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terça-feira, 1 de setembro de 2020

Batman - Estranhas Aparições - A Era Englehart


Em 1977 vindo da Marvel, após diferenças com Gerry Conway com o qual dividia a roteirização de “Vingadores”, o escritor Steve Englehart aceitou o convite da DC Comics, e assumindo a revista “Detective Comics”, marcou a história dos quadrinhos com aquela que muitos definem como a fase que deu a “arte final” ao Batman.
Um período bem curto, formado por apenas oito edições, mas que foi fundamental para evolução do “Morcego de Gotham”, e que ficou conhecido como “Estranhas Aparições”!


Se você que está lendo acompanha o “Enquanto Isso na Ponte de Comando”, já deve ter esbarrado em algum artigo que escrevi envolvendo Batman, e alguma citação a fase escrita por Steve Englehart, e que em sua maior parte foi ilustrada por Marshall Rogers, e para a qual creio se faz necessária uma retificação histórica.
Mas por que tal retificação?
Bem, para começar, é preciso se ter uma visão geral da indústria dos quadrinhos em meados dos anos 70 e alguns de seus hábitos, para entendermos porque o que Englehart fez foi tão diferente para a época, e porque foi base para muita coisa que veio a acontecer apenas anos depois.


Naquela época, o normal era que as HQ’s não compusessem o que aqui chamamos de arcos, e os norte-americanos comumente chamam de run. E ainda que coisas do tipo não fossem algo inédito - é só lembrarmos aqui da saga Lanterna Verde e Arqueiro Verde de O’Neil e Adams para o qual já escrevi um artigo - , o normal eram que as estórias se fechassem apenas em uma única edição, sem nem mesmo um fio condutor.
Só que o que Steve Englehart fez aqui foi algo até então impensado, pois ao ir para a DC, o escritor havia dito a todos que aquela seria sua última incursão por aquela mídia, e que depois se dedicaria apenas a escrever romances, na boa e velha literatura tradicional.
E ao contrário de qualquer outro autor até então, escreveu toda a saga de “Estranhas Aparições” sozinho, sem contato com nenhum dos artistas que a ilustraram, e tudo de uma vez só, isto antes até mesmo de entregar a primeira edição para a DC Comics.
Uma saga que não apenas manteve a reestruturação do personagem iniciada na fase de Dennis O’Neil e Neal Adams , mas aprofundou as relações interpessoais de Bruce Wayne/ Batman como nunca havia sido feito antes, com toques de filme de terror (como aliás também nunca tinha sido feito), criando novos personagens, trazendo para o “primeiro time de vilões” outros e que ainda teve espaço para homenagens a “Era de Ouro” dos quadrinhos.


O começo de tudo, mais especificamente as duas primeiras edições, desenhadas por Walt Simonson, mostravam o “morcegão” as voltas com um vilão chamado Dr.Fósforo , um personagem daqueles que podem parecer numa primeira olhada, absurdamente inverossímil, e difícil de se encaixar num contexto digamos, mais pé no chão e psicológico, mas é ele que acende (desculpe, não consegui evitar o chiste - risos), o estopim para quase tudo que acontece depois.
E a partir daí entramos numa das mais incríveis parcerias escritor/cartunista de todos os tempos, quando Marshall Rogers assume a arte da saga.


Não que Simonson fosse um artista ruim, mas a verdade é que Rogers, um discípulo de Neal Adams, mesmo sem ter nunca estado até ali numa mesma sala com Englehart, conseguiu captar de maneira perfeita oque o escritor queria passar, extrapolando com tudo que já tinha sido imaginado para o “Morcego de Gotham” até aquele momento

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Imprimindo um estilo que dava leveza às cenas de ação, opressão as cenas de terror, e que como nenhum outro até então (até mesmo Neal Adams, sim pode acreditar), dava uma especial atenção em como a cidade e todos os demais ambientes eram apresentados, sendo muito desta última característica devido sua formação como arquiteto.

Ser formado em arquitetura fazia Rogers ser quase um obececado pelos detalhes de Gotham

E se lembram do Dr.Fósforo? Pois é, graças a ele, Bruce Wayne vai parar numa clínica para se recuperar dos ferimentos, e fazer o Batman desaparecer por uns tempos, já que o chefe da máfia Rupert Thorne - um dos personagens criados por Steven Englehart - vinha usando de sua influência política para disseminar a ideia do Batman como um fora da lei.
E aqui de uma tacada só, Englehart costura toda uma trama que mistura terror, drama, intriga, e lógico, aquele bom heroísmo clássico. E com uma habilidade pouco vista até os dias de hoje para misturar o imponderável com o real.


Não é minha intenção aqui, ficar entrando nas minúcias da estória, até porque se você não conhece “Estranhas Aparições”, não quero tirar algumas das surpresas que nela estão.

Hugo Strange descobre que Bruce Wayne é o Batman...

Mas na tal clínica Bruce Wayne é drogado, e quando é tarde demais, descobre que o médico que dirigia o estabelecimento era ninguém mais, ninguém menos, que o Dr. Hugo Strange, um personagem que até ali estava “mortinho da silva”, até ser “ressuscitado” por Englehart, ganhando a notoriedade que tem até hoje.


E Strange tem a brilhante ideia de leiloar (sim, leiloar!), entre alguns dos principais antagonistas do “morcego” sua verdadeira identidade, enquanto ele próprio assume a identidade de Batman.
E neste contexto temos Silver St.Cloud!


Linda, inteligente e com um senso de humor afiadíssimo, a promotora de eventos, também criação de Englehart, era na época a namorada de Bruce, e que muitos defendem até hoje ter sido o único grande amor de Wayne nas HQ’s. Aqui vale ressaltar que naquela época esta relação foi absolutamente diferente de tudo, pois ao contrário de Thalia Al Ghul ou da Mulher-Gato que a bem da verdade nutriam um fetiche pelo Batman, aqui temos o primeiro relacionamento maduro de Bruce Wayne.


Ela então vai até a tal clínica saber do amado, numa tentativa que poderia ser descrita como decepcionante. Só que desconfiada de que algo de muito errado estava acontecendo, Silver resolve pedir ajuda. E liga para Dick Grayson, que na época estava na faculdade. E num primeiro momento Dick aparenta não levar muito a sério o que escuta... Num primeiro momento.
E eis que então surge Robin!

Um Robin casca-grossa como nunca tinha sido visto

Mas como assim Robin?! Não estavam querendo trazer o Batman para um espectro mais soturno e de acordo até mesmo com alguns pontos da ideia original do personagem?! É o que talvez você que esteja lendo possa estar pensando, não é?


Pois é, e aqui mais uma vez Steve Englehart mostra sua habilidade em caminhar numa fina linha que mistura o atual ou moderno (que permanece atual e moderno até hoje), com a linguagem mais clássica e simples do universo de heróis de quadrinhos.


Modernidade captada por Marshall Rogers, que reestilizou Floyd Lawton, o Pistoleiro, transformando-o quase que num caçador de recompensas de “Guerra nas Estrelas”. E que tem um embate clássico com Batman, numa daquelas cenas que citei, nas quais se percebe a fluidez e leveza que a perspectiva de Rogers dava.


A saga ainda abre espaço para dois vilões clássicos, o Pinguim e o Coringa. Quanto ao baixinho de cartola, ele se torna o antagonista da HQ em que a dupla dinâmica atua junta após muito tempo, e sua participação não vai além disto, mas quanto ao “Palhaço do Crime” temos um capítulo totalmente à parte.


Capítulo totalmente à parte, pois reza a lenda urbana, Englehart não tinha a menor intenção de incluir o “palhaço” em sua trama, e sua inserção teria sido imposta pela DC Comics.
Sendo assim, o que o escritor fez?


Simples, criou uma das HQ’s mais loucas de todos os tempos, a famosa estória dos “Peixes Risonhos”, na qual o Coringa contamina as águas de Gotham, fazendo os peixes ficarem com uma fisionomia parecida com a dele. Tudo um plano para cobrar royalties de direitos autorais sobre sua criação. Mas como o plano não dá certo, ele começa a assassinar os funcionários do escritório de patentes.
Aliás, uma representação que pessoalmente creio, Englehart tenha tido como inspiração sua própria persona. Pois de personalidade aguerrida e meio complicada, por várias vezes Englehart entrou em rota de colisão com editores e executivos de estúdios, na maioria das vezes cobrando direitos autorais sobre personagens seus que não nunca foram devidamente repassados os lucros ao serem usados em outras obras.

O traço de Marshall Rogers...

Uma mistura inusitada de um Coringa com um plano que parecia ter saído da animação do Batman derivada do seriado dos anos 60, mas que não deixou de mostrar o personagem como psicopata que era, e com uma representação visual que o deixava muito próximo ao ator que interpretou o “Homem Que Ri”, o personagem que foi inspiração para o “Palhaço do Crime”, mais uma vez mostrando como Rogers capitou com perfeição o que Englehart pensava.

...aproximou de vez o Coringa de sua inspiração primária.

E como “cereja do bolo” ainda somos brindados como a terceira versão do Cara de Barro, numa estória na qual Englehart se preocupa em contar toda a trajetória que fez o vilão chegar aquela condição, o que, aliás, já havia feito também com o Pistoleiro. E com aquela faceta de filme de terror que citei alguns parágrafos acima. Sendo que já no final desta run, o roteiro de Englehart teve a colaboração (ainda que a contragosto do escritor) de Lein Wein.

A imaginação da dupla Englehart/Rogers cria a mais amedrontaroa versão do Cara de Barro

Lógico que como nós sabemos, com o reconhecimento de “Estranhas Aparições”, Steve Englehart não abandonou os quadrinhos, e para nossa sorte alguns anos depois foi escrever Lanterna Verde, título para o qual criou um dos personagens mais carismáticos de todos os tempos, Killowog. E que ainda de quebra foi responsável pela reimaginação de Guy Gardner.

Killowog - Mais uma criação de Steve Englehart

Segundos relatos dele, desde o fim dos anos 1970 que a DC tinha planos para uma versão live action de Batman, movidos pelo sucesso do Superman de Richard Donner, e que ele mesmo teria apresentado três roteiros diferentes para o projeto, que dez anos depois acabou parando nas tresloucadas mãos do diretor Tim Burton, que descartou praticamente tudo que o escritor tinha pensado, só sobrando a inspiração de Silver St.Cloud para Vicky Vale (ainda que pessoalmente considere a personagem vivida por Kim Bassinger uma completa idiota, nem de longe se assemelhando a Silver), alguns traços do Coringa de Jack Nicholson, e obviamente inspiração do envenenamento que deixa as vítimas do Coringa com sua fisionomia.

Rupert Thorne em Batman TAS

Além disto, dá para se dizer que a obra de Englehart tem um fã ilustre em Bruce W. Timm, que em "Batman The Animated Series", não apenas “adotou” Rupert Thorne como seu mafioso de cabeceira, como adaptou duas estórias de “Estranhas Aparições”: Os Peixes Risonhos e Eu Sou O Batman (que ganhou o título de “O Estranho Segredo de Bruce Wayne).


Em 2006, enfim de fato trabalhando juntos, Steve Englehart e Marshall Rogers retornam a Batman e seu universo, era The Dark Detective. Porém, a obra, que teve alguns de seus elementos adaptados para o filme “Batman O Cavaleiro das Trevas”, ficou inacabada após a morte de Rogers em 2007.

Dark Detective marcou a volta da parceria Englehart/Rogers...


...mas a obra ficou "inacabada".

Lembrada, ovacionada e reverenciada em outros países, como uma das sagas que de fato definiram o assim chamado “Batman moderno”, segue aqui em Terra Brasilis pouco conhecida, por uma geração que nem faz ideia que muito daquilo que dizem gostar já tinha sido feito bem antes de outros autores que se valeram de tudo que já tinha sido construído e de um momento favorável para se autopromover, mas que até hoje bebem da fonte desbravada por Steve Englehart em Estranhas Aparições.

Uma das vezes que "Estranhas Aparições" foi publicada no Brasil, na revista "Superamigos"







2 comentários:

  1. Minha maior lembrança do Englehart é do seu trabalho com o capitão América

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  2. A Panini republicou essa fase em Lendas do Cavaleiro das Trevas Marshall Rogers

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