No
começo da década de 1970, diante do esvaziamento das salas de cinema, que os
executivos dos estúdios creditavam no avanço da televisão, Hollywood se viu
obrigada a abrir suas portas para toda uma nova safra de diretores, e por vezes
bancar suas ideias sem maiores restrições.
Eram
os anos em que os anti-heróis ganhavam de vez seu espaço cativo na telona, e
desafiar o sistema estabelecido e o status
quo social se tornou lugar comum.
E
no finalzinho da década, o diretor Walter Hill chegava com seu terceiro filme,
e que se tornou talvez aquele que melhor retrate este período... Warriors – Os
Selvagens da Noite.
Baseado
no livro de Sol Yurick, lançado na década anterior, mas com o qual quase não
guarda nenhuma similaridade. Warriors, que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de
“Selvagens da Noite”, é mais um daqueles filmes que por um a série de motivos
se tornou algo único.
Na
história, em meio uma Nova York tomada por gangues, Cyrus (Roger Hill), o líder
da maior de todas, os Riffs, surge com a seguinte proposta: Unir todas as gangues
de Nova York e arredores num único grande exercito, que juntas excederiam em
muito o número de policiais.
E
para falar de suas ideias é erguida uma trégua e marcado um grande encontro à
noite no Central Park.
Cyrus sonhava com uma cidade dominada pelas gangues |
Só
que os planos de domínio das ruas pelas gangues, vão por água abaixo quando
Luther (David Patrick Kelly), líder de um pequeno grupo, os Rogues, mata Cyrus,
e em meio a confusão, consegue culpar os Warriors, um grupo do distante distrito
de Coney Island.
E o
que temos a partir daí, não é apenas a jornada dos Warriors através da noite,
enquanto eram perseguidos por todas as outras gangues da cidade, mas também um
raro exercício de como se fazer cinema, com um orçamento baixo, um elenco
desconhecido e uma dose de coragem que hoje parecem meio esquecidas pela
maioria dos cineastas mais novos.
Os Warriors |
Discípulo
direto de Sam Peckinpah, do qual tinha sido assistente, Walter Hill já era bem
conhecido do público pelos seus dois primeiros filmes, Lutador de Rua
(Hardtimes) estrelado por Charles Bronson, e Caçada de Morte (The Driver)
estrelado por Ryan ONeil.
O diretor Walter Hill orientando os atores durante as filmagens |
Mas
ao iniciar a produção de Warriors, Hill, ao lado do produtor Frank Marshall
viram que ali precisavam de algo novo, novas caras. Não que os planos originais
não previssem a utilização de rostos conhecidos, Sigourney Weaver e até Robert
De Niro chegaram a ser sondados para participações na película.
Contudo,
como ali contariam uma história de protagonistas jovens, a opção por rostos
menos ou nada conhecidos logo se fez soberana.
Um elenco de rostos desconhecidos até então. |
Algo
que ficou claro quando contrariando o estúdio que queria o galã Tony Danza para
o papel de Swan, Walther Hill escolheu o até então desconhecido Michael Beck.
Beck
que foi descoberto quase que num golpe de sorte quando Hill foi sondar
Sigourney Weaver que fazia um filme independente no qual o rapaz também atuava.
Algo
que de certa forma pode ser aplicado a Deborah Van Valkenburgh que para ganhar
o papel de Mercy teve que audicionar várias vezes, e que Hill afirmou tempos
depois ter escolhido ela justamente por não ser “a escolha mais obvia” e que de
fato não queria alguém muito famoso.
Mercy (Deborah Van Valkenmburgh) e Swan (Michael Beck) |
E
aqui acho que se faz necessária a abertura de um interessante parêntese sobre
esta conturbada relação diretor/estúdio que muita vezes acaba por estragar
vários filmes. Pois aqui em “Warriors“, ainda que possa ter ocorrido uma ou
outra queda de braço, ao que parece ambos os lados cediam sabiamente quando
percebiam que a ideia do outro era mais benéfica.
Exemplo?
A ideia original de Walter Hill era que os Warriors fossem uma gangue
exclusivamente de negros, até para pegar um pouco de carona na chamada black exploitation mas foi aconselhado
pelo estúdio já naquela época a criar um grupo heterogêneo.
Um
pensamento comercial? Pode até ser. Mas que de fato garantiu uma empatia geral
aos protagonistas.
Isto
quando o próprio diretor percebia que suas ideias não eram lá as melhores, como
quando de início considerou lançar mão do subtítulo “Em Algum Lugar do Futuro”,
mas logo percebeu que isto tiraria do filme sua ligação com a realidade,
transformando-o numa fábula. Uma ideia que não abandonaria totalmente vindo a
utilizá-la em outro clássico, “Ruas de Fogo”, mas que de certo ali não cabia.
E
em 26 de junho de 1978 se deram início as filmagens, nas quais mais de 90%
ocorreram em sets reais, com a equipe trabalhando sob os olhares de fãs e
curiosos até altas horas da noite num incômodo frio mesmo em se tratando do
verão no hemisfério norte.
Aí
você que está lendo já deve estar imaginando que a equação, elenco jovem +
locações reais + tema abordado, tenha como resultado muita confusão, certo?
Pois é, e a lista é longa, mas pode se destacar alguns
casos.
Algumas das gangues do filme |
Como
durante a cena com a gangue Orphans, cuja a gravação precisou ser interrompida
por causa de perseguição policial real.
Ou
certa vez durante uma pausa nas filmagens, quando a gangue Turnbull AC’s
resolveu fazer um lanche numa hamburgueria próxima e foram caracterizados como
estavam. Quando os clientes viram aquilo fugiram correndo, como medo de serem
atacados.
Além
disto havia as dificuldades naturais de filmar no metrô nova-iorquino no meio
da madrugada, que iam desde encarar serem cobertos por uma camada de pó de aço
preto resultante da manutenção dosa trilhos, até se depararem com ratos do
tamanho de gatos.
Filmar no metrô se tornou uma dos maiores desafios da equipe |
Mas
poderia ser pior, não é?
Bem,
para Deborah Van Valkenburgh foi, pois em duas ocasiões a moça acabou se
machucando. A primeira enquanto corria pelos trilhos do metrô de mãos dadas com
um dublê e caiu, fraturando o pulso, pois o dublê não soltou sua mão, o que
obrigou ela a usar um casaco pelo resto das filmagens para esconder o
machucado. E a segunda vez ao ser acertada acidentalmente por Michael Beck com
um taco, numa cena de briga. Levada as pressas para o hospital no meio da
madrugada, levou alguns pontos, ganhando uma cicatriz que tem até hoje.
Deborah e Michael atualmente - Amizade inabalada mesmo após o incidente com o taco. |
E
como aqui estamos falando de um filme que mesmo de forma exagerada às vezes,
tocava num problema bem real que se vivia, lógico que a produção teve que
“negociar”, digamos assim, com as gangues reais.
Situações
que entraram para o hall das lendas urbanas, como quando tiveram que mudar as
cores do figurino dos Warriors, pois os “Homicides” que era a gangue verdadeira
de Coney Island não permitiu o uso de suas cores nem mesmo na ficção. Ou quando
tiveram que pagar 500 dólares por dia para serem “protegidos” por uma outra
gangue os “Mongrels”.
Mas
com nem tudo pode ser apenas dor, ratos gigantes e extorsões, lógico que
“Warriors - Os Selvagens da Noite” também foi profícuo em situações inusitadas
e improvisos que geraram cenas antológicas.
Como
no caso de duas das gangues do filme que saíram diretamente da cabeça de
Walter Hill. As Lizzies, uma gangue só de mulheres, coisa que não existia na
vida real, e era declaradamente a preferida do diretor; e os Baseball Furies
que vieram da paixão de Hill pelo esporte e pela banda KISS, o que gerou a
ideia da maquiagem do grupo.
Além
disto, é preciso dar crédito a David Patrick Kelly, pois foi criação do ator
não apenas a famosa frase “Warriors, come out and play”, como seu sincronizar
com o tilintar das garrafas em seus dedos, após escutar de Hill que a cena
precisava de “algo mais”.
E
após este turbilhão de acontecimentos, enfim em 09 de fevereiro de 1979,
“Warriors - Os Selvagens da Noite” fazia sua avassaladora estreia, com filas
que dobravam quarteirões, num fim de semana que ainda tinha mais seis filmes em
cartaz.
Estreia
que não escapou de passar por confusões das mais variadas, mas que só acabaram
por contribuir para aumentar o hype
pelo filme.
Que
com o passar dos anos foi ganhando uma legião de fãs, que iam desde o ex-ator Ronald Reagan, na época ainda presidente dos Estados Unidos, que teria inclusive ligado para Michael
Beck direto da Casa Branca para dizer o quanto havia gostado do filme. Passando
por Matt Goening criador dos “Simpsons”, que não apenas fez uma homenagem, mas
produziu um episodio inteiro parodiando a película. Até os irmãos Joe e Anthony
Russo, diretores de “Capitão América 2 - O Soldado Invernal”, que anunciaram
que obra ganhará um remake na forma
de série para televisão.
Algo
que pouco se comenta, porém, é que o filme teve um desdobramento social
bastante interessante, pois até sua estreia, Coney Island, que tinha vivido um
passado glorioso, bem conhecida pelo seu parque de diversões, vivia um momento
de degradação progressiva, esvaziamento populacional e esquecimento pelas
autoridades.
Contudo,
com o sucesso do filme, pessoas passaram a vir até de outros países para
conhecer o “lar dos Warriors”, trazendo um inesperado crescimento na economia
do local, que foi trazido aos holofotes.
Tornando
os atores do filme, quase que heróis locais, e realizando até festivais que
celebram o clássico filme.
Em
2015, Michael Beck e alguns outros membros foram reunidos a convite da revista
“Rolling Stone”, e gravaram uma espécie de pequeno documentário neste festival,
no qual os atores puderam ter a real dimensão daquilo que tinham realizado.
E
não é que no final, a ideia de Cyrus das gangues dominarem a cidade deu certo?
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