Este
é um artigo diferente dos demais que costumo a escrever aqui para o “Ponte de
Comando”, e não sei se será o primeiro de uma série, como as listas dos “10+”
que volte e meia faço aqui.
Mas
é que sempre me causou fascínio a forma como a ficção pode influenciar a vida
real, e nestes dias em que os ditos fãs da assim chamada cultura pop, cada vez
mais parecem se importar menos com a importância daquilo que leem, assistem ou
escutam, resolvi resgatar este pequeno, mas sensacional, capítulo deste mundo
que eu e você adoramos.
Uma
história já bastante conhecida por muitos, mas que tantos outros talvez jamais
tenham escutado falar...
O
Dia que Martin Luther King salvou Star Trek!
Em
1966, em plena ebulição sócio-política que viviam os Estados Unidos tanto
dentro quanto fora de seu território, ia ao ar uma série de ficção-científica,
ou espacial se preferirem, que antes de tudo era uma exteriorização do
pensamento de seu criador, Gene Roddenbery.
Jornada
nas Estrelas, a série que mostrava a espaço nave Enterprise em sua viagem de
cinco anos para explorar novos mundos, na mente de seu criador precisava ser
algo mais.
Gene Roddenberry e sua cração |
Ainda
que de forma absolutamente utópica para época (e infelizmente ainda hoje),
Jornada nas Estrelas apresentava para um mundo no auge da chamada “Guerra
Fria”, do crescimento do conflito da Guerra do Vietnã, e das lutas pela
igualdade racial e direitos civis, uma tripulação não apenas multinacional,
como multiétnica (e não, aqui não coloco Spock na conta).
A tripulação multinacional da Enterprise |
Na
sua tripulação havia Hikaru Sulu, um japonês, numa época que as feridas da 2ª
Guerra Mundial ainda estavam longe de cicatrizar ainda para muitos; Pavel
Chekov, um russo, isto como disse no auge da “Guerra Fria”; e ela a tenente
Nyota Uhura, uma mulher, negra, com um nome 100% africano (apesar de parecer
nipônico, Nyota, tem origem em idiomas como o Swahili).
E
apesar de ter tido problemas iniciais com os executivos da rede NBC que
recusaram o primeiro piloto da série, Gene Roddenberry conseguiu fazer sua nave
e tripulação decolarem.
Mas
eis que numa sexta-feira ao fim de mais um dia de exaustivas gravações do fim
da primeira temporada, Nichele Nichols, a tenente Uhura, foi até Gene para lhe comunicar que
deixaria o seriado. Oque deixou o criador de Jornada nas Estrelas perplexo.
Nichols
que já era uma cantora/atriz bem conhecida no meio do teatro musical, ao que
parece passou a se sentir preterida em razão de que toda a atenção da série
girava basicamente em torno dos personagens Kirk (William Shatner) e Spock
(Leonard Nimoy), além de não parar de receber convites para retornar ao teatro.
Os caminhos de Martin Luther King e Jornada Estrelas se cruzariam de maneira inesperada |
Contudo,
Gene Roddenberry não aceitou seu pedido de desligamento, e como o fim de semana
batia à porta, pediu para atriz repensar sua decisão, e apenas lhe dar sua
posição definitiva quando do retorno às gravações na segunda.
Bem,
durante aquele exato fim de semana em Los Angeles, Nichele Nichols tinha um
compromisso marcado num evento beneficente na NAACP, traduzindo a sigla,
Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor. Sim, pois naquela
época os negros, ou afro-americanos, eram até por eles mesmos referidos nestes
termos.
Nichele Nichols e Martin Luther King Jr. - O encontro que redefiniu Star Trek |
E
durante este meeting, lhe foi
solicitado que ela pudesse atender a um grande fã de Jornada nas Estrelas que
ali estava. Pois bem, ela então aguarda numa sala a chegada deste tal fã, e
quando a porta se abre que surge a sua frente é Martin Luther King Jr, o maior
líder pela igualdade dos direitos civis em terras estadunidenses.
Sim,
era ele o grande fã! Como, aliás, o próprio se referiu segundo declaração da
Nichele.
Os
dois então começaram a conversar, e durante esta conversa, Nichele Nichols
citou para Luther King que iria deixar Jornada nas Estrelas, ainda que fosse
sentir muita falta dos amigos que fez no elenco.
Ao
escutar aquilo, a fisionomia de Martin Luther King teria mudado radicalmente,
assumindo um tom mais sério, quase de preocupação, e o ganhador do Prêmio Nobel
da Paz teria dito:
- Você não pode fazer isto! Não pode deixar
Star Trek!
Tal
declaração de acordo com Nichele teria a deixado atordoada.
E
Luther King prosseguiu dizendo que aquela era a primeira vez que eles, os
negros, estavam sendo vistos em todo mundo como deviam ser
vistos, como pessoas capazes, bonitas, que podiam sim dançar e cantar, mas que
podiam ser professores, advogados, como, aliás, já eram, ou até mesmo explorar
o espaço.
E
arrematou dizendo que Star Trek - Jornada nas Estrelas era o único programa que
ele e Corina, sua esposa, permitiam que seus filhos pequenos assistissem.
Luther King, sua esposa Corina e seus três filhos - Uma família Trekker |
Bem...
Ao que parece diante do pedido do Luther King, os planos de Nichele Nichols de
deixar Jornada nas Estrelas acabaram mudando.
Assim
como o pedido de demissão que não se concretizou mudou a visão de Gene Roddenberry
que percebeu, mesmo sem saber do encontro de sua estrela com o Dr.King, que
havia bem mais a explorar em seu seriado do que a princípio imaginava.
Nichele Nichols e William Shatner - E o primeiro beijo inter-racial da tevê mundial |
Dando
de presente a Nichols, por assim dizer, um episódio no qual ela pode cantar,
matando a saudade do teatro musical, e lhe dando o protagonismo de um momento
histórico quando protagonizou com William Shatner o primeiro beijo inter-racial
da tevê mundial.
Fazendo
de Grace Dell Nichols (seu nome de batismo), ou simplesmente Nichele, não
apenas um ícone para a cultura pop mundial, como aquela que definitivamente
abriu as portas da tevê e cinema para as mulheres negras, e fez de fato a
tripulação da Enterprise ir audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve.
Isto
lógico, com uma ajudinha de um certo pastor da Georgia...
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