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terça-feira, 26 de junho de 2018

Batman - A Série Animada (parte 1)


Se você que está lendo, acompanha este blog, sabe muito bem de duas coisas. Que de todas as formas de arte que abordo aqui, possuo uma especial predileção pela arte do cinema de animação. E que um dos personagens mais citados em vários artigos por diversas razões é o Batman, o “morcego de Gotham”.
E por mais relutante que estivesse em abordar tal tema, até mesmo, ou principalmente, pela imensa quantidade de artigos que abarrotam a internet sobre ele, este dia seria inevitável. E aqui estou eu para mais uma daquelas missões quase impossíveis, mas ao mesmo tempo extremamente prazerosas.
Falar de... Batman - A Série Animada!


Após o sucesso do filme “Batman” de Tim Burton, que por mais artificial que fosse, justiça seja feita, criou uma nova onda de “Batmania” no finalzinho dos anos 80, a Warner/DC começou a pensar numa forma de explorar mais o personagem, e daí veio a ideia de se criar uma nova série de animação com o “Cruzado Encapuzado” e todo seu universo, mas assim como havia citado no artigo sobre Batman Begins, acredito que nenhum executivo do estúdio esperava oque estava por vir.




Como produtores do novo seriado foram escolhidos Eric Radomski que na época trabalhava em Tiny Toons; o jovem, porém, já experiente Bruce Timm, que trabalhava com animações há quase uma década tendo participado de produções como Flash Gordon, GI Joe e He-Man; e para fechar o time, Alan Burnett que já havia trabalhado com os personagens da DC quando da última temporada de “Superamigos”.

Alan Burnett, Eric Radomski, Jean MacCurdy (presidente da Warner) e Bruce Timm, na premiere de estreia

Sendo que aqui a maior parte do processo de criação acabou parando nas mãos de Radomski e Timm. O primeiro mais responsável pelo visual geral do seriado numa mistura visual que o situava em torno dos anos 40, ainda que com alguns anacronismos como telefones celulares, mas que conviviam numa perfeita harmonia com todo o resto. Enquanto o segundo mais responsável pelo desenvolvimento dos personagens e que acabou se tornando o principal desenvolvedor do seriado.



E já no começo de 1991 haviam preparado um “esboço”, um teste para oque pouco tempo depois seria a abertura da animação, embalada por uma variação do tema original criado por Danny Elfman para o filme de Tim Burton.

"Asas de Couro" - O primeiro episodio

Mostrando um visual sombrio, que foi muito facilitado de ser criado pela decisão de seus realizadores de optarem por desenhar em folhas pretas, e um caracter design bem simplificado, principalmente no que dizia respeito às feições dos personagens, para propositalmente dar mais velocidade a produção das células de animação, em setembro de 1992 ia ao ar pelo canal Fox (a Warner ainda não possuía seu canal próprio na época), “Asas de Couro”, o primeiro de um total de mais de cem episódios, que não apenas se tornou um marco da animação por ter sacudido o gênero de cabeça para baixo em meio a um mar de marasmo, como foi responsável por rescrever algumas partes da mitologia de Batman.

O veterano Dennis O'Neil - Um dos mestres roteiristas que participaram ativamente da série

Reunindo um casting de diretores e roteiristas que além de Timm, Radomski e Burnett, tinha nomes como Paul Dini, Frank Paur, Kevin Altieri, o seriado não apenas adaptou várias HQ’s de autores que iam de  Steve Englehart até Allan Moore, como também teve entre seus autores outros mestres dos quadrinhos como Dennis O’Neil, Mike W Barr, Marv Wolfman e até Gerry Conway. Mas se destacou, sobretudo quando o assunto foi reformular personagens e principalmente criá-los.
Logo no primeiro episódio o público é apresentado a uma nova versão do detetive Harvey Bullock, que muitos pensam ter sido criado para animação, já que sua versão aqui é a que de fato definiu o personagem e o lançou para um patamar de reconhecimento que nunca teve antes.

Harvey Bullock, aqui ao lado da sargento Renee Montoya

A mesma coisa ou até mais, pode se dizer sobre Victor Fries, o Senhor Gelo (Mr.Freeze). Que sempre foi um vilão de segundo escalão do Batman, até que Paul Dini cruzou seu destino, e presenteou a ele e ao resto do mundo com “Coração de Gelo”, um dos melhores episódios da animação, onde o “vilão” teve sua origem recontada - transformando-o num angustiado cientista obcecado por encontrar a cura para a doença da esposa - de tal modo que ninguém mais teve coragem de mexer nela após isto.

Cena de "Coração de Gelo" - A origem recontada de Victor Fries não mais foi alterada após a animação

Sendo que ainda nesta esteira dos enredos de origem bem contados, não há como deixar passar em branco o episódio “A Sombra do Morcego”, que dá a Barbara Gordon e sua transformação em Batgirl todo um “porque”, numa bem construída história na qual o Comissário Gordon é preso, acusado injustamente de receber suborno de mafiosos. Algo bem mais plausível do que a mera explicação de que a ruiva havia entrado naquele “negócio” simplesmente por causa do Morcegão.

"A Sombra do Morcego" - Episodio que introduziu a Batgirl no seriado


Barbara para ajudar o pai incia sua transição para Batgirl

E aí vem um ponto sobre o qual em praticamente toda sua trajetória o seriado teve a preocupação de não perder o foco, que era o aspecto humano dos personagens, que desde Harvey Dent e sua óbvia dualidade, mostrada com uma dose incomum de dramaticidade para uma animação para tevê; passando por Matt Hagen, o Cara de Barro, que não media esforços para manter sua carreira de ator, oque destruiu sua vida; Selina Kyle, a Mulher Gato, que ainda que permanecesse como uma ladra ganhou a faceta de defensora dos direitos dos animais; chegando ao já citado Bullock; e até mesmo Dick Grayson, o primeiro Robin, quase sempre trazia aqueles personagens para fora da zona de conforto dos arquétipos de heróis e vilões.



Sempre focando como base de construção de suas histórias o elemento humano, o seriado, mesmo sob vigilância austera da censura norte-americana, conseguiu alguns momentos que fogem do usual, mesmo que às vezes de forma subliminar.
E com um rápido exercício de memória não é difícil lembrar, por exemplo, do episódio “Nunca É Tarde Demais”, que mostrava dois grupos mafiosos em guerra. O de Rupert Thorne (o mafioso da época das HQ’s de Steve Englehart) e o de Arnold Stronwell, este último que procurava pelo filho desaparecido, até descobrir que este estava numa clínica precária para dependentes químicos. Viciado nas drogas que o próprio grupo do pai vendia. Assunto que pode parecer corriqueiro hoje não é? Mas pense nisto a mais de vinte anos atrás numa animação estadunidense para tevê?

Rupert Thorne


Batman salva Stromwell para lhe mostrar onde o filho do mafioso estava

Mas ainda tem mais. Como todos sabemos o uso de armas de fogo num programa de cunho, a princípio feito para um público mais jovem é extremamente vigiado lá na Terra do Tio Sam, e ainda mais complicado é mostrar os efeitos de seu uso.
Mas no episódio “Eu Sou a Noite”, não é que Bruce Timm e companhia tiveram a coragem “balear” o Comissário Jim Gordon. Algo que faz nosso Cavaleiro das Trevas se questionar, já que não havia chegado a tempo de ajudar o amigo, se valia a pena continuar em sua cruzada, consequentemente abandonando o capuz e capa. Isto te lembrou de algo não é? Pois é...

Em "Eu sou a Noite", o Comissário Gordon é baleado

OK. Já temos drogas, temos pessoas baleadas. Mas, e se eu te dissesse que, além disto, Batman TAS (a sigla pela qual a série ficou mais conhecida, ligada a seu título original) foi a primeira animação norte-americana para a televisão a insinuar uma relação homossexual? Sim, e isto ocorreu no já citado episódio de origem do Cara de Barro. Lógico, que tudo feito de forma muito sutil, para que cada espectador pudesse ter uma visão adequada a sua idade e percepção e para que pudesse escapar dos censores, mas que é nítida na forma como o personagem Teddy, um maquiador do estúdio, trata Matt Hagen. Se de fato eles tinham ou não algo, talvez só mesmo Bruce Timm possa esclarecer, mas que para uma audiência mais atenta os sentimentos do maquiador para com o ator eram claros, isto não há duvida.



Matt Hagen se enfurece com Teddy antes de sua
irrverssível transformção em Cara de Barro

Mas e faceta humana de Bruce Wayne/Batman?
E os personagens que foram criados para a série?


E as divergências de bastidores?
E os longas-metragens provenientes do seriado?
Sim, ainda há muito mais para contar, por isto como num bom episódio de origem de Batman TAS, deixarei a conclusão desta saga para a vindoura parte dois. Até lá!






























quarta-feira, 13 de junho de 2018

Conan e a Era Hiboriana


Muito antes de Terras Médias. Bem antes de portas de armários se abrirem, ou de tronos de ferro serem disputados, houve uma época. Uma época de magia e aventuras, perdida num intervalo de tempo entre épocas conhecidas, na qual a espada era lei, e a coragem um requisito básico para a sobrevivência.
A Era Hiboriana... A era da Espada Selvagem de Conan, o bárbaro.


Durante a “grande depressão” estadunidense, no Texas, um jovem escritor chamado Robert Ervin Howard, brigava para pagar suas contas escrevendo vários contos que eram publicados nas conhecidas pulp fictions.


Na época alguns de seus personagens já eram até um pouco conhecidos, como Salomão Kane, e Kull da Valúsia, ambos criados em 1928, e publicados nas páginas da revista Weird Tales .

Robert Ervin Howard - O genial criador da Era Hiboriana

A mesma revista que em 1932 publica um conto chamado “A Fenix e a Espada”. E pela primeira vez o mundo travava contato com Conan da Ciméria, e junto com ele, a Era Hiboriana.

Versão original de "A Fênix e a Espada"
Um mundo meticulosamente imaginado por Robert Howard com suas nações, cada qual com uma cultura toda própria, mas de ligações bem explícitas a nações que fizeram ou fazem ainda parte da história. O cenário perfeito para a que a mente do escritor texano pudesse fluir sua imaginação, e tornar as aventuras do seu novo personagem, o mais verossímeis e facilmente assimiláveis pelos leitores.

O mapa completo do mundo pensado por Robert Howard

Consolidando com isto gênero que anos depois passaria a ser chamado de “espada e magia”.
Histórias que até então nunca haviam sido abordadas daquela forma, seja pela crueza e o refinamento de detalhamento das ações de seus protagonistas, ou pelas metáforas nelas aplicadas como feiticeiros com claras ambições políticas e de poder.
Contudo, em 11 de junho de 1936, Robert Howard comete suicídio - dizem não ter suportado a morte da própria mãe - e com ele todo mundo de possibilidades parecia ter sido também enterrado.
Bem...talvez não.
Pois no início dos anos 70, um jovem roteirista de HQ’s chamado Roy Thomas, fã dos contos de Howard, tomou a frente do projeto de trazer para os quadrinhos os personagens criados pelo escritor texano.

Roy Thomas
Mas se por um acaso você que está lendo possa estar achando que a coisa foi moleza para Roy Thomas, devo dizer que como Conan, nosso herói da vida real teve que enfrentar grandes desafios para conseguir seu intento. Pois não é que a diretoria da Marvel na época não acreditava que pudesse haver ali algo “economicamente viável”. E não queria financiar a compra dos direitos sobre a obra de Robert Howard.


Sem falar que por ser muito jovem e ter acabado de suceder Stan Lee como editor-chefe, não era visto com bons olhos por alguns membros da “velha-guarda”. Oque obrigou Thomas a uma atitude até então nunca feita. Abrir mão de parte de seus proventos para que a Marvel adquirisse os direitos sobre os personagens de Howard. Sim, os personagens, pois não apenas o cimério, como Kull, Bran Mark Morn, Salomão Kane, Valéria e Sonja vinham juntos.
Até que em 1974, Thomas desiste de ser editor, e volta, para a felicidade das artes, a ser escritor em tempo integral, surgindo então no mesmo ano o primeiro número de “A Espada Selvagem de Conan”.

A Torre do Elefante - Um dos contos originais de Howard que foi adaptado para os quadrinhos

E aí sob sua batuta, o já incrível universo de Howard não apenas foi apresentado a uma nova geração, tendo vários contos originais adaptados para a nova mídia, como foi sendo ampliado e amalgamado de uma forma que nem seu criador tinha pensado.
Como? Bom, é só lembrarmos, por exemplo, que aquele que muitos defendem como sendo o grande amor da vida do cimério, a única mulher que virou de fato a cabeça do bárbaro, Sonja, originalmente não fazia parte do mundo hiboreano. Tendo sua origem refeita por Thomas, na qual vinha do distante reino de Hirkania ao leste.

Sonja - A hirkania que virou a cabeça do cimério
Além de delinear uma linha temporal mais clara para a vida de Conan, já que a bem da verdade lá em “A Fenix e a Espada”, o cimério já era rei de Aquilônia. Ou seja, quase todas as suas incríveis aventuras são na verdade suas memórias.
E para representar todo este mundo fantástico Thomas se cercou de alguns dos melhores desenhistas que o mundo já teve.

A arte da revista explicitava oque Howard apenas descreveu em seus contos

Dick Giordano, Alfredo Alcala, Jim Starlin e até Neal Adams foram alguns dos mestres que deram rosto, força e fúria para todo aquele mundo. Porém, em se tratando de Conan, ninguém conseguiu melhor representar em imagens oque Robert Howard imaginou que os irmãos John e Sal Buscema.

John e Sal Buscema
O primeiro mais detalhista, lembro bem, era o preferido da maioria dos leitores. O segundo com um estilo de traço mais simples, mas não menos refinado, pelo menos para mim, sempre foi oque melhor conseguiu traduzir em imagens as sequências de ação, talvez justamente em razão deste tal “traço simples” ao qual me referi.
Mas isto era na parte interna da revista, pois suas capas...

Algumas das incríveis artes das capas da "Espada Selvagem..."
Ahhhh... As capas de “A Espada Selvagem de Conan” configuram uma capítulo a parte. Pois por melhor que fosse o trabalho de arte interno, oque se via nas capas da revista - ao menos em sua época dourada - eram verdadeiras obras de arte, que na banca de jornal penduradas se destacavam de tudo mais que ali estava. Icônicas capas com a assinatura de gente como Joe Jusko e Bob Larkin, mas que tinham em Earl Norem seu principal nome.

Earl Norem
E todo o sucesso alcançado, lógico, chamou a atenção de Hollywood, que em 2 de abril de 1982 fazia o cimério aportar nos cinemas, ganhando o rosto de um até então praticamente desconhecido, Arnold Schwarzenegger.

Poster promocional do filme de 1982
Aqui no Brasil, “A Espada Selvagem...” teve uma vida bastante longeva, se comparada a outras publicações do gênero, num total de 205 edições que foram publicadas de forma ininterrupta de 1984 até 2001.

A 1ª edição brasileira de "A Espada Selvagem de Conan".
Trazendo não apenas as aventuras do bárbaro cimério, como de todos os outros personagens saídos da mente de Howard.


Após isto, Conan voltaria a ser publicado em outros títulos, mas nenhum outro conseguiu repetir a vitalidade, e ter a qualidade de texto da “Espada Selvagem...” que até hoje permanece como um ótimo exemplo de como unir o entretenimento a um texto inteligente, responsável direto sim - até por força de seus longos trechos narrativos - por estimular o gosto pela leitura em toda uma geração.

A última edição brasileira
Permanecendo até hoje como a principal fonte inspiradora de escritores do gênero - aspirantes ou profissionais -, ao criarem mundos fantásticos, com belas mulheres, feiticeiros, reinos misteriosos e muita aventura, mas que no fim das contas, por melhor que sejam, ainda sim, estão prestando tributo a genial mente de Robert Ervin Howard e sua criação...Conan e a Era Hiboriana!














































quarta-feira, 6 de junho de 2018

Mulher Maravilha - O Filme


Desde que se iniciaram os eventos relacionados ao chamado “universo cinematográfico da DC”, que a casa de alguns dos mais icônicos símbolos da cultura pop mundial vinha sofrendo vários tipos de revés em seus filmes, hora por culpa de executivos de estúdio, hora por causa de diretores irregulares que se julgavam capazes de reinventar a roda, desrespeitando de maneira acintosa o cerne de personagens que cunharam seu nome ao longo de décadas.
Uma situação para lá de incômoda para quem, apesar de erros aqui e ali, podia bater no peito e dizer que possuía a célula mater dos filmes modernos do gênero - o Superman de Richard Donner -, e a trilogia que transcendeu de forma até hoje não igualada o gênero - a Dark Knight Trilogy do Batman de Cristopher Nolan.
Mas dentro dos poucos acertos que eram inegáveis neste “novo universo da DC” nos cinemas, o elenco feminino figurava em destaque. Desde “Homem de Aço” com Diane Lane (Martha Kent) e Antje Traue (Faora) até o trágico Esquadrão Suicida com Viola Davis (Amanda Waller, excelente), lá estavam elas sempre protagonizando aquela cena salvadora que fazia valer ao menos em parte o dinheiro do ingresso, e não foi nada diferente quando em Batman versus Superman surgiu Gal Gadot e sua inacreditável Diana de Themyscera.
Surgia para o mundo a Mulher Maravilha!



E sim, bastaram poucas cenas e falas, para o mundo (incluso este que lhes escreve) cair de encantos pela perfeita personificação da guerreira amazona, de olhar ferino e sorriso contagiante.

Diana faz sua chegada em grande estilo em Batman vs Superman

Mas ainda faltava algo. Faltava o protagonismo que tanto a personagem merecia, só lhe dado na longínqua série de tevê dos anos 70, mas nunca concedido numa grande tela de cinema.
Mas em 1º de junho de 2017 tudo mudou!

Cartaz promocional do filme.

A primeira coisa que nos salta aos olhos em Mulher Maravilhas, como mencionei, é sua protagonista. A israelense Gal Gadot  se tornou a personificação perfeita de Diana, transcendendo seu próprio “eu”, colocando-a talvez no mesmo hall de gente como Christopher Reeve (Superman) e Gary Oldman (Comissário Gordon), demonstrando um amadurecimento como atriz que muitos críticos ainda fizeram questão de colocar “reticências” em suas resenhas, mas que mesmo que não a coloque no nível de uma Meryl Streep, só para citar como exemplo, é sim nítido e sólido. Sem falar no sorriso mais contagiante da sétima arte em décadas.



E a segunda, mas que poderia ser a primeira (risos), é sua diretora.
Tendo em seu currículo o ótimo “Monster” e uma briga feroz com a Marvel Studios que cerceou sua liberdade em “Thor - O Mundo Sombrio”, oque a fez largar o projeto, Patricia Lea Jenkins, ou simplesmente Patty Jenkins, chegou a DC/Warner em meio a um baita bombardeio de críticas, e com serenidade e um baita pulso, tomou o projeto em seus braços tal qual uma mãe protege um filho, defendendo-o a todo custo de boatos e péssimas influências.

Patty Jenkins...

...a grande "comandante" do filme.

Fã declarada do Superman de Richard Donner, algo que cheguei a citar no artigo que fiz sobre o filme do “azulão” de 1978. Patty conduziu com maestria a história de Diana, a princesa de Themyscera, filha de Hypolita, seguindo a risca os ensinamentos do mestre.

Patty com Richard Donner que deu sua benção a diretora

Mas não ainda a super-heroína que a maioria se acostumou a ver.
Pois aqui além de um conto de origem, oque temos é a dura saga de transição de uma princesa, que por mais que tivesse tido ensinamentos e treinamento nos mais diversos campos de conhecimento, a bem da verdade vivia numa cúpula protegida pela sua mãe a rainha Hypolita (Connie Nielsen, excelente) que sabendo da razão de sua existência tenta a todo custo impedir sua “evolução”, mesmo a contra gosto da própria irmã, a general Antíope (Robin Wright).

Durante o trinamento com Antíope...


...Diana começa a descobrir quem de fato era.

Só que quando Diana se depara com o “mundo real”, a princesa passa a aprender, às vezes sorrindo, às vezes chorando, tudo oque aquele mundo tinha para lhe oferecer e lhe ensinar, numa metáfora bem rara para filmes do gênero, que neste ponto nos faz lembrar do jovem Bruce Wayne de Batman Begins, enquanto procura se manter fiel aos seus princípios tal qual qualquer um de nós.
E isto cria a cena mais empolgante não só do filme, mas do gênero em muitos anos, quando em meio a desolação da chamada “Terra de Ninguém” decide agir quando ninguém o fazia, sendo com seu exemplo aquilo que todo o herói precisa ser, um motivador.



E por falar em se manter fiel, não é que houve gente reclamando que o filme não se passava na 2ª Guerra Mundial como originalmente é a origem da Mulher Maravilha. Mas aqui reside mais um e talvez o maior dos acertos do filme.




Nestes tempos politicamente corretos do levantar de bandeiras representativas, lógico que o estúdio iria jogar pesado em cima da questão a emancipação feminina. E não são raras as obras que ao tentar seguir o caminho do “politicamente correto” dão com os burros n’água ao se tornarem panfletárias e consequentemente chatas.
Mas aqui não é o caso, pois ao transportar a ação para a década de 10 do século passado, o filme conseguiu de forma fluída mostrar tal questão já que o tema da contestação do machismo cabia como uma luva para a época. O que não quer dizer que os homens em Mulher Maravilha tenham sido demonizados, não, muito pelo contrário, oque configura mais um ponto para a obra de Patty...ou talvez dois.
Como dois? Bem vamos por partes.

O fator humano passou a ser parte importante da narrativa em Mulher Maravilha
Se há uma coisa inegável no universo da DC Comics que muitas vezes passa batido pelo público médio é a importância que os núcleos de pessoas comuns têm. No caso do Superman, por exemplo, temos não apenas seus pais, como o núcleo do Planeta Diário com Lois, Perry White e logico o melhor amigo de Clark, Jimi Olsen. E nem vou citar aqui o caso do Batman e todos que compõe o mundo de Gotham, pois acho que já falei demais sobre isto na série de artigos sobre a trilogia de Nolan.
E aqui no filme da Mulher Maravilha esta característica que vinha sendo negligenciada é mostrada de maneira explícita, principalmente no grupo que acompanha Diana e Steve Trevor através das linhas inimigas, com destaque total para o personagem Chefe (Eugene Brave Rock, ótimo).

Chefe (Eugene Brave Rock) - Lições passadas para Diana

E aqui entramos naquilo que comentei, de não só os homens não serem demonizados, como a própria Diana acabar por aprender lições para si com eles. Como quando ao conversar com Chefe no acampamento à noite e escutar a história de como o povo do índio tinha sido dizimado ela o indaga que tinha feito aquilo, e olhando para Steve Trevor que dormia, Chefe responde que tinha sido o povo de Steve.
Steve Trevor que foi mais uma grata surpresa, pois Chris Pine que sempre foi um canastrão (não que isto seja necessariamente algo ruim), tem aqui a melhor interpretação da carreira até hoje. Tendo uma sinergia com Gal Gadot da melhor qualidade.

Diana (Gal Gadot) e Steve Trevor (Chris Pine) - Sintonia perfeita
Sinergia esta que também possuía sua contrapartida nos vilões, general Ludendorff (Danny Houston, muito bom) personagem da vida real adaptado para o filme e a Doutora Veneno (Elena Anya).

Ludendorff (Danny Houston) e a Dra.Veneno (Elena Anaya)
E por falar em vilão, lógico, temos de pensar em Ares, o Deus da Guerra (David Thwelis), que durante quase todo o filme fica escondido “atrás das cortinas” por assim dizer com a única intenção de corromper Diana. Uma decisão acertada de roteiro, ainda que esta manipulação não tenha sido realizada com a mesma maestria de um Coringa de Ledger.

Ares ataca...


...e tenta corromper Diana


Ares, o Deus da Guerra

A isto some todo tipo de boa referência, incluso aí a referência/reverência explícita de Patty a Donner na cena do beco. Ou na cena que Diana vai provar um vestido numa loja londrina que foi retirada direto do seriado dos anos 70.

A homenagem direta ao Superman de Richard Donner

Um trabalho excepcional de figurino, tanto nos figurinos imaginários, quanto e principalmente nos figurinos de época, que fazem a gente pensar sobre a capacidade cognitiva da banca de seleção do Oscar.

A junção de figurinos imaginados com outros representativos da época - Um dos pontos altos da produção

A música tema espetacular de Junkie XL que empolga e impacta no primeiro acorde e que aqui tem a oportunidade de brilhar, sendo usada com extrema sabedoria ao longo do filme.
E aquilo que considero o principal. Aquela sensação que você não entrou no cinema apenas como um mero passatempo de duas horas.



Fazendo de Mulher Maravilha não apenas um mero filme de super-herói, mas, sobretudo uma brisa de ar fresco, não apenas para as recentes produções com o selo DC nos cinemas, como também um ponto fora da curva no “mais do mesmo” geral, ao mesmo tempo em que segue a risca aquilo que foi traçado por Richard Donner e Mario Puzo quarenta anos atrás.
Um filme que não apenas é para se assistir, mas para se acreditar.