Se
existe algo que comumente acaba descambando para um verdadeiro “barata voa” na
história dos quadrinhos são os famigerados crossovers.
Não
que tais eventos não sejam legais e por vezes proporcionem aos fãs o encontro
de personagens que todos, ou a maioria, sonhou.
O
problema é que para promoverem tais encontros, em geral as editoras, e algumas
vezes os artistas também, jogam para o alto qualquer resquício mínimo de
encaixe das peças do quebra-cabeças.
Mas
em 2017, uma ideia aparentemente maluca ganhou a luz do dia.
Unir
numa saga, Diana a Princesa de Themyscira, e Conan da Ciméria!
Escrita
por Gail Simone e ilustrada por Aaron Lopresti, aproveitando a estada do bárbaro na editora Dark Horse, nossa estória tem início
focando uma época pouco, ou nada, explorada da vida do cimério, sua infância.
Mais
precisamente, seus doze anos, quando um Conan prestes a entrar na adolescência
vai com seu pai para o encontro das tribos, e lá conhece uma garota chamada
Yanna (sonoridade familiar, não é?), que coincidentemente vinha de uma tribo
comandada por mulheres.
E é
lógico que o plot da amizade que se
transforma no primeiro amor é explorado. Algo que pode até desagradar uma parte
mais rasa do público, mas é muito legal ver esta fase da vida de Conan ser um
pouco explorada, algo que nem seu criador Robert Howard, ou seu grande
desenvolvedor, Roy Thomas chegaram a explorar.
Lembrando
que pela mitologia do personagem, ele só iniciou sua vida de aventuras a partir
dos dezessete para dezoito anos.
E que
as versões cinematográficas do cimério em nada tem a ver com seu começo de
vida como descrita originalmente seja nos pulp fictions ou HQ's, e muitas vezes pouco a ver com sua personalidade como descrito
originalmente, seja nos pulps de
Howard, ou nos roteiros de quadrinhos de Thomas. Portanto, esqueçam aquela
frase infeliz do clássico filme dirigido por John Milius, pois tal bravata
historicamente é atribuída a Genghis Kan.
E
lembre-se que Conan sobre tudo era um “produto” de sua época (ainda que
fictícia), e que mesmo nos contos originais, era um ser que apesar de lutar com
imensa brutalidade e ter seu senso autopreservação como regra primária, não era totalmente desprovido de compaixão e que por vezes
demonstrou um ódio profundo pela injustiça, em especial se cometida em prol de
alguma divindade ou entidade sobrenatural de qualquer espécie.
Explicado
isto, temos um salto no tempo, e vemos o cimério encontrando em seu caminho um
aquilônio chamado Kian, que estava prestes a ter a língua queimada por três
grandalhões, e que pede auxílio ao cimério, que a princípio ia deixar o sujeito
lá com seus algozes pela raiva que nutria pelos aquilônios, mas que diante de
uma oferta de recompensa, “compra a briga”, salvando o homenzinho de seu
trágico fim.
Só
que o tal Kian, não tinha nada naquele momento para entregar ao seu salvador como
recompensa, mas o leva a cidade mais próxima, Shamar, na qual disse ter feito
uma aposta na arena de gladiadores, e que venceria, dando a Conan os proventos
de desta aposta.
E é
lá, que Conan se surpreende, ao se deparar com a grande atração das disputas de
gladiadores. Uma mulher, que de imediato faz o bárbaro pensar estar de frente
com sua primeira paixão.
Uma
mulher que lutava com vários homens ao mesmo tempo, e os vencia. Lógico que era nossa querida Mulher-Maravilha. Mas na mente de Conan não havia dúvida, estava
frente de Yanna.
E
neste ponto não há como negar que o roteiro é muito habilidoso, fazendo até mesmo
o leitor, ainda que por um fugaz momento achar que Diana e a tal Yanna pudessem ser
de alguma forma a mesma pessoa.
E
obvio que o cimério não iria ficar de braços cruzados, e com a ajuda de um
garoto local com quem faz amizade após salvá-lo de uma surra, consegue entrar
nas masmorras onde eram mantidos os gladiadores, e encontra com a mulher que o
fascinou na arena.
Só que ela se encontrava absolutamente desmemoriada, sem saber ao certo quem era, e como alegria de cimério dura pouco, são descobertos por Dellos, o mercador de escravos, e colocados para lutar um contra o outro.
Aí
você que ainda não leu esta HQ pode estar pensando que o cimério vai “para as
cucuias” na mão da Mulher Maravilha, certo?
O
problema é que além de desmemoriada, a amazona não estava possuidora de todos
seus poderes, e a luta ocorre em patamares equivalentes, com a vitória do
bárbaro que ao se negar a executar a mulher enfurece Dellos, que os vende para
um navio de piratas, enquanto que somos de fato apresentados as verdadeiras
ameaças de nossa estória, as Corvídeas.
Entidades malignas irmãs, que se divertiam colocando homens para lutar até a morte, para depois se alimentarem de seus corpos. As responsáveis por Diana ter ido parar na época de Conan.
Mas
não é preciso ser vidente para saber que Conan e Diana conseguem fugir do julgo
dos piratas, enquanto vão se conhecendo a longo do caminho, em meio a uma e outra briga, enquanto o clima de
romance só aumenta, até que são confrontados pelas Corvídeas que querem
obriga-los a lutar até a morte.
Mas
como era de se esperar, nossos heróis se negam.
E
como ameaça pouca é bobagem, as irmãs corvo, dizem que matariam todos na cidade
se não o fizessem. E apelando mais ainda apresentam a Diana, cinco amazonas que
haviam sido enviadas para resgatá-la, e por fim a apelação final, Yanna!
Sim!
A primeira paixão de Conan estava vivinha, e vê-la sob ameaça é demais para a
cabeça do bárbaro que parte para cima da Mulher Maravilha, mas que aqui não
apenas tinha recuperado parte de suas lembranças como parte de sua força.
Só
que as vilãs cometem o velho e clássico erro do excesso de autoconfiança, e
esquecem que dar as costas para qualquer amazona não era um ato muito
inteligente. Permitindo assim que as “irmãs” de Diana se libertem, e ajudem a
princesa.
Contudo,
as Corvídeas se evadem, prometendo destruir Shamar e levando consigo Yanna,
para desespero de Conan. E a coisa só piora para o cimério, pois as amazonas
precisavam retornar ao seu tempo, levando consigo Diana logicamente, mas que
não vai embora sem antes deixar um “presentinho” para o amigo, o laço de
Héstia.
Bem,
não preciso aqui, creio eu, ser muito detalhista no que vem depois disto, não
é? Conan, sendo Conan!
Ceifando
membros como se cortasse grama, noite após noite, caçando as legiões das trevas
das Corvídeas que sabiam que o cimério ia até Shamar resgatar Yanna.
Até
que as portas da cidade, Conan lança um desafio para as irmãs malignas. Ele
contra seu mais poderoso guerreiro, numa luta sem espadas, numa aposta pela
vida dos habitantes de Shamar, e de Yanna. Tentação que as Corvídeas não
resistem.
Gail Simone e seu casal de protagonistas |
Aqui
eu preciso abrir um parêntese para dizer que por mais que pudesse ser
previsível tudo que passa a acontecer na estória a partir daqui, não há como
negar que o roteiro de Gail Simone é empolgante em seu “ponto de virada”, que a
partir daqui vai num crescente absurdo. E acredite, nada do que já descrevi e irei
descrever neste texto, tirará seu prazer em ler esta HQ.
Conan
usando do laço de Héstia, vence o duelo, para histeria das Corvídeas que ficam
bradando que o cimério tinha trapaceado, enquanto que na cidade um arrependido
Kian (sim, ele mesmo, o baixinho que Conan salvou) ajuda a libertar os
gladiadores, ao mesmo tempo em que as tropas das trevas entram na cidade, mas
tem uma pequena supressa.
Pois logo que os portões de Shamar são derrubados, quem os esperava era nada menos que Diana com as outras amazonas que haviam ido antes lhe salvar, e como uma verdadeira general, a Mulher Maravilha comanda suas irmãs, logo tendo ajuda dos gladiadores e demais cidadãos da cidade, e lógico nosso querido cimério.
E
aqui preciso ressaltar que apesar de volte e meia Gail Simone ser rotulada por
uma parcela de ditos fãs como ícone feminista de forma pejorativa, seu texto é
perfeito ao descrever o que ocorre naquela noite, quando amazonas, bárbaros,
gladiadores, homens e mulheres comuns lutaram juntos contra a tirania de seres
que se consideravam superiores, na síntese do que pode ser considerada uma
estória de heróis.
Bem
na contramão de algumas tendências bizarras e de mal gosto que vem permeando os
quadrinhos para satisfazer parcelas cínicas de público.
Ah
sim! Lógico que nossos heróis vão triunfar, ainda que para Conan alguns de seus
sonhos fiquem pelo caminho. Como eu disse, alegria de cimério dura pouco.
Só
que como nem tudo é perfeito, apesar da estória ter me deixado bastante
satisfeito, principalmente pelo respeito com que Conan foi tratado, não há como
negar que sua última cena é onde a coisa derrapa e capota. Não exatamente por
mostrar Diana numa cafeteria nos dias atuais encontrando com a possível
reencarnação do cimério.
Mas
porque resolveram colocá-lo vestindo um terno e gravata de liquidação, num
bisonho simulacro de Clark Kent, quando numa visão absolutamente
pessoal, creio que seu visual ficaria bem mais apropriado se usando uma jaqueta
de couro e uma camisa de alguma banda de heavy-metal.
Considerações
fashionistas a parte, este é apenas uma falha mínima, num dos poucos casos de crossovers do gênero que funcionaram
perfeitamente, e que agregaram a mitologia de seus personagens sem os
descaracterizar para isto, e que bem que poderia ter sido editada aqui em nossas terras de maneira oficial.
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