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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody


Cinebiografias são uma das formas de arte mais complicadas de se fazer que existem.
Tentar otimizar em duas horas (ou um pouco mais) uma vida inteira, com todos suas particularidades e subtramas (até porque pra valer uma cinebiografia, tal jornada de vida precisa mesmo ter muitos aspectos interessantes), não é tarefa fácil, e o cinema está lotado de obras do gênero altamente meia-boca. E quando se trata de uma cinebiografia de uma banda de rock, aí que a coisa fica ainda mais complicada.
Doors (apesar da boa atuação na época de Val Kilmer) e Runaways são ótimos exemplos de como filmes deste tipo costumam se perder, muitas vezes desvirtuando-se totalmente de seu presumível plot inicial que seria a história do grupo.
E este era meu maior receio quando há alguns anos atrás soube que fariam uma cinebiografia do Queen. Mas eis que depois de troca de atores, troca de diretores, supostas mudanças de roteiro nos chega agora neste fim de 2018, Bohemian Rhapsody.



Antes de qualquer coisa gostaria de deixar bem claro que esta é uma resenha extremamente difícil para mim de se fazer, pois desde dez anos de idade o Queen é minha banda preferida de todos os tempos, e é complicado não me tornar mais exigente do que o normal neste texto. E a outra questão é que se você que está lendo conhece o bem aqui o blog sabe que não é costume artigos sobre obras tão recentes...
Mas desta vez resolvi abrir uma exceção.



Bohemian Rhapsody nos trás a trajetória do Queen, talvez a maior banda de todos os tempos (desculpa aí Beatles), e de como seus integrantes saíram do estágio de banda de faculdade para o estrelato.
Nada que um bom fã da banda britânica não saiba, mas que não deixa de ser interessante para quem não seja assim tão fã.
Tendo o ator Robert De Niro como um de seus produtores, o filme começa no dia do histórico concerto beneficente Live Aid, e em seguida o espectador e transportado de volta no tempo até o começo dos anos 1970 onde vemos o jovem Farrokh Bulsara (Rami Malek) ainda antes de sua mudança de nome para Freddie Mercury, e como se deu seu encontro com Roger Taylor (Ben Hardy) e Brian May (Gwilym Lee) quando estes dois ainda tocavam junto com Tim Staffell no trio Smile. Depois tendo a adição de John Deacon (Joseph Mazello) ao grupo.

Os membros do Queen em 1984 e suas representações cinematográficas em 2018

E este primeiro ato do filme é algo que se desenrola de forma extremamente rápida. Rápida, pelo menos para um fã que gostaria de ver alguns aspectos do começo complicado da banda, que foi roubada pelo primeiro empresário ou a icônica forma como Brian e seu pai criaram a guitarra Red Special ao menos citados durante a narrativa.



Mas superado este começo entramos naquilo que o filme tem de melhor que é a música. Não que ela não esteja presente desde o início, e é extremamente bem utilizada em diversos pontos da narrativa quando a situação mostrada se encaixa perfeitamente com alguma composição da banda, mas não há como não se encantar, e chegar a passar mal de tanto rir (algo raro neste tipo de filme) de alguns momentos da composição de alguns “hinos” do grupo, como quando Mercury fica pedindo para que Roger Taylor repetidas vezes fizesse agudos para a faixa que dá título ao filme.

Brian mostra a Mercury sua ideia para "We Will Rock You"

E este é um aspecto que precisa ser ressaltado em Bohemian Rhapsody, a briga do roteiro escrito por Anthony McCarten (A Teoria de Tudo / O Destino de uma Nação), de por mais que seja focado na figura central de Mercury, tenta nunca fugir do foco na banda, coisa que como disse alguns parágrafos acima, o cinema adora errar.


Contudo, este mesmo roteiro erra. E erra feio, na cronologia dos acontecimentos. Pois várias mudanças se propositais ou não, foram feitas na história, como quando o Queen vem pela primeira vez ao Brasil (coisa que poucos no cinema pareciam ter se dado conta), o ano de composição do clássico “We Will Rock You” e até mesmo quando a banda passou a ter suas músicas assinadas por todos, coisa que só foi ocorrer de fato em 1989 com o álbum “The Miracle”.
E neste aspecto fiquei bem na dúvida se tal responsabilidade é do roteirista que não fez o dever de casa, ou do diretor Bryan Singer (XMen - Apocalypse), que só não destrói mais linhas temporais que o Flash de Grant Gustin, do seriado de tevê (risos).

Bryan Singer (esquerda) acabou sendo substituído por Dexter Fletcher

Singer que diga-se de passagem foi um dos motivos pelo atraso na produção do filme, pois várias vezes teria sumido durante as filmagens até ser substituído por Dexter Fletcher (que neste momento começa a produção da cinebiografia de Elton John). Contudo, lá nos créditos iniciais é o nome de Bryan Singer que está lá.
Quanto ao elenco quase todos estão “OK”, digo isto, diante do sempre complexo aspecto de fazer personalidades que ainda estão por aí.

Malek - Uma atuação apenas correta como Freddie Mercury

Rami Malek ainda que fisicamente não lembre muito Freddie Mercury se esforça bastante, e tem a seu favor toda a sorte de trejeitos que o próprio Mercury usava em suas apresentações, só ficando um pouquinho a dever quando precisa fazer cenas menos extremas, digamos assim.

Mazello, Lee, Hardy e Malek - O "Queen" antes das caracterizações.

Mas no quesito atuação, ninguém se saiu melhor que Gwilym Lee que faz um Brian May absolutamente perfeito. Cada gesto, cada olhar e até a forma de falar. Tudo igual ao icônico guitarrista. Uma atuação que se fosse um pouco maior talvez desse a Lee fácil vários prêmios como ator coadjuvante.

Brian May ao lado de Lee - Personificação perfeita!

Fora isto é preciso ressaltar que uma das maiores pré-críticas que se faziam ao filme era que este não fosse mostrar o lado mais “barra pesada” da vida Mercury. Mas isto não se confirmou, pois as festas, as drogas e a espiral de erros em sua vida pessoal estão lá retratados, mas lógico que não da maneira altamente explícita, como alguns gostariam.

Freddie conhece May Austin - Love of  My Life

Atitude esta que sem nem um pingo de puritanismo no que vou dizer, foi extremamente louvável, pois se havia algo que Freddie Mercury sempre fez foi manter sua vida particular desta forma, ou seja, particular. Sem jamais se valer das loucuras que fazia como ferramenta de autopromoção como era até bem comum para os rock stars da época.

Mary Austin (esquerda) e sua interprete Lucy Boynton

Vida particular que tem em Mary Austin (Lucy Boynton) seu principal pilar. E aqui posso dizer que a figura de Mary é retratada não apenas de forma altamente respeitosa, como se torna o amálgama de vários momentos do filme, assim como foi na vida de Mercury. Assim como a figura de Jim Hutton (Aaron McCusker) que foi companheiro de Freddie até o fim da vida.
Marcando mais um ponto para o filme que ao chegar à sua reta final, presenteia a todos com uma longa e espetacular sequencia no já citado show do Live Aid, quando o Queen surge para, depois de todos os percalços que tinha sofrido, “salvar” o evento beneficente que até então parecia a beira do fracasso.Oque naquele exato momento me fez pensar como este filme foi pensado de forma diferente das demais obras do gênero.

O Queen toca no Live Aid

Pensado como um legítimo filme de super-herói desde o começo, mostrando ao longo de pouco mais de duas horas, exatamente um arco que em seu primeiro ato mostra a aparição, ascensão e encantamento dos heróis que se contrapõe ao sistema reinante, sistema este personificado hilariantemente na figura de um executivo da gravadora personificado por um ultra maquiado Myke Myers.

Fã de Queen, Mike Myers participa de Bohemian Rhapsody bastante caracterizado.

Mas que no segundo ato tem seu momento de queda e questionamento ao longo de sua jornada, fazendo até a equipe de heróis se separar.

O Queen surge em Wembley para "salvar" o Live Aid

Só que no último ato, quando todos mais precisavam, esquecem suas diferenças e se unem por algo maior e chegam para salvar o dia.


E é justamente por causa disto, desta característica única de Bohemian Rhapsody, que escrevi este artigo.
Pois se heróis servem para inspirar é exatamente este o efeito que este filme exerce.



















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