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quarta-feira, 25 de março de 2020

Logan


     “A Estátua da Liberdade foi há muito tempo.”


O que esperar de um filme rotulado como de super-heróis?
Sempre esperei uma boa estória cujo fantástico e imponderável sirva apenas de pano de fundo para não apenas entreter, mas pensando numa audiência ainda jovem ao menos tentar promover alguma forma de edificação.
Então, se você está atrás apenas de um filme cheio de correria, tiroteio e um leve sopro de roteiro, com atuações caricatas e uma direção que só se preocupe com o tal do “service”, tenho que dizer que este não é caso aqui.


Contudo, se procura um filme denso, que como poucos colocou em debate as relações humanas, então pode ter certeza “Logan” é o filme. Sim, relações humanas, pois acima de tudo é sobre isso que este filme versa.
O como cuidamos de quem gostamos, o quanto que oque consideramos correto é de fato certo, e o quanto nos cuidamos pra aqueles que gostamos.
E é com esta proposta que o mundo foi apresentado ao último filme em que o australiano Hugh Jackman encarnou o mítico James Logan, o Wolverine. Aqui numa versão cansada e cujos poderes volte e meia falham.


Repetindo a parceria com o diretor James Mangold (Copland/ Ford vs Ferrari), que já havia dirigido o filme solo anterior do personagem, Wolverine Imortal.
E nisso talvez nenhum outro filme dito de “super-herói” tenha sido tão feliz, pois mesmos entre os filmes ditos “sérios” foram pouquíssimos aqueles que conseguiram abordar de modo cru e ao mesmo tempo lúdico oque é mostrado aqui, algo que se mostra latente logo na primeira cena entre Logan e Charles Xavier.


Uma cena magistral na qual Patrick Stewart simplesmente oblitera o protagonista Hugh Jackman, ao nos apresentar um Professor Charles Xavier frágil e debilitado por uma doença degenerativa cerebral (não explicada no roteiro) e que se culpa por eventos do passado dos quais teria sido o responsável.


Uma representação tão perfeita de como pessoas nestas condições se comportam, chegando inclusive a perder algumas “travas sociais/morais” que para a maioria esmagadora do público médio a cena acaba por provocar risos de forma absolutamente equivocada.
E se de um lado temos esta atuação pautada numa absoluta e incrível sutileza, por outro somos brindados pela pura energia que é Daphne Keen e sua Laura/ X-23.


Natural e visceral na medida certa, a menina que aqui faz sua estreia nos cinemas acaba por roubar várias das cenas que atua numa representação bem diferente do que habitualmente o público se acostumou a ver nas HQ’s com a personagem nascida na animação “X-Men Evolution”, mas que sem dúvida é a que de fato se encaixa na proposta do filme.

O diretor James Mangold orienta Daphne  e Hugh durante as filmagens

Numa decisão acertadíssima do diretor James Mangold, que com absoluta sapiência se afastou totalmente do estereótipo da heroína adolescente sexy. E que ainda de sobra consegue uma interessante mistura de “western” e “roadie-movie”, nesta despedida de Hugh Jackman de Wolverine, em parte bancada pelo próprio ator que aceitou ter seu cachê reduzido para bancar o plano de um filme denso e pesado que os executivos do estúdio duvidavam do êxito.
Agora na parte da ação em si por incrível que pareça é que residem os pouquíssimos pontos fracos de “Logan”, pois algumas das ações que ocorrem, podem facilmente ser antecipadas por um espectador um pouco mais atento através de ganchos explícitos no decorrer do filme que em momento algum nos surpreende.


Momento algum? Não espera.
Existe sim tal momento, mas mesmo nele há uma derrapada de leve ao usarem de um clichê mais do que conhecido, mas que lógico não compromete nem um pouco um filme cujo foco passa longe de pirotecnias de embates com personagens sobre um fundo de CGI colocado no pós-produção.


E ainda vale ressaltar o problema que norteia muitos dos filmes com personagens da Marvel, ou seja, a falta de um antagonista a altura do herói do filme, algo que no meu entender se resolveria muito facilmente com a inserção do Dente de Sabre, que facilmente caberia dentro do contexto. Já que Donald Pierce (Boyd Holbrook) e os Carniceiros não parecem serem uma grande ameaça na maioria das vezes.


Quanto a outros mutantes conhecidos, praticamente não os temos, sendo tal tipo de presença limitada ao Caliban vivido por Stephen Merchant, um ator mais conhecido por comédias, mas que aqui compõe talvez o mais desesperançoso personagem do filme.


Alguns mais afoitos na época do lançamento chegaram a bradar este se tratar do melhor filme do gênero já feito, mas na opinião deste escriba, pelos motivos apresentados, tal título ainda pertence a Batman O Cavaleiro das Trevas.
Entretanto, “Logan” com suas reflexões costuradas ao longo de toda sua narrativa, as atuações primorosas de seus protagonistas que passam longe das caricaturas de personagens de HQ, nos fazendo nos importar e nos envolver com seus problemas que ao fim percebemos são os mesmos que os nossos, é um verdadeiro tapa na cara com luva de adamantium em alguns “salvadores da pátria” que pensam que suas ideias são equivalentes à descoberta da pólvora.


Um filme pesado é o que alguns dizem? Talvez.
Mas que nos faz sentir absolutamente leves ao terminar de assisti-lo, como numa espécie de reconexão com algo que mesmo sem perceber havíamos até esquecido que existia.
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terça-feira, 3 de março de 2020

Patrulha Estelar – Space Battleship Yamato 2199


Após uma briga judicial de anos com o escritor e ilustrador Leiji Matsumoto, o produtor Yoshinobu Nishizaki havia conseguido os direitos plenos sobre a saga do Encouraçado Espacial Yamato e seus tripulantes.


Mas quando em 7 de novembro de 2010, Nishizaki, faleceu após um absurdo acidente num barco, um grande ponto de interrogação pairou sobre o futuro da mais importante franquia da animação nipônica de todos os tempos.


E isto num momento em que um ano antes a saga original tinha sido retomada com o OVA “Yamato Rebirth”, e pouco mais de um mês antes da versão live action ir para os cinemas.
Mas “assumindo” os negócios do pai, o filho de Yoshinobu, Shoji, decidiu partir do zero, e em 2012 chegava aos cinemas japoneses a nova versão, o remake, da primeira saga do Yamato, “Busca Por Iscandar”.

A "nova" tripulação do Yamato

Uma atitude reprovável por um lado, já que Shoji deixou “Yamato Rebirth” sem um final, e extremamente louvável por outro, já que a saga original de 1974 aos olhos de uma geração mais nova com certeza poderia parecer desinteressante, em especial em razão de seus gráficos.
E em 7 de abril de 2012 chegava aos cinemas nipônicos, num formato até então impensado, o primeiro dos sete longas metragens que tinham por missão recontar a saga de “Busca Por Iscandar”. Formato inusitado, pois a série a princípio tinha sido pensada para ser veiculada na televisão como a saga original, tanto que assim foi, ao migrar para o mercado de home vídeo e sendo depois exibida, já em 2013 desta forma na tevê.


Inclusive tendo seu primeiro episódio exibido na tevê, uma semana antes de ir para os cinemas, mas acredito que isto tenha sido apenas um chamariz (como se Yamato precisasse disto).
Tendo seus três primeiros longas produzidos pelo mítico estúdio AIC (o mesmo do clássico Bubblegum Crisis), teve a produção dos quatro subsequentes realizada pelo estúdio Xebec.


Falar deste remake não é exatamente a tarefa mais fácil do mundo.
Primeiro, pois sou um grande admirador da série clássica, mesmo com seus pequenos “furos” aqui ou acolá, mas que no frigir dos ovos nunca impactaram em nada no seu desenrolar e conclusão, e muito menos na admiração que causa até hoje.
Mas resenhar este remake é especialmente complicado não apenas por esta questão. Pois muito diferente, por exemplo, do remake de Thundercats que já resenhei aqui, e que no fim das contas possibilitou aos seus realizadores criar praticamente em cima de uma “folha em branco”, refazer Patrulha Estelar era se arriscar sobre um roteiro praticamente perfeito, baseado acima de tudo nas relações interpessoais de seus personagens. Uma obra de várias camadas, que sempre gerou percepções diversas em que a assistia e ainda assiste nos dias de hoje.


Lógico que sendo uma adaptação, é mais que obvio que muitas coisas foram mudadas.
E dentre tais mudanças não há como negar que as mais acertadas estão relacionadas em como todo interior do Yamato foi repensado. Não vou aqui ficar me apegando a tecnicalidades de menor ordem como o tamanho total da nave. Mas é impossível não citar como todo seu interior foi extremamente bem pensado (e repensado), em especial o hangar dos astro-caças, dentro de uma visão, digamos, mais técnica. E até a ponte de comando se tornou um pouco menor, nitidamente “pegando carona” na versão do live action de 2010.


Outra coisa que salta aos olhos, mas que não deixa de ser também um pouco obvia são as espetaculares cenas de batalha desta nova versão, ainda que na modesta opinião deste escriba, tais cenas bebam na fonte de “Yamato Rebirth”, tecnicamente falando. E que muito de sua eficiência e plasticidade deva ser creditado aos profissionais do estúdio AIC que iniciaram a produção, pois vendo o remake de “Cometa império” (que deixarei para resenhar em outra oportunidade), fica claro, que ainda que refazendo cenas já conhecidas da saga clássica, o pessoal do Xebec simplesmente foi “no embalo”.


E antes que você que está lendo se pergunte.
Sim. Ao menos na opinião deste que escreve este artigo, os pontos realmente positivos desta nova versão da Patrulha Estelar param por aí.
Pois a partir daqui entramos naquilo que Patrulha Estelar teve de melhor e que sempre foi seu grande diferencial, ou seja, seus personagens e a estória que conta, e para os quais as decisões de roteiro de “2199” nem sempre foram as mais felizes.
Para começar é preciso abordar as mudanças que foram feitas em alguns personagens da saga clássica. E entre estas mudanças é preciso começar destacando o grande número de personagens femininas inseridas na trama.
Algum problema nisto? Você deve estar se perguntando.


Não! Claro que não! Afinal ter Lola como a única personagem feminina relevante na tripulação, sempre foi um dos pontos fracos no antigo Yamato. Contudo, algumas das personagens como Yuria Misaki e Kaoru Niimi acabam se tornando um penduricalho narrativo que nada acrescentam na trama.


Contudo, fica o ponto de interrogação do “por que” fazem este tipo de coisa. Tudo bem. Nós sabemos que é para atrair mais o público feminino e que as épocas são outras.


Mas se é assim, por que “2199” transforma Lola/ Yuki, a grande protagonista feminina da saga, num pastiche de mocinha coadjuvante mais frágil na maior parte do tempo que na “Busca Por Iscandar” original de 1974, tutelada pelo capitão Gideon/Hijkata, e com direito a ângulos quase ginecológicos de seu corpo?


Lógico que alguém pode bradar neste momento que na série original a personagem era sistematicamente assediada pelo robô IQ9, com direito a cenas de “levantamento de saia”. Mas neste caso tais cenas figuravam dentro do escopo do chamado “alívio cômico”, que ainda que possa ser considerado por alguns, politicamente incorreto para os dias de hoje, não passava disto.

Hardy/ Yamamoto acabou tendo o sexo mudado nesta nova versão

Sem falar na “mudança de sexo” de Akira Yamamoto. O piloto de astro-caças que aqui no Brasil aprendemos a conhecer pelo nome ocidentalizado de Hardy, acabou na nova versão se tornando mulher. Num artífice que foi imensamente criticado quando do filme live action em 2010, mas que aqui ao que parece a maioria dos fãs resolveu não levar em consideração.
Não que eu não goste da personagem, muito pelo contrário, e posso aqui afirmar que sua promoção ao “primeiro time” de protagonistas, assim como sua história pessoal, é uma das melhores coisas desta releitura.


Só que aí vamos para mais um equívoco deste remake, que foi o excesso de sub-tramas, que tentaram replicar o argumento humanizado original de Leiji Matsumoto, mas que só serviram para tornar o roteiro desta nova versão inchado e ao mesmo tempo com lacunas.
Não que todas tenham sido assim tão ruins, como no citado caso de Yamamoto, mas algumas destas sub-tramas mesmo que no começo aparentassem ser bem feitas, ao fim da saga se demonstraram excessivas.


Como no caso de Sandor/Sanada que ganha aqui uma importância muito maior que tinha na “Busca Por Iscandar” original, sendo alçado inclusive à segundo em comando, além de mostrar vários flashbacks da sua amizade com Alex/ Mamoru, o irmão de Derek/Sussumu, quando mais jovens, e até arrumando uma crush para o oficial. Só que preciso dizer que isto foi milimetricamente pensado, já que o personagem é extremamente querido nos Estados Unidos, um mercado que lógico não se poderia virar as costas, onde sempre fizeram comparações suas (nem sempre justas) com Spock de Jornada nas Estrelas.


E aqui caímos numa trama que pouco ou nada colabora para a fluidez da obra, apenas para satisfazer uma suposta parcela de público, talvez sendo este o grande ponto negativo desta nova saga. Esta necessidade desenfreada de falar para todos ao mesmo tempo, resultando em quase não conseguir se comunicar com ninguém no fim das contas.
Mas o excesso de elementos e as mudanças erroneamente planejadas não se restringiram apenas a isto.
Pois ainda há toda questão envolvendo Deslock e seu império.


Em “Busca Por Iscandar”, Gamilon era apenas uma única nação, mas aqui resolveram criar toda uma sub-trama política (mais uma sub-trama). Algo que os mais afoitos saíram escrevendo artigos enaltecendo, alegando que isto aprofundava algo que a saga original não tocou. Só que esqueceram que para isto, criaram um plot no qual as nações vencidas pelos gamilons em suas guerras se tornavam cidadãos de segunda classe do império de Deslock. Ou seja, copiando numa cara-de-pau sem limites aquilo que a Federação Polar do Primeiro Ministro Ben Lazi fazia na terceira série de tevê, “A Crise do Sol”.

Foram buscar "O Lobo" em A Crise do Sol para compor hype

Sem falar que de “A Crise do Sol” ainda foram buscar o tenente-coronel Wolf “O Lobo” Flakken. Sim, ele mesmo, o comandante da esquadra de submarinos dimensionais, que foi enfiado na trama, ao que tudo indica, apenas para garantir um pretenso hype.
Mas ainda é preciso falar do líder dos Gamilons.

Em 2199 Deslock não parece de fato demonstrar nutrir um sentimento real por Starsha

Na saga original, Deslock sempre foi mostrado como um personagem com bastante dualidade, ou como disse lá no primeiro artigo que escrevi aqui no blog, o mais humano de todos os alienígenas, e talvez o mais humano personagem de toda a saga justamente por isto, oque sempre o diferenciou de todos os outros personagens do tipo. Só que este Desclock aqui desaparece, sendo substituído por um mero déspota padrão, ainda que tentem manter sua parte da trama com Starsha, mas que aqui se perde numa discussão sobre castas, absolutamente desnecessária, e que não convence ninguém que Deslock pudesse nutrir algum sentimento mais nobre por ela.
Fora que o líder dos gamilons  passa mais de 90% do tempo com uma irritante expressão de tédio em suas feições que nem de longe lembram o shogun que nos acostumamos ver.

O comandante Todo está longe da figura altiva da saga clássca

O que me recorda que não posso deixar de citar a péssima escolha para o caracter design da maioria dos personagens. E não me refiro apenas a jovem tripulação do Yamato, pois o comandante Todo é mostrado nesta releitura numa forma aflitivamente frágil, que nem de longe lembra aquela figura altiva, que inspirava confiança e respeito.


Agora, creio eu, que caso você que esteja lendo, e não tenha visto ainda “Yamato 2199” deva estar se perguntando, após esta avalanche de criticas, bem além do usual que costumo fazer, se vale a pena assistir esta nova versão da saga da Patrulha Estelar.
E eu vou dizer aqui que sim. Pois apesar de todos os equívocos citados, uns propositais, outros não, “Yamato 2199” consegue ter alguns momentos que replicam quase a perfeição alguns dos acontecimentos da saga clássica, sendo melhor que a imensa maioria das produções nipônicas atuais que se baseiam em personagens rasos, esporrentos e gritões enfiados em tramas que não existem para plateias ávidas apenas por alimentar discussões em redes sociais.



Mas que em momento algum  vai poder ser comparado com a clássica Patrulha Estelar naquilo que a tornou um diferencial dentro do seu gênero de obra, pois é ausente em seus realizadores do mesmo grau de paixão e comprometimento que os criadores da saga clássica tinham.

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