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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Pacificador - O Absurdo Teatro Rock n' Roll de James Gunn

 

Se tem uma coisa que desde seu começo, pelas mais diversas razões nunca chegou a se concretizar foi o assim chamado “Universo Estendido” da DC nos cinemas.

Que com as honrosas exceções do primeiro filme da Mulher Maravilha e do filme do Aquaman, nunca de fato se formatou nos moldes supostamente esperados.

Num festival de momentos que sempre oscilaram entre o absurdo e o vexatório, nos quais por mais de uma vez Lois Lane chama o Superman de Clark na frente de estranhos, ou o próprio Bruce Wayne que nem se importa com o monte de gente a sua volta na vila em que encontra o Aquaman. Ou seja, identidade secreta, segredo, preocupação com a segurança de terceiros virou uma lembrança distante.

Sem falar na morte de Clark Kent, e seu velório de caixão aberto e presença até de Perry White, mas que após da ressureição de Clark, nem é mencionado, como se nada houvesse acontecido.

E nem vou mencionar algumas das mais medíocres versões que alguns dos mais icônicos vilões da história acabaram tendo, senão nem entro no assunto principal deste artigo.

Resumindo, um completo cenário de caos, no qual a dupla Warner e DC começou a atirar para todos os lados, como que admitindo a “festa da goiaba” que este suposto universo se tornou.

Mas eis que em meio a este festival de pirotecnia sem conteúdo, meio mundo se surpreendeu quando foi anunciado que James Gunn, famoso pelos filmes dos “Guardiões da Galáxia” na Marvel Studios, ia vestir a camisa da concorrência para fazer um filme do “Esquadrão Suicida”.

Um filme que ninguém. Mas ninguém mesmo! Sabia se classificava como remake, sequência, ou seja lá o que for, do famigerado filme dirigido por David Ayer em 2016.

Aqui eu preciso abrir um parêntese nesta narrativa para deixar bem claro, límpido e cristalino, que nunca fui admirador do trabalho de James Gunn. E isto não é de hoje. Pois desde seu bizarro (para não dizer horroroso) roteiro para o filme do Scooby Doo, e seu final no mínimo ridículo (para ser minimamente educado) o estilo de Gunn sempre esteve anos luz de qualquer coisa que possa, ao menos na opinião deste escriba ser considerado um lampejo de talento, mas que logicamente sempre encontrou seguidores nestes tempos de “tenho pressa, tanta coisa me interessa, mas nada tanto assim”.

Só que aí de sua forma peculiar pensar, Gunn parece ter visto o cenário a sua frente, e recebendo carta-branca, brindou o mundo com um filme absolutamente tresloucado, cheio de violência gráfica exagerada, que em nenhum momento parece de fato se levar plenamente a sério.

Bastidores de "O Esquadrão Suicida"

Porque a impressão nítida que se tem, é de que James Gunn viu aquele amontoado de erros feitos nos filmes anteriores, e decidiu mergulhar de cabeça na bagunça, assumindo-a, e transformando-a num teatro do absurdo, sabiamente usando para isto personagens de terceiro, quarto ou até quinto escalão da DC Comics, enquanto brinca com o exagero e o visual caricato dos personagens.

E bingo! Funcionou!

E se a coisa funcionou, por que não expandir?

Chegamos então aqui a razão deste texto para o qual precisei tecer todas estas considerações acima. A série do Pacificador!

Lógico que a ideia do seriado já estava na mente de James Gunn bem antes de sua versão de Esquadrão Suicida ganhar a luz do dia, mas é obvio que era preciso esperar a recepção ao longa para que a Warner liberasse a realização do projeto.

Mas como nunca fui admirador do trabalho de Gunn, pouco ou nada me empolguei com ideia. Até que a série estreou e fui nocauteado por uma das aberturas mais desconcertantes e geniais de todos os tempos!

Primeiro pela ideia de colocar todos os personagens da série surgindo fazendo dancinhas ridículas enquanto mantinham expressões de seriedade absoluta. Mas principalmente porque uma das melhores bandas de hard rock surgidas nos anos 2000 estava ali tocando!!!

Não conseguia acreditar que “Do You Wanna Tasted It” do Wig Wam, do álbum “Non Stop Rock n Roll” (2010) tinha sido escolhida para a abertura da série, ao mesmo tempo que ria dos comentários de redes sociais que não faziam ideia que música seria aquela e muito menos quem a tocava.

Mas isto era apenas a ponta de um imenso iceberg. Um bombardeio insano de hard rock, para desespero dos teóricos sabichões da música, no qual Gunn (acho que este sobrenome enfim fez sentido), dispara uma mistura de temas antigos com mais recentes, com nomes como The Poodles, Faster Pussycat, Reckless Love, Firehouse, Hanoi Rocks, a rainha do hard Lita Ford e até Dynazty.

A trilha sonora perfeita para embarcarmos numa verdadeira montanha russa de momentos engraçados, as vezes chocantes e muitas vezes debochados, e até mesmo emotivos, nos quais Gunn - que é o autor da estória e diretor de cinco dos oito episódios - apenas aparenta estar digamos, “sem freio”.

Muitos podem até achar que “Pacificador” seja James Gunn no seu modo mais louco desvairado, fazendo tudo aquilo que sempre quis. E até certo ponto, não estão errados. Só que numa olhada mais cuidadosa, vemos que a coisa toda passa muito longe disto.

Lógico que a premissa básica desta primeira temporada, é uma versão de Gunn para o clássico “Invasores de Corpos”. Qualquer dúvida é só comparar os sons que os “assimilados” de ambas as obras soltam.

James Gunn com seu elenco - Excelente sintonia

Fora uma sequência no primeiro episódio, na qual após ter relações, que de íntimas não tinham nada, já que tanto o Pacificador quanto sua parceira, devem ter sido escutados até em Gotham, se inicia uma contenda entre eles, que remete de imediato a uma sequência do clássico anime “Wicked City” que já foi resenhado aqui.

E isto não é nenhum demérito, muito pelo contrário, pois para cair no atoleiro do “mais do mesmo” seria muito fácil assim. O que para nossa felicidade passa longe!

Mas o que de fato chama a atenção é a forma como o roteiro que muitas vezes parece uma mera sitcon com suas gags, e seu alto e proposital grau de caricatura, consegue costurar as diversas estórias de seus personagens, e não apenas de seu protagonista título, mesmo que sem a necessidade de aprofundamentos que certamente causariam “barrigas” na narrativa. Há até uma escorregada feia numa única cena, onde a mão de Gunn pesou num gore absolutamente desnecessário, e que até o roteiro tenta amenizar depois, mas aí já era. Mas de resto, tudo está incrivelmente bem dosado.

Entendendo-se lógico qual a proposta geral da série e a cabeça de quem a criou.

E isto para um cara, que começou a carreira fazendo vergonha num filme do Scooby Doo e que nunca antes tinha demonstrado maiores talentos além de causar hype tolo, seja em cenas supostamente engraçadinhas, ou gore, para o qual momentos emotivos pareciam mais fakes que o CGI das cenas dos sonhos de “Pantera Negra”, é uma evolução gigantesca!

Fazendo nos importar com personagens que em outras obras não passariam de meras alegorias. Veículos para o ego de diretores que se consideram os reinventores da roda.

Fora referências a outras obras e nomes da cultura pop. A editora original do Pacificador, a Charlton, nos carros de polícia. E até uma rápida homenagem a Richard Donner numa cena que Murn (Chukwudi Iwuji) está assistindo televisão e se vê uma cena de Máquina Mortífera 4.

E não posso de forma alguma deixar de mencionar como John Cena vem surpreendendo, nem tanto como o personagem-título, mas sim como seu alter-ego, Christopher Smith. Não que Cena tenha se tornado da noite para o dia um ator de grande calibre, mas fica nítido um daqueles casos em que ator encontra personagem, numa daquelas conjunções que só ocorrem muito raramente. Mostrando talentos até então impensados, como quando numa cena ele mesmo toca num piano, o clássico “Home Sweet Home” do Motley Crüe.

Ahhh sim! E não poderia de forma alguma não citar Eagly, a águia de estimação do Pacificador, toda feita em CGI, ainda que a ideia original fosse usar uma águia de verdade. Que quando surge, rouba tanto a atenção, que se tivesse mais tempo de tela, talvez pudesse até se pensar numa série só dela. Aliás, uma ideia deveras interessante, para talvez ser desenvolvida no campo da animação.

E agora, ao redigir estas últimas linhas, sem ainda saber o desfecho da “Saga das Borboletas”, só peço que James Gunn, depois de costurar todas esta trama incrível, não nos brinde com mais um final estilo “Scooby Loo era o vilão”, já que possui esta mania estranha de finais ruins, como se estes fossem um deboche final em cima do público.

Pois a maior lição que a série do Pacificador já passou, é a forma como seu realizador ao receber um imenso saco de limões, resolveu fazer caipirinha, e dividi-la com todos nós.