
escutados até em Gotham, se inicia uma contenda entre eles, que remete de imediato
a uma sequência do clássico anime “Wicked City” que já foi resenhado aqui.
E isto
não é nenhum demérito, muito pelo contrário, pois para cair no atoleiro do “mais
do mesmo” seria muito fácil assim. O que para nossa felicidade passa longe!
Mas o que de fato chama a atenção é a forma como o roteiro que muitas vezes parece uma mera sitcon com suas gags, e seu alto e proposital grau de caricatura, consegue costurar as diversas estórias de seus personagens, e não apenas de seu protagonista título, mesmo que sem a necessidade de aprofundamentos que certamente causariam “barrigas” na narrativa. Há até uma escorregada feia numa única cena, onde a mão de Gunn pesou num gore absolutamente desnecessário, e que até o roteiro tenta amenizar depois, mas aí já era. Mas de resto, tudo está incrivelmente bem dosado.
Entendendo-se lógico qual a proposta geral da série e a cabeça de quem a criou.
E
isto para um cara, que começou a carreira fazendo vergonha num filme do Scooby Doo
e que nunca antes tinha demonstrado maiores talentos além de causar hype tolo, seja em cenas supostamente
engraçadinhas, ou gore, para o qual
momentos emotivos pareciam mais fakes
que o CGI das cenas dos sonhos de “Pantera Negra”, é uma evolução gigantesca!
Fazendo
nos importar com personagens que em outras obras não passariam de meras
alegorias. Veículos para o ego de diretores que se consideram os reinventores
da roda.
Fora referências a outras obras e nomes da cultura pop. A editora original do
Pacificador, a Charlton, nos carros de polícia. E até uma rápida homenagem a
Richard Donner numa cena que Murn (Chukwudi Iwuji) está assistindo televisão e
se vê uma cena de Máquina Mortífera 4.
E não
posso de forma alguma deixar de mencionar como John Cena vem surpreendendo, nem
tanto como o personagem-título, mas sim como seu alter-ego, Christopher Smith.
Não que Cena tenha se tornado da noite para o dia um ator de grande calibre,
mas fica nítido um daqueles casos em que ator encontra personagem, numa
daquelas conjunções que só ocorrem muito raramente. Mostrando talentos até
então impensados, como quando numa cena ele mesmo toca num piano, o clássico “Home
Sweet Home” do Motley Crüe.
Ahhh
sim! E não poderia de forma alguma não citar Eagly, a águia de estimação do
Pacificador, toda feita em CGI, ainda que a ideia original fosse usar uma águia
de verdade. Que quando surge, rouba tanto a atenção, que se tivesse mais tempo
de tela, talvez pudesse até se pensar numa série só dela. Aliás, uma ideia
deveras interessante, para talvez ser desenvolvida no campo da animação.
E
agora, ao redigir estas últimas linhas, sem ainda saber o desfecho da “Saga das
Borboletas”, só peço que James Gunn, depois de costurar todas esta trama
incrível, não nos brinde com mais um final estilo “Scooby Loo era o vilão”, já
que possui esta mania estranha de finais ruins, como se estes fossem um deboche
final em cima do público.
Pois
a maior lição que a série do Pacificador já passou, é a forma como seu realizador ao receber um
imenso saco de limões, resolveu fazer caipirinha, e dividi-la com todos nós.