quinta-feira, 2 de julho de 2020

Homem Aranha - A Trilogia (parte 2)


Reza a lenda urbana que a Sony tinha tanta certeza do sucesso do primeiro filme do Homem Aranha dirigido por Sam Raimi, que o diretor assinou contrato para a sequência um mês antes da estreia do filme.
Mas nenhum investidor por mais otimista que fosse podia esperar o sucesso que o filme do nosso querido “cabeça de teia” teria, e muito menos o “monstro” que iria libertar...


E em 30 de junho de 2004 chegava aos cinemas, Homem Aranha 2!
E se no primeiro filme oque tivemos foi quase um tributo de Sam Raimi ao Superman de Richard Donner, aqui o diretor com mais moral e autonomia pode enfim colocar mais de sua personalidade num filme que se eu fosse definir em uma única expressão seria: Impossível de se repetir.
Sei que tal expressão pode ser aplicada pelos mais diversos prismas, mas aqui ela está relacionada com praticamente tudo.
Para começar temos o ótimo roteiro escrito por Michael Chabon, Alfred Gough e Miles Millar. Sendo estes dois últimos simplesmente produtores e roteiristas do seriado “Smallville - As Aventuras do Superboy”. Isto na época em que o seriado da concorrente DC Comics estava em seu auge absoluto, algo hoje absolutamente impensável.


Um roteiro que não fugiu do foco da cartilha de Donner, mas que veio recheado com uma dose a mais de ação e uma quantidade imensa de citações.
Nele temos Peter Parker, já vivendo (ou ao menos tentando) fora da casa dos tios onde cresceu, num apartamento (se é que dá para chamar assim) alugado de um imigrante russo chamado Ditkovich, nome este uma   homenagem ao co-criador do Aranha, Steve Ditko.
Enquanto tentava equilibrar suas obrigações mundanas com suas responsabilidades como o “Amigão da Vizinhança”, e de âncora baixada na baía da friendzone, já que preferiu se afastar de Mary Jane por medo dos riscos que a moça correria namorando o Homem Aranha. Fora a culpa que o remoía de se sentir responsável pela morte de seu tio Ben.


Situação que chega a tal ponto que faz Peter desistir de ser Homem Aranha, numa cena que replica a perfeição um dos momentos mais icônicos do personagem nos quadrinhos. Abandonando sua roupa num beco, e que acaba parando, como um troféu, na parede de J.J. Jameson.


Mas como para todo herói que se preza toda desgraça do mundo é pouca, Peter também vê seus poderes desaparecerem. E para quem acha tal situação absurda, preciso recordar que diante de situações limite há relatos na história de pessoas que chegaram até desenvolver cegueira temporária.
E no meio disto temos o surgimento do vilão!


E que vilão! O Doutor Otto Octavius, que numa interpretação impecável de Alfred Molina, após uma experiência pessimamente conduzida se torna o vilão Dr.Octopus, e que nos brinda com uma cena digna da franquia “Alien” ao atacar toda equipe de um laboratório. Uma cena com a assinatura de Sam Raimi que aqui impõe seu toque de diretor de filme de terror.
Enquanto que de outro lado temos nosso amigo Peter Parker, “tomando na cabeça” por ter deixado de ser o Aranha, e ainda por cima sem poderes.

Citações de personagens da DC Comics impossíveis de ocorrer nos dias de hoje

O que, aliás, nos possibilita mais uma cena impensável para os dias de hoje, com a polarização gerada pelos “universos compartilhados” e os interesses de grandes conglomerados, quando Peter no alto de um prédio tenta disparar sua teia, e o roteiro sem o menor pudor nos brinda com expressões clássicas de personagens da DC Comics como “Shazam!” e “Para alto e avante!”.


Mas claro que as brincadeiras não param por aí, e numa cena entre J.J Jameson (JK Simons) e Hoffman (Ted Raimi), o dono do Clarim tentava encontrar um nome para o novo vilão que tinha acabado de surgir, e Hoffman sugere então Doutor Estranho, no que é rechaçado por seu chefe que diz que este já existia.


Estaria então Sam Raimi pensando num pequeno “universo compartilhado” naquela época? Bem, na modesta opinião deste escriba, a resposta é: Pode ser...
E por que desta crença?
Bem, não é segredo que Sam Raimi tentou na época fazer um cameo de Hugh Jackman no filme, ou seja, uma rápida aparição de nosso querido carcaju, o Wolverine!
O problema é que para isto Raimi tinha que pedir a liberação do ator e personagem para Fox que detinha os direitos sobre a franquia XMen na época, e lógico que a Fox não aceitou.
Mesmo assim Sam Raimi não teria se dado por vencido, e sugeriu a utilização de Frank Castle, o Justiceiro, e seu mais atual interprete na época, Thomas Jane. Afinal, o personagem não era assim um destaque cinematográfico tão grande quanto os mutantes do Instituto Xavier, mas a Fox bateu o pé e não liberou.

Como a Fox não liberou Thomas Jane...

Mas se você acha que Raimi se deu por vencido, está muito enganado. E já que não pode usar Thomas Jane em seu filme, optou por um verdadeiro “drible da vaca”, chamando o dublê de Thomas Jane para fazer esta rápida e fugaz aparição, na cena em que Mary Jane sai correndo pelo parque ao abandonar o filho de J.J. Jameson no altar para ficar com Peter.

...Sam Raimi usou o dublê do ator para o cameo de Frank Castle

Sendo assim, ao menos para este que vos escreve, tecnicamente falando, temos sim Frank Castle, o Justiceiro, em Homem Aranha 2.
E o que isto traria para o futuro? Bem, se formos pensar que Kevin Feige, o articulador do MCU, já estava aqui em Homem Aranha 2 como produtor, não é difícil imaginar o quanto as ideias de Raimi não foram determinantes para seus planos futuros.


Fora isto, Homem Aranha 2 nos brinda com a cena do trem, uma das melhores de filmes do gênero, como citei aqui no blog na lista de “10 Melhores Cenas de Filmes de Super-Herói”, um papel mais atuante da Tia May de Rosemary Harris, e um equilíbrio raro entre drama, ação e humor.


E se tem um ponto fraco seria apenas o de não aprofundar um pouco mais a relação de Mary Jane com o pai, que com certeza sedimentaria melhor a característica da personagem em se lançar nos braços de qualquer um como uma “tábua de salvação”.


Chegamos então a 2007, e um mundo que não era mais o mesmo.
Batman Begins já havia surgido dois anos antes redefinindo vários pontos para os filmes do gênero, enquanto que a “saga original” dos XMen já tinha se encerrado no ano anterior.
E assim, em pleno feriado estadunidense de 4 de julho daquele ano chegava aos cinemas Homem Aranha 3.
Muito se falou, e se reclamou deste filme ao longo dos anos.
E de fato, da trilogia, este é seu capítulo mais fraco e problemático.
Isto pelas mais diversas razões. Um roteiro meio quebrado, com um excesso de elementos que nem um pouco contribuem para sua fluidez.


Uma forçada de barra desnecessária para colocar Flint Marko, o Homem Areia, dentro do cenário do assassinato do Tio Ben, lá no primeiro filme. Aliás, bota desnecessário nisto, já que o arco pessoal do personagem que acabou deixando de ser explorado, por si só já era interessante o bastante, e com certeza, renderia bem mais.

Bastidores de Homem Aranha 3

Mas agora, tantos anos depois, acredito que se faça necessário um rewind neste filme, e dentro de um entendimento menos imediatista revermos algumas de suas situações, e oque Sam Raimi quis fazer aqui, ainda que numa queda de braço constante com o estúdio.
Antes de tudo é preciso entender que Homem Aranha 3 foi planejado para ser quase um rito de passagem, pois não era plano de Raimi parar de fazer aqui os filmes do “teioso”.

O Aranha salva Gwen Stacy

Por isto, algumas situações como as introduções de personagens como Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard) e até do simbionte Venom no filme não estão aqui à toa. E ao menos no meu extremamente pessoal entender, eram apenas “novas peças” que estavam assim sendo posicionadas, assim como o professor Connors que não tinha dado as caras como Lagarto.

O famoso uniforme preto

Tanto isto parece ser algo factual, que originalmente Homem Aranha 3 teria uma cena pós-crédito com Venom (ao que parece o MCU bebeu mesmo da fonte dos filmes de Sam Raimi). E quem sabe até com um filme solo do simbionte, que acabou engavetado, como tantos projetos em Hollywood são, só sendo resgatados anos depois.


E por falar em engavetar, se tem algo que muita gente gostaria de engavetar na memória, é quando Peter Parker se funde a Venom, e protagoniza oque para esmagadora maioria são  consideradas cenas ridículas.


Só que estas supostamente cenas ridículas, em especial a famigerada dancinha à lá John Travolta (ou quase isto), vou aqui afirmar, são sacada mais genial de toda a trilogia. E é genial e odiada exatamente pelo mesma razão.

A famigerada dancinha - Um deboche de Sam Raimi

Pois aquele Peter Parker bad boy, quase uma versão de “O Professor Aloprado”, nada mais é que um maravilhoso deboche (no melhor sentido da expressão) e por que não uma crítica de Sam Raimi a uma parte da fanbase do personagem que exigia uma interpretação do personagem que no fim das contas o aproximaria mais da personalidade de Flash Thompson, o valentão da escola. Algo que como vimos acabou acontecendo no reboot com Andrew Garfield, e seu Peter Parker incrivelmente “descolado”.
E se enquanto estória, Homem Aranha 3 possa estar bem longe de seus antecessores, no fim das contas, seu maior erro acabou por ser o final desta incrível saga, quando na verdade deveria ser apenas mais um capítulo, pois a despeito de opiniões de primeira hora, em especial de uma parcela mais jovem de público, até hoje a trilogia de Sam Raimi é a obra mais consistente já feita com o personagem fora de sua mídia original.

O Aranha de Tobey Maguire e seus sucessores

E que como vimos nos últimos filmes do MCU, que infelizmente são apenas destinados a uma parcela de público, quando deveriam ser aquilo que lá atrás Richard Donner preconizou, e que tão bem Sam Raimi soube fazer, pois recordes de bilheteria estão aí para serem batidos, mas para se transformar em lenda, aí o caminho é bem diferente.


E bem que poderiam dar ouvidos as sábias palavras da Tia May:
“Eu acredito que exista um herói em todos nós que nos mantém honestos, que nos dá forças, nos enobrece e, no fim, nos permite morrer com orgulho. Ainda que às vezes tenhamos que ser firmes e desistir daquilo que mais queremos. Até de nossos sonhos” - May Parker (Homem Aranha 2)








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