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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Duro de Matar


Os filmes de ação nos anos 80, seja pelo viés policial ou militar, desde que John Rambo ergueu sua metralhadora M60 em 1982, nunca mais foram     os mesmos, sendo marcados por uma estética de heróis pétreos, verdadeiros exércitos de um homem só.
E mesmo havendo exceções como em Máquina Mortífera, ou no já resenhado aqui Trovão Azul, tal conceito ainda reinou quase absoluto, mas isto foi até 1988, e a chegada de... Duro de Matar.


Duro de Matar pode ser considerado um daqueles filmes que não dá pra repetir as condições em que foi realizado.
Dirigido por John McTiernan, que um ano antes tinha estreado no cinema com o hoje também clássico “O Predador”, e baseado no livro de suspense “Nothing Lasts Forever” de 1979, Duro de Matar pode ser considerado uma espécie de epopeia hermética.

O diretor John McTiernan

No começo somos apresentados ao detetive de Nova York, John McClane (Bruce Willis), que brigado com a esposa (Bonnie Bedelia), e à beira de um eminente divórcio, atravessa o país para encontrá-la na festa de fim de ano da empresa que trabalhava, isto à beira do natal. Só que durante a comemoração o prédio é invadido por um grupo de treze terroristas.
E este sujeito encurralado e sem escolhas, se vê forçado a dar combate àquela ameaça, transportando o público numa espiral ascendente e contínua de tiros, sangue, cacos de vidro, e porque não bom humor.


Mas afinal oque faz Duro de Matar algo tão único até aquele momento, e talvez até hoje?
Bem, depois de ler algumas resenhas sobre este clássico ao longo dos anos, considero que o “pulo do gato” do roteiro não está em uma grande novidade, e sim justamente em colocar toda questão humana do protagonista e suas dificuldades em lidar com um mundo que mudava a sua revelia em primeiro plano.


Pois há bem da verdade, as questões abordadas aqui em “Duro de Matar” que humanizavam o personagem sempre tentaram se fazer presentes em diversos outros filmes de ação, vide  “Falcões da Noite” para o qual já fiz matéria aqui, na problemática relação de Deke Da Silva com a ex-esposa. Ou até mesmo no já citado clássico truculento Rambo, na solidão do personagem na sequência em que se esconde numa caverna e conversa com o coronel Trautman pelo rádio, que, diga-se de passagem, possui aqui mesmo em Duro de Matar uma cena até semelhante.


 Contudo, tais elementos que sempre eram colocados em segundo ou até terceiro planos, aqui são o principal elemento propulsor do roteiro, fazendo o público não apenas torcer, mas também se identificar com o policial nova-iorquino, por sua persistência diante das adversidades, pelo seu amor pela família, seu bom (e irônico) humor capaz de enlouquecer qualquer malfeitor, e até por ficar falando sozinho enquanto pensa oque faria entre um tiroteio e outro (risos).


Um herói absolutamente imperfeito, desacreditado em boa parte da história, que só consegue apoio no sargento de polícia Al Powell (Reginald Vel Johnson), e que no decorrer do filme vai sendo ferido de quase tudo que é jeito, chegando aos momentos finais da película como um autêntico farrapo humano (me lembro bem de algumas reações das pessoas no cinema na época), e que combatia vilões europeus altamente refinados para os padrões hollywoodianos da época.

O sargento Al Powell - O único que acreditava em McClane

Tudo devidamente otimizado num roteiro que não deixava brechas para maiores fôlegos para público, mas que não caía na armadilha de alguns filmes atuais, em criar um ritmo tão vertiginoso que oblitera o raciocínio da plateia, embrulhado em hora claustrofóbicas, hora grandiosas e mesmo (ou seria principalmente?) inverossímeis cenas de ação.


Fora isto, lógico, é preciso lembrar que Duro de Matar é praticamente um filme de estreias. Pois como no já citado caso de seu diretor, que ali estava em sua segunda empreitada, o filme foi o primeiro grande sucesso de Bruce Willis, que apesar de já ter tido outras experiências cinematográficas, era mesmo conhecido na época pelo seu papel no seriado “A Gata e o Rato” (Moonlight no original), e que nem de longe tinha sido a primeira escolha para o papel que chegou a ser ofertado a atores como Arnold Schwarzenneger, Sylvester Stalonne e até mesmo Burt Reynolds.

Bruce Willis demorou para ser escolhido para o papel

O mesmo para o finado bailarino russo Alexander Godunov, que com certeza muitos ainda se lembram do ótimo “A Testemunha” no qual fazia um dos habitantes da comunidade “amish”, mas que só aqui no papel do quase indestrutível terrorista Karl, só parado pelo mira certeira de Al Powell, conseguiu merecidamente se destacar.

Alexander Godunov era Karl, o terrorista quase indestrutível

E óbvio, a maravilhosa estreia, do hoje infelizmente também falecido, Alan Rickman, como Hans Gruber, o líder do grupo de invasores.

Alan Rickman era Hans Gruber em sua estreia no cinema

Fora isto o filme ainda pode se dar ao luxo de realmente destruir um prédio inteiro durante suas filmagens, já que o arranha-céu usado estava programado para ser demolido, e sendo bem perto dos estúdios da Fox possibilitou uma economia no orçamento numa época sem as facilidades dos efeitos de computação gráfica.


Tudo para criar um filme cuja, a estrutura de roteiro se tornou referência para várias cópias feitas posteriormente, e gerou até agora um total de mais quatro sequências, que lógico não chegam aos pés do original, sendo que o prequel (desnecessário) que conta a origem de John McClane está vindo aí.




Em 2017, Duro de Matar foi selecionado para ser preservado pela Biblioteca do Congresso Norte-Americano, pela sua relevância cultural e histórica significativas.


Colocando Duro de Matar em seu merecido lugar. Não só como ótimo entretenimento, mas ao lado de outros filmes, que como citei no começo deste texto, dificilmente conseguirá ser realizado nas mesmas condições, ficando indelevelmente marcado nos corações e mentes de todos por várias décadas.











segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Esquadrão Atari


Em 1982 a DC Comics recebeu uma encomenda da empresa que fabricava o videogame Atari. Nesta encomenda a editora de Batman e Superman recebeu a incumbência de criar uma revista que seria dada como um brinde em alguns cartuchos de jogos da empresa.
 Mas o que começou como uma mera jogada comercial se transformou em uma das séries de quadrinhos mais importantes de todos os tempos... Nascia ali, o Esquadrão Atari!


Como foi dito, a Atari a fim de incrementar suas vendas no começo de 1982 encomendou a DC Comics uma HQ  para vir junto a alguns de seus jogos (Defender, Berserk, Star Riaders, Phoenix e Galaxian), numa inteligente jogada de marketing, na qual para saber a conclusão da HQ seria necessário adquirir os diferentes cartuchos nos quais vinham as partes da minissérie.

A primeira equipe do Esquadrão Atari - Ação comercial que funcionou mais do que o esperado

Mas como naquela época ninguém estava pra brincadeira, a tal encomenda caiu no colo de dois maiores nomes dos quadrinhos de todos os tempos, Gerry Conway e Roy Thomas.

Roy Thomas em sua breve passagem pela DC...


... e Gerry Conway ficaram responsáveis pelo roteiro, posteriormente passando apenas para Conway

Aqui nesta sua primeira versão, que se passava no então distante ano de 2003, tínhamos a Terra à beira de uma catástrofe ecológica, e a busca de um novo lar para a humanidade pela tripulação da nave Scanner One através do “multiverso”. Sim do “multiverso”. Você não leu errado. Pois Esquadrão Atari foi um dos pioneiros neste conceito mesmo nunca estando conectado com o “universo principal” da DC.

A 1ª tripulação da Scanner One


Na tripulação da Scanner One, escolhida pelo A.T.A.R.I (Advanced Technology Research Institute) tínhamos Martin Champion, comandante da equipe; Lydia Perez, piloto e primeira-oficial; Li-San O”Rourke segunda oficial, o médico Lucas Orion; Mohandas Singh o engenheiro de voo; e Hukka a mascote do grupo.
Infelizmente esta primeira fase nunca chegou a ser publicada no Brasil. E ainda que a premissa da história não tenha sido das mais originais, remetendo diretamente a obras como “Perdidos no Espaço” e até mesmo “Patrulha Estelar”, seus personagens foram tão bem construídos e boca a boca disseminou uma fama muito além do esperado que em pouco mais de um ano, Esquadrão Atari renascia para sua segunda, e sem nenhum eufemismo, espetacular fase.

A 1ª edição norte-americana do "novo" Esquadrão Atari

Vinte anos depois de o antigo Esquadrão Atari ter achado para a humanidade um novo lar, a chamada “Nova Terra”, Martin Champion vivia isolado em um satélite de onde ficava a enviar sondas para diversas partes do multiverso.
Até que num belo dia começa a receber sinais do que acredita ser uma grande ameaça. Um antigo inimigo do Esquadrão Atari que estaria de volta, o Destruidor Negro. E saindo de seu autoexílio, Martin tenta convencer a todos da ameaça, mas como já era de se esperar ninguém lhe dá ouvidos.
Convicto da ameaça que se aproximava, Martin Champion rouba a Scanner One e forma uma nova equipe, a fim de encontrar e deter o perigo antes que chegasse a Nova Terra.


Aqui preciso abrir um parêntese, pois é obvio que se você que está lendo este artigo, e nunca teve o prazer de travar contato com o Esquadrão Atari, mas é ligado em animação deve estar percebendo as semelhanças entre a premissa aqui citada, e a de Patrulha Estelar 2.
Mas é lógico que isto é apenas uma consideração deste escriba, e não há como saber se Gerry Conway - que ficou sozinho à frente da roteirização desta nova fase - teve ou não influência da saga do Yamato, contudo, isto em nada desmerece oque foi criado, pois oque vem depois disto é de explodir a mente.

José Luis Garcia Lopez na segunda fase se torna o único desenhista da HQ.

Sob o traço exclusivo do mestre José Luis Garcia Lopez - já que na primeira fase, cada edição teve um desenhista diferente - esta nova equipe era composta por Chris Champion, o filho de Martin, que era conhecido por Tormenta (Tempest no original) que era capaz de se teletransportar através do Multiverso; Dart, uma mercenária que vez ou outra era capaz de enxergar imagens de possíveis futuros; Bebê, um enorme alienígena filhote de uma raça que ao atingir a maturidade se transformava em montanhas; Morfea, uma empata de uma raça alienígena criada para não ter emoções; Paco Rato, um alienígena covarde mas que era o maior ladrão do universo, e que se pressionado liberava seu lado mais selvagem por assim dizer.

As duas equipes Atari 
Sendo que no decorrer da saga, eles recebem as adições de um pirata espacial chamado BlackJack que era amante de Dart; o baixinho Taz, que era o último sobrevivente de sua raça, isto lógico até dar a luz, pois sua raça se reproduzia por autogênese; e Kargg, o ex-braço direito do Destruidor Negro.
Destruidor Negro que posso dizer aqui sem medo de errar estar no meu “TOP 5”, talvez “Top 3” de vilões. Um antagonista brilhante em suas estratégias, mal em sua essência, e quando revela sua verdadeira identidade, afirmo a você que está lendo e nunca tenha batido os olhos em Esquadrão Atari, vai fazer seu cérebro parar de reagir por alguns momentos.

O Destruidor Negro - Um vilão brilhante

Fora isto, a saga ainda trás momentos pouco ou nunca vistos em HQ’s até então, já que na história de Conway, situações controversas ou cenas de sexo aconteciam sem o menor pudor, bem na linha de outra saga contemporânea, Camelot 3000.

As "relações intimas" de alguns personagens...


... e outros momentos, pouco comuns, se tornaram referencial

Isto tudo emoldurado pela arte já citada de José Garcia Lopez que aqui me arrisco dizer atingiu seu ápice. Com o artista simplesmente jogando para longe boa parte das convenções de se desenhar quadrinhos que haviam até então, e servindo de base para pelo menos 90% do que foi feito a partir dali.

A perspectiva de Garcia Lopez, quebrou a "demarcação" que havia para os quadrinhos

Contudo, esta pode ser considerada apenas a “primeira parte” da segunda fase, pois como todos bem sabemos os direitos de todos os personagens no fim das contas era da Atari, que informou a DC que iria romper a parceria, criando-se assim a chamada “segunda parte” da segunda fase, quando o roteiro passou para as mãos de Mike Baron, que justiça seja feita não é ruim, mas que talvez por força de saber que a coisa ia acabar não repetiu o mesmo grau de excelência de Conway, terminando a saga apenas com míseras vinte edições publicadas.




Aqui em nosso Brasil, Esquadrão Atari foi publicado no icônico “formatinho” da Editora Abril, com sua saga espalhada pelas revistas “Heróis em Ação” e a já resenhada aqui “Superamigos”, repetindo o sucesso de outros países, e se tornando mesmo hoje uma das mais populares epopeias de quadrinhos já criadas. E que serviu sim de inspiração direta para vários outros personagens e equipes criados posteriormente.

Esquadrão Atari, a base para várias Hq's que vieram depois

Mas infelizmente como já foi dito, os personagens não sendo de propriedade da DC Comics, ficaram apenas nas lembranças e garimpo pelos sebos da vida por um bom tempo. Só que isto começou a mudar em 2015, quando a Dynamite Enterteinment, uma editora que vem sendo responsável pelo resgate de alguns personagens antológicos, até mesmo da linha pulp como “O Sombra”, conseguiu os direitos de publicação da primeira versão do Esquadrão Atari.

Algumas das edições brasileiras das quais Esquadrão Atari foi capa.
E agora vem a surpresa, que lógico, não tenho confirmar de forma alguma, e aguardo tão ansiosamente quanto você que está lendo.
Existe a promessa que em 2019, chegará enfim as comic shops estadunidenses um encadernado, trazendo todas as edições de Esquadrão Atari.



Por isto, com os pulmões já inflando de esperança, fico aqui na torcida ao escrever estas últimas palavras, de que este sonho se concretize, e que alguma editora brasileira, ainda que aos preços que sabemos não serem para qualquer um, enxergue a multidão de fãs antigos que aguardam pelo dia do retorno dos Champions, Dart e companhia.


E de quebra mostre a toda uma nova geração, o quanto que determinados personagens hoje supervalorizados beberam desta fonte, tornando Esquadrão Atari um dos maiores marcos dos quadrinhos de todos os tempos.