Não
é novidade para ninguém que os italianos sempre que puderam, fizeram paródias
ou versões próprias de produções estadunidenses, vide os faroestes do diretor
Sergio Leone, só para pegar um exemplo.
Lógico
que tais produções nem sempre, ou na maioria das vezes, gozavam do mesmo poder
econômico e consequente esmero.
Mas
quem disse que isto seria fator para lançá-las no esquecimento?
E
em 1983, pegando carona no sucesso do então recém lançado “Rambo - Programado Para
Matar”, o diretor Fabrizio De Angelis, presenteava os amantes do cinema B (aqui
um baita B maiúsculo) com uma das maiores (e melhores também) pérolas do
gênero.
Thunder
Um Homem Chamado Trovão!
Sei
que muitos que estão lendo este artigo agora conhecem de trás para frente este
que foi um dos maiores clássicos da finada “Sessão das Dez” do SBT (talvez até
o maior), bem como devem conhecer algumas resenhas que permeiam a web falando, muitas vezes de forma
jocosa sobre o filme.
Contudo,
decidi escrever sobre esta trilogia (sim, é uma trilogia), primeiro para trazer
à tona algumas ótimas memórias, apesar de que outras nem tanto. E em segundo
lugar para estabelecer alguns necessários retcons
(sim, há retcons para serem feitos) sobre
esta pérola oitentista, feita numa época em que CGI seria apenas a sigla de um
curso preparatório para vestibular.
Bem,
caso você que está lendo nunca tenha assistido “Thunder Um Homem Chamado
Trovão” a coisa basicamente é assim.
Trovão
(Mark Gregory, pseudônimo de Marco De Gregorio) é um índio navajo, ex-militar,
que retorna para sua terra, e descobre que estão erguendo um empreendimento
imobiliário em terra sagradas para seu povo, onde havia inclusive um antigo
cemitério.
Geralmente
este plot rende roteiros mais
fantasiosos que vão de “Poltergeist O Fenômeno” até um episódio de
“Superamigos”, mas aqui é só um mero ponto de partida.
Muito
irritado da vida - até porque a posse daquelas terras tinha sido dada ao seu
povo através de um antigo decreto federal -, após ter um pequeno entrevero com
alguns peões que trabalhavam nas obras, Trovão vai até a cidade tentar fazer
valer seus direitos de forma legal.
Primeiramente
indo até a delegacia onde fala com o xerife Cook (Bo Svenson, que é mais
conhecido aqui no Brasil por ter sido o capitão do voo sequestrado em Comando
Delta), que diz para ele reclamar no banco que é quem está financiando o
projeto.
Só
que lógico, o dono do banco, incomodado com a presença de Trovão, liga para
xerife, que envia o delegado Barry Henson (Raimund Harmstorf) para, digamos,
dissolver o tumulto.
E
aqui iniciamos para valer tudo que esta pérola B oitentista tem para oferecer,
seja bom, ou nem tão bom assim.
Como
é um filme de enredo extremamente simples e escancaradamente feito a partir do primeiro
Rambo, nem vou me dar ao trabalho de descreve-lo em mais detalhes.
Contudo,
como citei, a despeito de algumas resenhas jocosas já escritas, alguns pontos
precisam ser ressaltados.
Sobre
os pontos negativos do filme, lógico que algumas cenas são particularmente meio
fajutas, mas se nós formos lembrar de algumas cenas de clássicos daquela mesma
década, em produções hollywoodianas, que são tão ou mais fajutas, vide a famosa
cena de “Comando Para Matar” onde se o cabo de segurança preso ao tornozelo do
dublê, creio ser algo que se pode deixar passar com um pouco de boa vontade.
E
no que diz respeito suas similitudes com “Rambo Programado Para Matar”, elas
são feitas tão abertamente e sem falsos pudores que as tornam, tão legais, ou
em alguns até mais bem sedimentadas, que o filme “inspirador”.
E
quase tudo está ali. A cena em que o delegado leva o protagonista até uma ponte
que seria o limite da cidade e manda ele não voltar, sua fuga para uma região
montanhosa, o momento em que nosso herói se lança ao vazio de um precipício,
entre outras citações bem obvias.
Porém,
ao contrário da maioria, sempre enxerguei algumas cenas bem bacanas e até bem-feitas
neste filme. Sendo na humilde opinião deste escriba a melhor de todas quando
Trovão após ser expulso da cidade, é encontrado por aqueles mesmos peões do
começo do filme, e passa a ser caçado como um bicho, numa cena que passa uma
carga de aflição na medida certa (coisa que tem muito filme conceituado por aí
que não consegue).
E
talvez o mais importante, e que se citam, apenas o fazem genericamente, é que
“Thunder” também inspirou “Rambo”.
Primeiro
no uso do arco e flecha como arma, coisa que só surgiria na franquia com
Stallone em seu segundo filme, feito após “Thunder”. E aqui a melhor parte
disto, pois, para justificar o uso da arma pelo veterano do Vietnam, criaram
para ele uma ascendência indígena, algo que não existe no livro “First Blood”.
De
quem seria a “culpa” disto?
Pessoalmente
vou me dar a liberdade de especular (coisa que não sou muito de fazer), que tal
detalhe tenha vindo da mente de James Cameron, que foi um dos roteiristas de
“Rambo II”, e que antes de se notabilizar como notório construtor de robôs
assassinos e navios que afundam, “cometeu” um dos maiores absurdos do cinema de
todos os tempos, o clássico thrash “Piranhas 2 Assassinas Voadoras”.
Com
o advento do videocassete, ajudado pela ainda baixa oferta de filmes
disponíveis para locação na época, e as reprises pelas tevês mundo afora, “Thunder”
acabou não só se pagando, como gerando até certo lucro para seus realizadores,
que viram a possibilidade de uma sequência, e em 1987 chegava as telas a
segunda aventura do herói índio.
Partindo
de uma premissa que eu particularmente adorei, com Trovão retornando à cidade
como um policial, após ser dado como morto (tudo bem, é meio sem pé nem cabeça,
mas é legal demais!), “Thunder II”, nos traz um Mark Gregory um pouco mais
velho e com visual físico um pouco mais condizente com o que estava em voga na
época.
E
voltando a seguir a linha western-spaghetti,
teve suas doses de violência amenizadas afim de angariar mais público, e de
absurdos aumentada (risos). Mas se você está pensando que estes absurdos estão
em cenas de ação mais espetaculosas ou sem sentido, vou dizer logo que a maior
parte reside na inexplicável mudança de nomes.
Como
assim?
Bem, o xerife Cook, que no primeiro filme se chamava Bill, aqui se chama Roger. E não, não é outro ator que está no papel, e sim o bom e velho Bo Svenson. Assim como o delegado vivido por Raimund Harmstorf, que no filme anterior se chamava Barry, e aqui se chama Rusty.
Talvez
seguindo o diretor Fabrizio De Angelis, que por motivo desconhecido até para os
antigos deuses romanos, desde o primeiro filme assinou a direção e roteiro como
Larry Ludman, ainda que seu nome surja como produtor no começo dos créditos
iniciais.
Aqui
temos um enredo que ainda que não deixe de ser simples, se preocupa em
estabelecer novos contextos da relação entre os personagens já conhecidos, como
no caso de Cook que por mais de uma vez deixa transparecer certa admiração pelo
índio que se tornou policial.
Ou Rusty, que se mostra corrupto ao ter um esquema com um grupo de “motoqueiros do mal” e que ao matar por acidente seu comparsa, aproveita para culpar Trovão que vai parar na prisão, na qual passa por maus bocados, mas de onde consegue fugir para colocar em prática seu plano de vingança.
E ainda que pontuado por uma ou outra cena fora de contexto, como a impagável prisão de um ladrão travesti, não se surpreenda se ao assistir “Thunder II”, você tenha a impressão de estar vendo um produto geral mais bem-acabado que seu antecessor.
E
como a maré estava favorável, em 1988 chegava aos cinemas “Thunder III”.
Sobre
esta terceira parte da saga do índio navajo bem que gostaria de tecer
comentários enaltecendo qualidades escondidas, ou não reconhecidas do filme,
mas a verdade é que se você conseguiu assisti-lo na única semana em que
ficou em cartaz em nossos cinemas, ou conseguiu acha-lo em alguma fita VHS lançada
pela extinta Look Video, sabe que se trata de uma produção, digamos, “feita nas
coxas”.
E
não falo isto pela ausência de verba, mas sim pois nitidamente tudo ali foi
“enfiado na marra” no melhor estilo “deixa que tá bom”, numa trama que se
formos pegar a sinopse até parece bacana, quando Trovão e mais um amigo, vão
interferir na matança de cavalos selvagens por um grupo composto pelas pessoas
mais influentes da cidade e se dão mal, gerando a consequente vingança do
protagonista.
Mas
infelizmente só as boas intenções não sustentaram esta terceira parte da saga
do “Trovão Italiano”.
Quanto
a Mark Gregory, ainda que tenha trabalhado em mais três filmes após o fim da
saga, se desiludiu com a carreira artística que iniciou com uma pequena
participação num telefilme norte-americano chamado “Rainbow” (1978) que contava
a história de Judy Garland. Voltando a ser apenas Marco De Gregorio (e não Di
Gregorio como muitos se referiam), o garoto tímido de família humilde, que
trabalhou numa sapataria.
Durante
anos houveram informações conflitantes sobre seu paradeiro, até que em 2022
após buscas por parte de fãs foi confirmada a notícia de sua morte, assim como
se descobriu a sua triste história após deixar o cinema.
Habilidoso
escultor e pintor, Marco procurou viver de sua arte (dizem até que trabalhou
para um renomado restaurador), morando na casa que havia sido o único bem que
conseguiu adquirir com os ganhos dos filmes que fez.
Porém,
no começo dos anos 2000 caiu num golpe, perdendo todas as economias e até sua
casa no subúrbio de Roma. Mudando-se então para pequena Castel Madama.
Lá
viveu no completo anonimato, em meio a vizinhos que nem imaginavam de seu
passado nas telonas. Contudo, por talvez desconfiarem que Marco pudesse estar
envolvido no golpe do qual na realidade foi vítima, o fisco italiano
transformou a vida do ex-ator num inferno, levando-o a interrogatório e até
colocando-o sob vigilância diuturnamente.
Eventos
estes que geraram brigas familiares e que arruinaram sua vida profissional a
ponto de precisar de ajuda financeira assistencial do governo.
Entrando
numa espiral tenebrosa que culminou com nosso eterno Trovão sucumbindo a
tristeza e depressão, tirando a própria vida em 31 de janeiro de 2013, e sendo sepultado sem a presença de nenhum parente, inclusive com um erro na data de seu nascimento na inscrição de sua sepultura.
Todavia,
agora, ao escrever estas últimas palavras deste artigo, ainda que saiba que
Marco De Gregorio possa ter tido uma vida tão sofrida e trágica, me agarro as
palavras do garotinho do final do primeiro “Thunder”:
“O
Trovão nunca vai morrer! ”
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